Separar-se do mundo
não ocasiona a ruptura dos laços de caridade. Felicitações a seu amigo pela
fidelidade à sua vocação, apesar das provações. Obstáculos que se encontram no
mundo. Afirmar com São Francisco de Sales: “Nossas imperfeições são instrumentos
de salvação”. Casamento de um confrade de São Vicente de Paulo, Le Taillandier.
[maio de
1838]
Meu caro amigo e irmão em J.C.,
Estou tanto mais sensível às repreensões de sua
amizade que não saberia encontrar refúgio em minha consciência: encontraria
nela um juiz ainda mais severo para censurar minha preguiça e minha
negligência. Digo, portanto, humildemente, mea culpa e me entrego à sua
indulgente caridade, para me descobrir alguma boa desculpa. Todavia, teria para
alegar o seguinte: você está doravante em lugar tão santo, sob custódia tão
boa, que minha afeição tranqüilizada pode abandonar toda solicitude. Mas isso
não desculpa: existe asilo tão santo que nossa fraqueza não se deixe
surpreender nele, existe custódia tão vigilante que o demônio, cúmplice
conosco, não saiba eludir? Aliás, por estar fora do mundo, você não rompeu com
ele os laços de caridade; como os santos continuam querendo bem no céu aqueles
que amaram nesta terra, em seu piedoso retiro você ainda se lembra de nós, você
reza por nós, você nos deseja no bom caminho, você chora com nossas penas e se
alegra com nossas alegrias. Oh! que eu evite a todo custo, meu caro amigo,
interromper relações tão preciosas; necessito demais delas, e se um dia minha
moleza as negligenciasse, repreenda e ralhe, a caridade o exige, entre numa
santa cólera e Deus o abençoará por isso.
Fiquei singularmente edificado, meu caro amigo,
pela nobre firmeza com a qual me respondeu quando eu manifestava alguns temores
sobre as conseqüências, para sua vocação, dos acontecimentos vividos em sua
família. O sacrifício não foi feito pela metade: Deus lhe pareceu
definitivamente a melhor parte, você a escolheu e não quer deixá-la escapar.
Deste modo, confirma-se cada vez mais pela provação e pelos fatos a sua
vocação. Oh! sim, Deus é a melhor parte, e felizes aqueles que podem abraçá-la
unicamente! No mundo, qualquer coisa que se faça, estendendo os braços para o
Senhor, abraça-se antes dele tudo o que se acha atravessando, e se, num ardor
santo, quisermos afastar estes obstáculos importunos, não temos o direito de
fazê-lo. Todos gritam e reclamam, pela carne, pelo sangue, pelo sentimento,
pela conveniência, todos têm direito de propriedade sobre você; é preciso
afrouxar, submeter-se. Só através disso podemos, em raros momentos e bem
imperfeitamente, penetrar até Deus. Assim, caro amigo, acontece comigo. Outros
fazem melhor, eu sei, e alegro-me para a glória de nosso divino Mestre; mas o
grande número é como eu: o mundo os oprime, não poderiam vencê-lo nem
desenredar-se dele.
É triste, caro amigo, andar sempre sem jamais
avançar, e percebendo muitas vezes que depois de muitos dias temos recuado, que
estamos mais longe do objetivo! Mas a quem então vou fazer tais lamentações?
Você não o sabe também, caro amigo, você não passou por essas provações no
passado? E mesmo hoje, (por que não confessar?) você não tem suas
lutas também? Oh! sim; em vão faço de conta que o perfeito repouso é para os
que lhe são parecidos, o perfeito repouso só se encontra no céu. Em todo
lugar, o Espírito Santo o disse, a vida do homem é má, em todo lugar, exceto no
seio do Senhor, do Pai que está nos céus, do Mestre divino que nos quer
recolher a todos, lá em cima, debaixo de suas asas. Oh! Desapagar-se para
correr mais rápido, já é muito, é tudo o que nos é permitido, é isso que você
fez, é isso que eu não tive a coragem de fazer; eis por que o invejo e llhe
digo: Feliz!. Eis por que, quando você se queixa, eu o acho injusto e digo:
“Deus não tem, então, nenhuma criatura sem queixas nem choros, que o bendiga
sempre, contente com a parte que lhe foi feita. Murmuro aqui e me aflijo com a
minha miséria. Em outro lugar, é a mesma coisa: somente os mais santos
comprimem sua dor e gemem no coração de Jesus! Armemo-nos com coragem, meu
amigo, guardemos nossas fraquezas, façamos até que sirvam ao nosso proveito,
humilhando-nos, aceitando nossa abjeção e digamos com São Francisco de Sales:
“Oh! felizes e caras imperfeições, vocês me serão instrumentos de salvação”.
Suas contas, caro amigo, são fáceis a resolver
para o passado e para o presente. Sobre os 60f que recebi há três meses, dei 30f à Sra. Houdan e 30f a mim; quanto aos 60f que sua carta me anuncia,
ainda não vi nem a eles nem ao parente que devia trazê-los.
Tudo aqui está como sempre, os santos perseveram,
outros definham e eu sou um deles; nossas pequenas obras se mantêm. Nosso amigo
Le Taillandier se casa no fim do mês85; ele vai ao Mans e se encarrega
de um estabelecimento industrial (fábrica de açúcar). Esqueço talvez outras
notícias parecidas, mas se assim for, você corrigirá a conta na sua passagen
por aqui. Procure que seja quanto antes. Adeus, meu querido irmão, reze por
nós, pobres pecadores, suplique a nossa Mãe querida e seu divino Filho; eu
também os suplicarei da melhor forma possível por você.
Lembranças de veneração para o bom Sr. Lecomte
e a você terna afeição.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
Esquecia de lhe dizer, para o Sr. Lecomte, que o início do Sr. Joseph de
Mirebeau, seu aluno, foi muito brilhante. Ele não pregou (explico-me) fora, mas
somente diante de sua Comunidade. Os juízes severos que o cercavam ficaram
maravilhados. Aliás, sua regularidade, sua piedade fervorosa são igualmente
edificantes, ele é visto como um homem de grande esperança.
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