Compaixão por ocasião
do falecimento do pequeno Joseph Pavie. Oração por Maria. Mistério e fecundidade
do sofrimento. “As horas de aflição são bem escolhidas para se ler mais
grandemente nas coisas de Deus”. Sua própria família também passa por
provações.
Paris, 19
de novembro de 1841
Caro Victor,
Não sei que instinto de terna afeição me preocupava a seu respeito estes dias e
parecia me avisar que sua alma aflita chamava a si os que lhe são devotados.
Não sentia nada de preciso, porém, a não ser a necessidade de lhe escrever, e o
teria feito, caro amigo, mesmo se sua carta não tivesse chegado, com suas
tristes revelações. Mas o que dizer a tais penas? Como impedir as entranhas de
gemer? Como esgotar tantas recordações graciosas e amargas que sem cessar
voltam e tomam o lugar das doces ilusões do futuro? Tenho medo, caro amigo,
de não saber, mesmo com a ajuda de minha terna simpatia por você, penetrar
bastante nessas profundezas. Há na sua carta expressões tocantes, que são para
mim como uma luz sobre essas potências da alma, que são fonte de amor e de
sofrimento; mas sinto que não acompanho sua querida esposa e você até o fim
último: um coração de mãe tem abismos que só Deus pode sondar.
Oh! Possa o Senhor descer bem intimamente nas suas duas almas que ele fez e
redimiu, e tocá-las com sua mão divina para consolá-las e curá-las. Sim, caro
amigo, fiz-lhe esta prece e, como hoje é um dia de Maria, véspera de um outro
dia dedicado também à sua memória, rezei a Maria, mãe também, para que o gládio
que os traspassa manifeste ao Senhor todo o amor, toda a resignação de seu
sacrifício e o torne precioso diante dele. Nas horas de piedosas efusões você
disse várias vezes: “Ó Deus, o que lhe retribuiremos? O que há em nós de caro e
íntimo, fosse no fundo de nossas entranhas, que não lhe ofereçamos? E o Senhor
estendeu a mão, pegou o dom oferecido. Não o lamente, caro amigo, ele o tomou
para si, isso é para a eterna felicidade. Que pena que ele não tome ainda
tudo o que somos, e tudo aquilo que temos, pois a vida está nele e procuramos a
vida, pois Ele é o amor e nossas almas suspiram só pelo amor. O doce anjo o
sabe agora: que ele o revele àqueles que deixou, que paire sobre vocês e seja
como o anjo da guarda de seu lar, que ele o torne ainda mais santo e os faça
aspirar pelo céu que é sua morada e onde seus ternos carinhos os esperam.
É assim que você encara, vejo-o bem, este ato da vontade divina. É um passo a
mais, diz você; sim, todo sofrimento, toda dor é um passo. Arrastamo-nos, não
se anda de outro jeito. Mas nesta via, após alguns degraus ultrapassados, os
olhos se abrem e mergulham na imensa verdade. O mistério da cruz revela sua
sublimidade e a alma entra na posse da felicidade prometida. Bem-aventurados os
que choram, sim, bem-aventurados pela alegria do sacrifício, pela alegria do
despojamento, do amor submetido e dedicado, que se imola por aquele que ele ama
e o glorifica submergindo tudo nele.
As horas de aflição são bem escolhidas para se ler mais grandemente nas coisas
de Deus. Permita-me, caro amigo, sugerir-lhe, para leitura íntima, um livro que
foi indicado a mim mesmo por um homem grave e santo, e cuja substância, creio,
lhe irá bem. É o Intérieur de Jésus et de Marie, pelo Pe. Grou. Esse título não é muito atraente, mas não
pare aí. Conheço-o mal, ou essa pura e santa contemplação da alma do divino
Mestre lhe convirá. Para abreviar, vou passar no livreiro e encarregá-lo de
remeter um exemplar dessa obra à casa do Sr. Leclerc, com pedido de lho fazer
chegar. Aceite, caro amigo, este dom singelo de seu irmão afeiçoado.
Você tem tantas penas, caro amigo, preciso lhe dizer também as minhas? Minha
boa e venerada mãe, com perto de oitenta anos de idade, está abatida.
Recupera-se penosamente de uma doença e começa a se levantar um pouco cada dia.
O marido de minha irmã, de cama há quatro meses, sofre de um problema cardíaco
que apresenta os sinais mais alarmantes. Minha irmã, entre minha mãe e seu
marido, fraca e franzina como é, não se deitava mais estes últimos tempos. Ela
vigiava numa poltrona, indo de um à outra. Em todo o caso, uma tão longa
interrupção faz um prejuízo irreparável a meu cunhado, para sua carreira, e o
embaraço se introduz em seus negócios. A educação dos filhos reclama
sacrifícios; ajudarei nisso um pouco, mas eu mesmo não tenho tanta fortuna e
saúde.
À minha vez, caro amigo, peço suas orações por minha família e as também de sua
querida amiga. Esta terna troca de orações fará crescer a caridade entre nós e
nos aproximará de Deus, estreitando ainda mais nossos laços. Minha mulher toma
uma terna parte em suas penas, nas da Senhora Pavie, sobretudo. Que pena, não
poder lhe prometer também suas orações. Oh! caro amigo, imploro a você, peça
por ela essa graça que nos leva a orar. Respeitosa lembrança a seu pai, e a
vocês dois minhas mais caras amizades.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
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