Encorajamentos e
testemunhos de afeição. Discretamente, o Sr. Le Prevost exprime a esperança de
vê-lo consagrar sua vida a Deus. Ele fortalece seu zelo pela obra da
Sainte-Famille, que ama “porque ela consola e edifica os pobres.”
Duclair, 4
de setembro de 1844
Caro amigo,
Você não me pediu resposta e eu não prometi responder; no entanto, se julgo
pela alegria que me causou sua pequena epístola, algumas linhas de lembrança de
seu amigo ausente serão bem acolhidas por você. Escrevo-as, portanto, às
pressas, nos meus joelhos, e com grande risco de ser interrompido, pois
pertenço neste momento tão plenamente à minha família, que é somente de
escapada que posso roubar um momento.
A leitura de sua carta me tomou ontem todo o período da manhã, um pouco porque
está rabiscada aqui e acolá, como de costume, um pouco também por uma outra
razão que deixo você adivinhar. A impressão que me fica, caro amigo, é doce,
consoladora, feliz; sinto-me mais confiante no presente, mais tranqüilo para o futuro.
Tinha necessidade, muita necessidade há muito tempo, de alguns detalhes íntimos
sobre suas disposições interiores para com aqueles que o amam. Sofria muitas
vezes e não ousava me queixar, por medo de ser mal compreendido; agora estarei
mais tranqüilo, pois creio poder responder por você. Não peço que você mesmo
responda, conheço-o bem, e não sou fácil de contentar em afeição. Se,
portanto, estou contente e me mostro seguro do futuro, por que você também não
o estaria? Quanto a mim, caro amigo, quanto ao que se encontra na intimidade de
minha alma por você, não lhe digo absolutamente. Minhas palavras lhe dão medo,
diz você, meu silêncio o persuadirá melhor e o tempo também trabalhará em meu
favor.
Eu teria agora muitas coisas para dizer, rechaço-as e as empurro para o mais
fundo do meu ser, de onde quereriam sair. Você fala, caro amigo, do
frescor, da vivacidade das primeiras afeições; procure, pelo pensamento,
entender aquelas que são consideradas como as últimas: quando, ao chegar ao cume
da estrada e com os pés já na descida, se olha para trás. Ah! você não vê que,
naquele momento de adeus e de pesar, se pode gritar para Deus: “piedade, meu
Deus!” Mais uma doce afeição, uma só, para encantar meus últimos dias, para que
o exílio seja menos duro e a espera mais suportável”? Se Deus nos atende na sua
indulgente bondade, se nos manda alguma alma meiga, terna, simples, que
com ingenuidade abra o coração para nós e receba também nossas efusões, será
que isso não é como uma flor de outono, mais suave, mais perfumada do que
aquela da primavera? Não é bem perto do coração que ela é colocada, esta flor
tanto mais cara e preciosa que o inverno vem chegando e que nada mais
florescerá?
Não insisto, pois prometi não dizer nada; aliás, é a mim mais do que a você que
estou falando agora; justifico aos meus próprios olhos um sentimento que
julguei muitas vezes excessivo e que o seria, sem dúvida, se não fosse
oferecido a Deus de onde vem, tenho certeza, e a quem o farei voltar todo
inteiro. Como as afeições assim elevadas, caro amigo, tornam-se puras, santas,
apesar de sua força e de seu ardor. Eu estava lendo de novo há pouco, num livro
de São Bernardo que me emprestou meu bom pároco, uma carta do santo abade a
Roberto, seu jovem parente que o tinha abandonado; compreendi um pouco e senti
também o que vale e até onde vai em ternura, em dedicação, uma afeição cristã.
Um pensamento consolador também me veio: é que essas ternuras imensas não são
senão um fraco derramamento do infinito amor de nosso Deus que forma seus
discípulos e os ensina a amar do mesmo modo, senão tanto, como ele mesmo ama.
Se, portanto, sentimos nossos corações mornos e muito pouco fervorosos em amor,
aproximemo-nos dele, ele será nosso mestre e saberemos amar.
Faz três vezes que me interrompem e, como bem tinha previsto, não poderei
conversar intimamente com você aqui; como boa compensação, em certas horas do
dia, faço longos e solitários passeios; desde que um panorama me agrade, que um
vale, uma mata, algum acidente da natureza me pareça pitoresco e lindo, chamo
alguém para me ajudar, a fim de melhor admirá-lo e para apreciá-lo comigo.
Adivinhe bem quem pode ser essa pessoa e não vá longe demais, caro amigo, você
o encontrará com certeza; senão, em alguma próxima excursão com você, um
domingo, vou lhe dizer melhor; mas você não vai acreditar, talvez, pois você é
duro de acreditar; em seu lugar, eu acreditaria logo e já.
É preciso, antes de terminar, agradecer-lhe pelos pormenores tão precisos e tão
interessantes de sua carta sobre nossa Santa Família117; tudo estava
bom, e nossos pobres estavam felizes. Que o bom Deus, nosso Pai, seja bendito
por isso. Você estaria errado, de resto, em pensar que isso se fez sem mim;
todos os dias, fielmente, rezava por esta família bem-amada; sábado, o dia
inteiro, acompanhei em pensamento a você, caro amigo, e a todos os nossos
amigos nas corridas multiplicadas que tinham de fazer; domingo, desde cedo,
ofereci a Missa e a Santa Comunhão por esta pequena obra. Enfim, às duas horas
e quinze, na hora em que se encerra a sessão, disse com todo o fervor de minha
alma a oração da Santa Família para estar de coração com você. Você está vendo
que não ficava ocioso e que uma pequena parte do bem que se fez cabe a mim. Gosto
desta pequena obra do fundo do meu coração, não por ser nossa, nem porque sonho
para ela, como você, grandes destinos, mas porque ela me parece bem no espírito
cristão, e porque consola e edifica os pobres aos quais, desde há muito e
ardentemente, desejei consagrar meu sopro de vida. Oremos bastante para que
Deus sustente, purifique nosso zelo e não deixe nossos esforços sem frutos.
Coloque-me um pouco no meio de suas orações e boas obras, caro amigo; o mereço,
pois você sempre tem uma grande parte nos meus mais caros pensamentos.
Encarrego meu bom anjo de mensagens freqüentes para você e, se escutá-lo bem,
sua voz deve ir avante no seu coração. Segunda-feira, como lhe tinha prometido,
pedi a missa na intenção de seu pobre pai118 e assisti a ela com todo o
fervor de que estava capaz.
Adeus, querido, ame a mim tão bem como você puder, não peço nada mais; não seja
ciumento, pois o amo de preferência, mais e diferentemente que os outros; não
seja invejoso, pois, levando em conta sua idade, você está longe de ter algo a
invejar a alguém. Agradeça a Deus por alguns dons preciosos que ele lhe tem
feito, deixe que eles cresçam e progridam aos raios de sua graça, mas sobretudo
ofereça-os a ele, reze ardentemente para que ele os tome para seu serviço antes
de deixá-los ao mundo; com isso, responderei por você de um bom e útil futuro;
com isso, você terá seu amor que vale mais do que tudo, e por acréscimo, a
terna, bem terna, sempre mais terna afeição de
Seu devotado amigo e irmão em N.S.
(até
segunda-feira)
Le Prevost
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