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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 2 -  ao Sr. Pavie
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2 -  ao Sr. Pavie 2

Impressões do Sr. Le Prevost sobre os acontecimentos de 1830. Sua necessidade de perfeição. Vida cultural. Relações de amizade. Julgamento sobre V. Hugo.  avènement

 

Paris, 17 de agosto de 1830

 

            Esta folha, de qualquer jeito, devia ser sua, meu caro Victor. Teria sido escrita, mesmo  se a sua tivesse demorado um dia a mais. Será uma resposta, já que é posterior. Que  comece logo agradecendo o interesse afetuoso e terno que você me  testemunha. Não saberia dizer o quanto fico sensível, o quanto as lembranças que você me traz através desses grandes eventos3 me parecem preciosas. Por que não me detinha, meu amigo, no momento em que você corria para Babilônia? Por fraco e lerdo que eu fosse, o teria seguido de todo o coração e você teria quebrado de uma só vez todos os nós que eu não sabia desembaraçar em minha consciência. Seu entusiasmo, guia bem mais seguro para mim que minha própria razão, me teria arrastado sem dificuldade até lá, reconheço. Aprovando esforços justos e generosos, perguntava se as massas comovidas iam depois se acalmar pacificamente, se todos esses homens, heróis hoje, aceitariam retomar o martelo, talhar a pedra com golpes calculados, combinar lentamente letras nos compartimentos da gráfica. Este sangue que fervia em suas veias ia tão depressa se acalmar? Chegados ao objetivo, não iriam transbordar bem mais longe. Uma nobre confiança era bem maior e sobretudo mais justa, mas eu não a sentia. Vendo que você a tinha, meu amigo, eu a teria compartilhado. Com efeito, falo com você, apenas para dizer em alta voz a alguém e também para que você conserve minha bela imagem sem alterar sua pureza ideal, para que permaneça sempre intacta diante de meus olhos, como prova de que tudo que se sonha às vezes de nobre, de generoso, de espontâneo para o bem, qualquer que seja, existe verdadeiramente em algum homem de nossa terra. Não saberia mais completar o que queria dizer. Não me sinto mais bastante forte em meu propósito para estar certo de que corresponderia à realidade. Chega, portanto. No entanto, se, através de tudo isso você entrevê, meu amigo, uma opinião talvez exagerada de você, queira atribuí-la somente a essa necessidade de perfeição que nos persegue, que é preciso satisfazer não importa sobre o quê e que nos apega avidamente aos menores rastros que  dela encontramos. Estes últimos tempos, aliás, puderam dar boa oportunidade a tal disposição; oh! como partilho muito sua admiração pelos homens e pelas coisas! Quando os povos exprimem assim suas emoções, como seus aspectos, seus grupos, suas agitações ondulosas, são um imponente espetáculo! Que vastas aberturas para a razão e a filosofia! Mas não lhe parece que a força física, quando chega a uma tal potência e uma tal moderação de si mesma, quase se funde com a força moral e que chegou ao momento de se retirar totalmente para ceder-lhe o lugar para sempre? 

 

            Tudo volta ao normal aqui, se modifica sem esforço, entramos na ordem habitual. A preocupação com os acontecimentos cessa aos poucos, os lazeres voltam, a alma recomeça a deixar este mundo onde nada mais a segura e volta a seus sonhos. As letras, os cantos, a poesia, tudo isso reaparece, o teatro está novamente cheio. Não parecia que nunca mais tais coisas aconteceriam? De fato, somos como que movidos à mola, dobramo-nos um momento sob as circunstâncias e nos reerguemos em seguida, voltando à nossa posição ordinária. Eu mesmo, anteontem, estava na Ópera, e o Comte Ory4, Nourrit, Madame Damoreau, Taglioni me deram impressões de arte mais autênticas, mais vivas do que nunca. Você não conseguiria, meu amigo, ter uma idéia sobre  La Marseillaise, cantada por Nourrit com os coros e a orquestra e repetida pela assembléia! Se houve em tudo isso o menor frenesi, ou até uma exaltação demasiadamente enérgica, suscitando lembranças sangrentas, só me teria deixado  horror e pavor. Mas, represente-se ao contrário o conjunto bem e puramente na arte, sem dela sair nem pela encenação, nem pelo efeito, encontrando nas simpatias do dia apenas uma disposição mais delicada  e melhor informada, e talvez você chegue, enquanto se pode, tão friamente e pelo pensamento, ter  alguma idéia sobre o fato. Teria ficado feliz se você estivesse ali perto de mim. Pensei muito nisso. Não deixe, meu amigo, quando, por sua vez, encontrar vivas impressões em seus campos ou alhures, de me convidar também para lá e de me fazer partilhar contigo algo disso. Oh! tenha a certeza de toda a minha simpatia, tenha a certeza de ser compreendido por mim, não importa o que faça ou diga, tenho por você ao mesmo tempo a compreensão e o sentimento

 

            Esta carta começa a ser tão comprida que não ouso mais prolongá-la; no entanto, ainda, meu amigo, tinha previsto seus desejos. Tinha ido visitar o Sr. Hugo5 no fim da semana passada. Ele havia saído, encontrei somente sua esposa grávida, perto de seus filhos e consertando-lhes as meias. Todo esse mundo vai bem. O Sr. Hugo partilha as idéias do dia, mas está decidido a não aceitar função de qualquer tipo e bem mais ainda a não procurá-las. Fala-se de Marion de Lorme, ela será apresentada, mas somente no decorrer do inverno. Você estará presente. Eu via, nestes dias passados, uma pequena carta de Henri IV assim escrita, dirigida não sei mais a quem: “Amigo, preciso de seu braço, prepare-se, esteja tal dia, em tal lugar, muita gentemorrerá”. Imagino, meu amigo, que se o Sr. Hugo fizesse a representação na sua ausência, não deixaria de chamá-lo por uma linguagem desse tipo. Voltarei a visitá-lo, primeiro por mim e por você também. Acho que se pode resistir aos desejos, quando um amigo está presente,  mas não em sua ausência.

            Adeus, caro amigo, amo você tão sinceramente quanto é possível. Eu preciso também de sua parte, entendamo-nos bem, não de uma porção desse interesse generoso e bom que você concede a todos os que o rodeiam, mas sim dessa pura e verdadeira amizade, escondida no fundo, bem no fundo de sua alma e da qual se pouco e a pouca gente. Somente isso, meu amigo, pode me satisfazer e responder a todos os meus sentimentos por você.

Léon Le Prevost 

 

            Faça de mim seu homem de negócios aqui, durante sua ausência. Tenho para isso tudo o que é preciso, capacidade e boa vontade.

            O Sr. Gavard vai bem e sua gente com ele; deve ter-lhe escrito. Haviam arrombado a porta da  sua casa que ele tinha abandonado, para procurarem  infelizes Guardas reais, que achavam estarem ali escondidos, mas não mexeram em nada na  casa. Ele está ao menos em condição de lidar com os assuntos do momentoLimita-se,  porém, a agir com  bom senso, quase nada além disso. Muitas vezes temos falado de você, com exceção do futuro.

 

            O Sr. Mazure virá? Teria tanto prazer em revê-lo! Tinha começado a lhe escrever depois dos acontecimentos, para contá-los e tranqüilizá-lo a respeito de você e de todos nós, mas  é impossível acabar logo a  carta, que tinha, acho, muitas linhasescritas.

 

            O Sr. Trébuchet6 ficou no seu lugar e aí continuará, espero. Será que é tudo? Os artigos7? Envio  um com esta carta. Eu o resumi bastante, o encurtei. Se fosse seguir minha apreciação, um traço de pena lhe daria justiça. Se você o pegar, vou me esforçar para que a seqüência seja menos ruim. Deixá-la-ei mais tarde na casa de seu correspondente, cujo número anotarei na casa de sua Senhora.

(Léon)

 

 





2 Victor Pavie (1808-1886). Nascido em Angers, rua Saint-Laud, subiu a Paris para estudar o direito. Poeta e escritor, seu estilo literário é bem apreciado nos salões literários da capital e no pequeno círculo de seus amigos de Angers. De imediato, a alma do Sr. LP foi conquistada: esses dois corações generosos e amantes eram feitos para se entender. Confidente da volta a Deus do Sr. LP, V. Pavie sentirá, à sua vez, a influência de seu amigo que voltou a ser cristão convencido. Sua correspondência (57 cartas) só cessará na morte do Sr. LP em 1874.

 



3 O Sr. LP escreve após os eventos revolucionários de 1830, em Paris, notadamente dos 27, 28 e 29 de julho de 1830 (as Três Gloriosas). Com a abdicação de Charles X e a elevação de Louis Philippe, a Monarquia de Julho sucede à Restauração.



4 Ópera (1828) do compositor italiano Rossini.



5 Com seus amigos Gavard e Pavie, o Sr. LP freqüenta os círculos literários de Paris, sobretudo o Cenáculo dos românticos, com seu chefe, V. Hugo. Em 1829, o poeta publicou as Orientales, das quais o Sr. LP obterá um exemplar com dedicatória. O dia 25 de fevereiro desse ano 1830 marcou, com Hernani, o início de uma briga em que se enfrentaram os ‘clássicos’ e os ‘românticos’. Seu drama, Marion de Lorme, só será apresentada de novo em agosto do ano seguinte, 1831.



6 Primo da esposa de Victor Hugo, nascida Adèle Foucher, será graças a ele que o Sr. LP freqüentará intimamente, até em 1832, o poeta e sua família (cf. carta de V. Pavie a M. Maignen, 18 de agosto de 1882).



7 O pai de V. Pavie era proprietário de uma gráfica que publicava, em les Affiches dAngers, um anexo científico e literário, o Feuilleton de la Quinzaine. A pedido de seu amigo, o Sr. LP colaborava a essa pequena folha literária.





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