Comentário sobre os acontecimentos
revolucionários. Contraste das paixões humanas. Pequena crônica de suas
relações amigáveis. Duelo de Sainte-Beuve
Paris,
29 de setembro de 1830
Segundo sua última carta ao nosso amigo Gavard,
esperava, meu caro Victor, receber logo uma de você, datada do mar, com cheiro
de alga e de brisa, com o zumbido das ondas como uma concha do mar, mas nada.
Você seria, então, tão infeliz, meu amigo, a ponto de ter abandonado esse
projeto? Nesse caso, retome-o rápido, Nunca, meu bom Deus, foi mais necessário
mergulhar nas alegrias puras e etéreas da natureza, quando, de toda a parte, o
material das coisas nos assalta, nos absorve. Felizes os que podem fugir. Ao
menos para mim que a necessidade amarra ao material, fiquei logo inteiramente
mergulhado nele. A revolução dos fatos não é maior que minha revolução
interior. Leio todos os jornais, os soletro e os medito. Apaixono-me por
eles ou contra eles; a contradição me revolta. Fico mudo em toda reunião social
sobre a política, por precaução contra a irritação que sinto em mim, prestes a
explodir. Quando as conversas ao redor me chocam, logo pego meu chapéu e minhas
luvas e eis-me correndo a perder o fôlego! Não me condene, meu caro amigo,
antes de ter você mesmo passado por esta prova. Se, após um mês passado aqui,
toda a violência despertada dos partidos, a tolice de uns, as infames
esperanças dos outros, a irracionalidade, o egoísmo de todos não o exasperarem,
não lhe causarem tanto horror quanto a mim, me oferecerei a ser julgado por
você. Em verdade, na vida pacífica que estávamos levando, os homens dormiam.
Essa calma, esse descanso combinavam bem com o seu estilo e velavam a nulidade
ou a baixeza da alma. Mas eis que estão acordando e sobre todas essas faces
passam e se formulam ignóbeis paixões, para nós quase desconhecidas até então.
Oh! o horrível espetáculo! Basta, não é?
Todos os meus amigos felizmente permaneceram
belos. Isso constitui um refúgio. Com quanta felicidade aproximamo-nos deles.
Volte, meu amigo, logo. Você nos faz muita falta. Temos ainda o Sr. Mazure.
Vejo-o quase todos os dias e quase cada manhã. Conversamos perto de sua
lareira. Encontrei esta manhã, na casa dele, Ballanche8, mas quando
estava saindo, como uma aparição. Só me ficaram seus dois olhos que, num
relance, eu via brilhar através da abertura da porta, como uma fascinação. Vi o
Sr. Hugo há uns oito ou dez dias; havia ali uma espécie de caboclo do Danúbio
que ele parecia não reconhecer ou nunca ter visto; era constrangedor, não temos
falado muitas coisas particulares.
Um jornal traz que Sainte-Beuve9 e
Dubois do Globe, nomeado Inspetor Geral dos Estudos, tiveram um duelo. Ainda
não pude saber por quê, como, nem quais as conseqüências. Nenhuma deplorável,
sem dúvida, pois se saberia. Se eles estão, espero, sem acidente e melhores
amigos do que antes, para poetas isso não será em vão e as emoções de tudo isso
serão benefício para a alma. Longe de mim que eu considere tal acontecimento
como desejável para eles e para os outros; não é a você, meu amigo, que tenho
necessidade de explicar meu pensamento.
Mando-lhe um artigo pouco caprichado, talvez
falso do início até o fim; veja, você mesmo.
Adeus, meu caro amigo. Depressa uma carta,
muitas, versos, prosa, tudo, e você sobretudo, quanto antes.
Seu todo
amigo
Léon Le
Prevost
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