O Sr. Le Prevost está
aflito por ter recebido dele uma carta “dura e desanimadora”. Mas ele não tem
que se justificar das queixas que contém. Como o temperamento vivo e
impressionável de Maurice Maignen deve se corrigir. Procurar evitar toda
ofensa.
São
Valéry-em-Caux, 25 de junho de 1846
Meu caro filho,
Sua carta entristece-me tanto que quero responder-lhe logo, embora, esperando
para amanhã ou mais tarde, tivesse mais esperança de fazê-lo com calma e acerto.
Isto me será um alívio, senão uma consolação.
Com efeito, caro amigo, deve ter acontecido que, sem eu saber e bem contra
minha vontade, o tenha bem profundamente irritado, para atrair sobre mim uma
carta tão dura e tão desanimadora como a sua. Não me lembro de ter escrito algo
igual para ninguém, e, apesar do conhecimento que tenho das minhas deploráveis
imperfeições, não posso deixar de crer que um pouco menos de severidade o teria
mantido mais perto da verdade. Passo de bom grado, de resto, por tudo aquilo
que você enuncia sobre meu caráter e os excessos de minha vontade; sei que suas
censuras não são sem fundamento; se for preciso fazer algumas restrições para
atenuá-las, não pertence a mim propô-las, deixo ao seu coração de amigo achá-las,
senão agora, ao menos em algum outro momento em que seu espírito estará menos
desfavoravelmente prevenido contra mim. Mas nada aceito, meu caro filho, de
tudo aquilo que você imputa-me, em forma de esquecimentos ou de impotência de
coração para com você, e nas minhas relações com meus outros amigos. Tenho
algumas afeições bem sinceras e bem devotadas, que cultivo fielmente há muitos
anos e que conservarei, espero, até o fim. Evito, é verdade, aumentar o seu
número e, sob esse aspecto, seria, creio, exato dizer que fujo das amizades de
grande intimidade, em vez de afirmar, como você faz, que elas se retiram de
mim. Dou uma grande importância às obrigações que um laço de coração impõe e,
sentindo-me tão fraco, recuo diante de uma carga cujo peso conheço.
Quanto a você, meu caro filho, o que dizer-lhe, senão que o amei com toda a
ingenuidade, com toda a simplicidade de um coração que, em todos os outros
casos, não tinha-se entregue senão com reserva, e com você somente
abandonava-se plenamente e todo inteiro. Tinha sonhado sempre com uma afeição
tão devotada, tão generosa, tão pura, que fosse a fusão real das almas e sua
vida numa só; tinha pensado que, Deus intervindo sem cessar para santificar e
manter essa união santa, ela poderia permanecer, preservar-se de todo golpe,
sustentar e consolar, no caminho do exílio, os pobres corações que tendem para
a pátria. Uma tal união é para os anjos e não para nós, aspirar a ela é excesso
de presunção; ao menos, só os santos podem aproximar-se dela. E eu devia saber
isso demais, eu não sou um santo. Portanto, caro amigo, minha afeição, contando
demais com a potência e a intensidade interior que ela sentia em si mesma,
mostrava-se exigente, e, em sua ilusão, via nesta mesma exigência uma prova de
solicitude e de dedicação. Não procuro saber se você deveria ter entendido essa
disposição de coração, tê-la escusado, ou pelo menos, sem deixar ampliar-se em
você tanto descontentamento, ter-me avisado, mais claramente e mais cedo, de
que sua alma não tinha assim bastante espaço nem livre curso. A falha é minha,
sem dúvida: deveria ter percebido isso, prevenido suas queixas e exigido menos
de sua afeição. Mas você é bem injusto, caro amigo, quando fala de desprezo, de
superioridades altivas, de desconhecimento daquilo que pode haver de bom em você. Há só
duas coisas em que tenhamos direito de nos mostrar ciumentos: é a nossa
inteligência e o nosso coração; sob este duplo aspecto, ouso desafiá-lo a achar
um só fato, uma só palavra, em meus relacionamentos tão íntimos e tão habituais
consigo, que você poderia, com certa aparência de razão, considerar como uma
negação de suas qualidades de espírito e de coração. Tenho procurado, em toda
oportunidade, seu parecer e muito freqüentemente segui suas inspirações; e,
quanto ao seu coração, cem vezes lhe declarei que a razão única ou primeira, ao
menos, de minhas preferências afetuosas por você não era outra senão a
delicadeza e a elevação de seus sentimentos. Por que obrigar-me a repetir-lhe
aqui, cruamente, coisas que a gente gosta mais de adivinhar do que de ouvir
dizer diretamente demais? Em alguns curtos instantes de irritação, escusáveis
talvez no meu estado de saúde e por muitas outras causas ainda, somente
censurei em você alguns pequenos defeitos de caráter; mas não é guardar disso
ressentimentos por demais vivos, o fato de entrar em desconfianças exageradas,
de exaltar seu espírito em mil imaginações tristes e desanimadoras, e
esmagar-me depois sob a repercussão dessas lutas interiores? Por uma falta tão
leve, na hora e sempre pedi-lhe perdão, e essa terna reviravolta de afeição
deveria ter curado logo tais arranhões. Não é o que está acontecendo, caro
amigo, e aí está a única causa de nossos choques; não se deve procurá-la em
outro lugar. Em muitos casos, eu poderia ter mostrado uma susceptibilidade
parecida, mas faço um esforço, enquanto você se recusa a fazê-lo. Subo de volta
até a intenção, aprecio o alcance do golpe e arranco o espinho sem pensar mais
nisso. Se você tivesse tido o mesmo tratamento com as leves picadas que
vieram-lhe de mim, ponho a mão na minha consciência, e declaro que nenhuma
vinha do coração nem visava ao coração, nenhuma atingia seu espírito e seus
sentimentos, nenhuma revelava, da minha parte, a falta de estima, nem a
diminuição de minha afeição. Ouso conjurá-lo, caro amigo, senão por mim, ao
menos por você, que experimente esse método no futuro; ele irá poupar-lhe
muitos cuidados, muitas tristezas a seus amigos.
Você não desconhece menos meu pensamento e meus sentimentos, caro amigo, quando
censura-me por não ter provocado, de sua parte, uma explicação. Sua conduta
para comigo parecia-me tão ofensiva e tão inconcebível que não podia atribuí-la
senão à inconstância ou à lassidão do coração; diante de uma tal causa, só
podia gemer penosamente sobre você e sobre mim; eu o fiz com mais perturbação e
dor do que teria sido preciso, sem dúvida, mas não falei nada, tendo o costume,
não de ficar sem piedade como você diz, mas de sofrer em silêncio e de rezar
quando fico profundamente ferido. Parece-me, então, que somente Deus pode
ouvir-me e curar-me, e volto-me para Ele. Eis aí meu grande recurso em meus
desânimos e nestes mal-entendidos tão freqüentes, em que pobres corações, como
os nossos, têm boa vontade, falam entre si, lamentam-se para fazer-se entender
e não conseguem. Aqui mesmo, nesta pequena cidade em que estou, encontrei uma
velha senhora, amiga e parente de minha pobre mãe. Julgando que eu demorava
demais para visitá-la, ela mesma veio encontrar-me, apesar de seus 80 anos,
levou-me à sua casa e cumulou-me de bondade. Mas ela é surda a ponto de não
poder ouvir a mínima palavra; a tudo aquilo que eu podia dizer para
exprimir-lhe minha viva gratidão, ela gritava-me: “É inútil, não ouço nada.”
Então, tomei sua mão e apertei-a afetuosamente, olhando para o céu; ela
entendeu-me assim e sorriu-me suavemente. Voltemo-nos para este lado, caro
amigo, e, como o fizemos tantas vezes, saberemos ainda nos entender e
reaproximar nossos corações.
Você achará ainda, eu tenho medo, que esta carta é mais triste do que terna;
você se enganará de novo; ela é uma e outra coisa ao mesmo tempo; minha
primeira carta estava repleta de bondade e de doce conciliação; desejei que
esta fosse no mesmo sentimento; não sei se ficará contente comigo por isso.
Como não seria triste? Esgotado de corpo e de espírito, quebrado pelo coração
tantas vezes, tinha pensado achar em você um pouco de descanso e de consolação,
e você me aflige mais do que os outros; os movimentos contínuos de seu
espírito, que não se pode contentar com a santa monotonia de uma afeição
tranqüila, perturbam-me e inquietam-me constantemente; aqui mesmo, onde
procuro, em vão sem dúvida, um pouco de força e alguma moratória em meu
sofrimento, você me esmaga com duras repreensões, sem uma palavra do coração
para suavizar-lhes a amargura. Se esta queixa, embora feita bem baixinho e
colocada no Coração de Deus ainda mais do que no seu, ainda o irrita, se,
apesar de tudo o que pude fazer e desejar, se, apesar dos bons desejos que
estão em você também e dos quais não duvido, continuamos sem nos entender, é
preciso, caro filho, curvar nossa cabeça e deixar agir o bom Deus; ele
aproximou nossos corações e os manterá na verdadeira caridade; sem Ele, como a
pobre senhora surda, só saberemos dizer: Tudo é inútil, não ouço nada.
Adeus, meu filho querido. Mais uma vez e pela última vez dou-lhe com lágrimas
este nome do qual você não quer mais e ao qual minha terna afeição tinha
juntado tanta solicitude e tanta dedicação ardente; doravante, ainda me
restará, felizmente, dizer-me para você, como hoje,
Seu devotado irmão e amigo em
Nosso Senhor
Le Prevost
P.S. --- Minha saúde ainda não recebeu melhora bem sensível; o ar livre, o mar,
uma vida de grande repouso dão-me um pouco de alívio, mas não encontro essas
voltas de força e de vida que comporta a convalescença. Tudo estará bem, de
resto, pois tudo virá de Deus, e não será, espero, colocado num coração
ingrato. Escreva-me após a reunião de domingo e diga-me se tudo está bem na
Santa Família e na Conferência. Faça o que achar melhor para a estátua, não
esqueça o desenho.
Reze por mim, diga aos nossos amigos mil coisas cordiais por mim.
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