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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 101 - 200 (1843 - 1850)
    • 141 - ao Sr. Maignen
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141 - ao Sr. Maignen

O Sr. Le Prevost está aflito por ter recebido dele uma cartadura e desanimadora”. Mas ele não tem que se justificar das queixas que contém. Como o temperamento vivo e impressionável de Maurice Maignen deve se corrigir. Procurar evitar toda ofensa.

 

São Valéry-em-Caux, 25 de junho de 1846

            Meu caro filho,

 

            Sua carta entristece-me tanto que quero responder-lhe logo, embora, esperando para amanhã ou mais tarde, tivesse mais esperança de fazê-lo com calma e acerto. Isto me será um alívio, senão uma consolação.

 

            Com efeito, caro amigo, deve ter acontecido que, sem eu saber e bem contra minha vontade, o tenha bem profundamente irritado, para atrair sobre mim uma carta tão dura e tão desanimadora como a sua. Não me lembro de ter escrito algo igual para ninguém, e, apesar do conhecimento que tenho das minhas deploráveis imperfeições, não posso deixar de crer que um pouco menos de severidade o teria mantido mais perto da verdade. Passo de bom grado, de resto, por tudo aquilo que você enuncia sobre meu caráter e os excessos de minha vontade; sei que suas censuras não são sem fundamento; se for preciso fazer algumas restrições para atenuá-las, não pertence a mim propô-las, deixo ao seu coração de amigo achá-las, senão agora, ao menos em algum outro momento em que seu espírito estará menos desfavoravelmente prevenido contra mim. Mas nada aceito, meu caro filho, de tudo aquilo que você imputa-me, em forma de esquecimentos ou de impotência de coração para com você, e nas minhas relações com meus outros amigos. Tenho algumas afeições bem sinceras e bem devotadas, que cultivo fielmente há muitos anos e que conservarei, espero, até o fim. Evito, é verdade, aumentar o seu número e, sob esse aspecto, seria, creio, exato dizer que fujo das amizades de grande intimidade, em vez de afirmar, como você faz, que elas se retiram de mim. Dou uma grande importância às obrigações que um laço de coração impõe e, sentindo-me tão fraco, recuo diante de uma carga cujo peso conheço.

 

            Quanto a você, meu caro filho, o que dizer-lhe, senão que o amei com toda a ingenuidade, com toda a simplicidade de um coração que, em todos os outros casos, não tinha-se entregue senão com reserva, e com você somente abandonava-se plenamente e todo inteiro. Tinha sonhado sempre com uma afeição tão devotada, tão generosa, tão pura, que fosse a fusão real das almas e sua vida numa só; tinha pensado que, Deus intervindo sem cessar para santificar e manter essa união santa, ela poderia permanecer, preservar-se de todo golpe, sustentar e consolar, no caminho do exílio, os pobres corações que tendem para a pátria. Uma tal união é para os anjos e não para nós, aspirar a ela é excesso de presunção; ao menos, só os santos podem aproximar-se dela. E eu devia saber isso demais, eu não sou um santo. Portanto, caro amigo, minha afeição, contando demais com a potência e a intensidade interior que ela sentia em si mesma, mostrava-se exigente, e, em sua ilusão, via nesta mesma exigência uma prova de solicitude e de dedicação. Não procuro saber se você deveria ter entendido essa disposição de coração, tê-la escusado, ou pelo menos, sem deixar ampliar-se em você tanto descontentamento, ter-me avisado, mais claramente e mais cedo, de que sua alma não tinha assim bastante espaço nem livre curso. A falha é minha, sem dúvida: deveria ter percebido isso, prevenido suas queixas e exigido menos de sua afeição. Mas você é bem injusto, caro amigo, quando fala de desprezo, de superioridades altivas, de desconhecimento daquilo que pode haver de bom em você. Há só duas coisas em que tenhamos direito de nos mostrar ciumentos: é a nossa inteligência e o nosso coração; sob este duplo aspecto, ouso desafiá-lo a achar um só fato, uma só palavra, em meus relacionamentos tão íntimos e tão habituais consigo, que você poderia, com certa aparência de razão, considerar como uma negação de suas qualidades de espírito e de coração. Tenho procurado, em toda oportunidade, seu parecer e muito freqüentemente segui suas inspirações; e, quanto ao seu coração, cem vezes lhe declarei que a razão única ou primeira, ao menos, de minhas preferências afetuosas por você não era outra senão a delicadeza e a elevação de seus sentimentos. Por que obrigar-me a repetir-lhe aqui, cruamente, coisas que a gente gosta mais de adivinhar do que de ouvir dizer diretamente demais? Em alguns curtos instantes de irritação, escusáveis talvez no meu estado de saúde e por muitas outras causas ainda, somente censurei em você alguns pequenos defeitos de caráter; mas não é guardar disso ressentimentos por demais vivos, o fato de entrar em desconfianças exageradas, de exaltar seu espírito em mil imaginações tristes e desanimadoras, e esmagar-me depois sob a repercussão dessas lutas interiores? Por uma falta tão leve, na hora e sempre pedi-lhe perdão, e essa terna reviravolta de afeição deveria ter curado logo tais arranhões. Não é o que está acontecendo, caro amigo, e aí está a única causa de nossos choques; não se deve procurá-la em outro lugar. Em muitos casos, eu poderia ter mostrado uma susceptibilidade parecida, mas faço um esforço, enquanto você se recusa a fazê-lo. Subo de volta até a intenção, aprecio o alcance do golpe e arranco o espinho sem pensar mais nisso. Se você tivesse tido o mesmo tratamento com as leves picadas que vieram-lhe de mim, ponho a mão na minha consciência, e declaro que nenhuma vinha do coração nem visava ao coração, nenhuma atingia seu espírito e seus sentimentos, nenhuma revelava, da minha parte, a falta de estima, nem a diminuição de minha afeição. Ouso conjurá-lo, caro amigo, senão por mim, ao menos por você, que experimente esse método no futuro; ele irá poupar-lhe muitos cuidados,  muitas tristezas a seus amigos.

 

            Você não desconhece menos meu pensamento e meus sentimentos, caro amigo, quando censura-me por não ter provocado, de sua parte, uma explicação. Sua conduta para comigo parecia-me tão ofensiva e tão inconcebível que não podia atribuí-la senão à inconstância ou à lassidão do coração; diante de uma tal causa, só podia gemer penosamente sobre você e sobre mim; eu o fiz com mais perturbação e dor do que teria sido preciso, sem dúvida, mas não falei nada, tendo o costume, não de ficar sem piedade como você diz, mas de sofrer em silêncio e de rezar quando fico profundamente ferido. Parece-me, então, que somente Deus pode ouvir-me e curar-me, e volto-me para Ele. Eis aí meu grande recurso em meus desânimos e nestes mal-entendidos tão freqüentes, em que pobres corações, como os nossos, têm boa vontade, falam entre si, lamentam-se para fazer-se entender e não conseguem. Aqui mesmo, nesta pequena cidade em que estou, encontrei uma velha senhora, amiga e parente de minha pobre mãe. Julgando que eu demorava demais para visitá-la, ela mesma veio encontrar-me, apesar de seus 80 anoslevou-me à sua casa e cumulou-me de bondade. Mas ela é surda a ponto de não poder ouvir a mínima palavra; a tudo aquilo que eu podia dizer para exprimir-lhe minha viva gratidão, ela gritava-me: “É inútil, não ouço nada.” Então, tomei sua mão e apertei-a afetuosamente, olhando para o céu; ela  entendeu-me assim e sorriu-me suavemente. Voltemo-nos para este lado, caro amigo, e, como o fizemos tantas vezes, saberemos ainda nos entender e reaproximar nossos corações.

 

            Você achará ainda, eu tenho medo, que esta carta é mais triste do que terna; você se enganará de novo; ela é uma e outra coisa ao mesmo tempo; minha primeira carta estava repleta de bondade e de doce conciliação; desejei que esta fosse no mesmo sentimento; não sei se ficará contente comigo por isso. Como não seria triste? Esgotado de corpo e de espírito, quebrado pelo coração tantas vezes, tinha pensado achar em você um pouco de descanso e de consolação, e você me aflige mais do que os outros; os movimentos contínuos de seu espírito, que não se pode  contentar com a santa monotonia de uma afeição tranqüila, perturbam-me e inquietam-me constantemente; aqui mesmo, onde procuro, em vão sem dúvida, um pouco de força e alguma moratória em meu sofrimento, você me esmaga com duras repreensões, sem uma palavra do coração para suavizar-lhes a amargura. Se esta queixa, embora feita bem baixinho e colocada no Coração de Deus ainda mais do que no seu, ainda o irrita, se, apesar de tudo o que pude fazer e desejar, se, apesar dos bons desejos que estão em você também e dos quais não duvido, continuamos sem nos entender, é preciso, caro filho, curvar nossa cabeça e deixar agir o bom Deus; ele aproximou nossos corações e os manterá na verdadeira caridade; sem Ele, como a pobre senhora surda, só saberemos dizer: Tudo é inútil, não ouço nada.

            Adeus, meu filho querido. Mais uma vez e pela última vez dou-lhe com lágrimas este nome do qual você não quer mais e ao qual minha terna afeição tinha juntado tanta solicitude e tanta dedicação ardente; doravante, ainda me restará, felizmente, dizer-me para você, como hoje,

 

            Seu devotado irmão e amigo em Nosso Senhor

 

                                               Le Prevost

 

            P.S. --- Minha saúde ainda não recebeu melhora bem sensível; o ar livre, o mar, uma vida de grande repouso dão-me um pouco de alívio, mas não encontro essas voltas de força e de vida que comporta a convalescença. Tudo estará bem, de resto, pois tudo virá de Deus, e não será, espero, colocado num coração ingrato. Escreva-me após a reunião de domingo e diga-me se tudo está bem na Santa Família e na Conferência. Faça o que achar melhor para a estátua, não esqueça o desenho.

            Reze por mim, diga aos nossos amigos mil coisas cordiais por mim.

 




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