Notícias de sua irmã,
Dona Salva, e de seus filhos. A má saúde do Sr. Le Prevost é uma provação
pesada. Sua dedicação não pode mostrar todo o seu valor. Fertilidade dessa cruz
que o Senhor lhe impõe. Ele entende melhor que a união a Deus permite a
fertilidade da ação apostólica. Aos desejos de ação social do Sr. Maignen não
falta ideal, mas o Sr. Le Prevost mostra-lhe os limites e as ilusões dos
mesmos. Para remediar as misérias do tempo, precisa-se de um maior realismo e,
sobretudo, de sermos repletos, como os Apóstolos no Cenáculo, do Espírito de
luz e de força.
Duclair, 30
de agosto de 1846
Agradeço-o, caríssimo amigo, pela amável delicadeza com que você esquadrinha
minhas disposições interiores, para remediar o que lhe parece deficiente.
Essa atenção de um coração para um outro é um dos mais comoventes ofícios de
uma verdadeira afeição. No entanto, não estou tão triste como você o pensa,
caro amigo. Vejo com felicidade que nosso pequeno lar familiar, que acreditava
para muito tempo derrubado pela morte de minha bem-amada mãe, se reforma um
pouco e não será completamente destruído. Reencontrei em minha irmã esses
sentimentos tão ternos e tão devotados, que nos apegaram invariavelmente um ao
outro desde nossa infância e que nunca a menor nuvem perturbou. Seus filhos
cresceram e seguem em
frente. Seu filho, em particular, está bem mudado para
melhor, é estudioso e ajuizado. Com seus 17 anos apenas, já tem estatura
de homem, e tudo, na sua voz, no seu olhar, nos seus atos, revela esses
primeiros raios da inteligência que toma conhecimento de si própria e do
despertar do coração ao sopro do sentimento. Esse instante é decisivo na vida e
não passa sem interessar vivamente no seio de uma família. Infelizmente,
reunidos só por alguns instantes, vamos logo nos separar; e eu que, por débil
que seja, deveria ser o ponto de união dessa pequena sociedade, vou me afastar
dela por muito tempo talvez. Muitas vezes, minha irmã se detém no pensamento
de que eu poderia me fixar perto dela e dar-lhe, senão um grande apoio,
ao menos as consolações de uma vida íntima e comum; mas eu conheço bem os
obstáculos invencíveis que se opõem à nossa reunião, fico calado, portanto, e
abstenho-me de encorajar um projeto que não pode concordar com outras
obrigações.
Não se assuste, caro filho,
pela debilidade por demais habitual de meu corpo e de meu espírito; tantos
golpes me feriram ao mesmo tempo, neste terrível ano, que me curvei sob o
choque; mas, se aprouver ao Senhor que viva mais um pouco de tempo e trabalhe,
segundo o que está ao meu alcance, na sua obra, ele me devolverá alguma força
com os dons que sua sabedoria me quiser conceder. Curvar-se sob sua mão, quando
ela nos fere, não é fraqueza, mas submissão; então a atividade e os impulsos de
vida são fora de tempo e supérfluos; é preciso esmorecer e aguardar. Se a hora
de se levantar chegar, ele soprará de novo no coração a inspiração, a força e o
amor. Vou retornar muito frágil ainda de corpo, mas decidido a fazer tudo o que
não me será impossível e a compensar minha fraqueza por minha boa vontade. Não
me pergunto se uma estada prolongada aqui me poderia ser salutar; a aproximação
do inverno tirará dos campos muitas de suas vantagens. Aliás, razões graves,
você sabe, me chamam de volta para Paris. Irei, portanto, no mais tardar, em
meados de setembro, mais cedo, se o irmão Myionnet, de quem espero uma carta, o
julgar conveniente.
Você estranha, caro filho, que o passo dado por mim não tenha sido o momento de
uma transformação luminosa, que teria engrandecido meu ser e dobrado em mim as
potências de ação e de dedicação. Não saberia sondar os segredos do Senhor, nem
pedir-lhe conta de suas condutas a respeito de seus servidores. Desejei desde
há muito tempo me doar todo a Ele, fiz o que dependia de mim para pertencer-lhe
sem reserva. Ele aceitou o sacrifício? Interiormente, acredito que sim, apesar
de, aparentemente, me tratar com severidade. Quem sabe, caro amigo, se as
amarguras que choveram sobre mim não são as gotas preciosas do divino cálice,
os primeiros passos no caminho real da cruz, o selo da aliança mais íntima com
o Celeste Esposo? Uma voz secreta e consoladora o murmurou no fundo do meu
coração, durante esses dias de langor e de tristeza, e provei algumas vezes a
suavidade ainda desconhecida da cruz; por esse sinal, acreditei reconhecer meu
Mestre e o bendisse por não ter desprezado minha miséria. Como os pensamentos
de Deus são diferentes dos nossos, e como nos é difícil entrar no seu espírito!
Tinha sonhado, como você, só com dedicação, trabalhos, ardentes caridades, e,
quando chega, enfim, o dia do sacrifício, meu corpo se abate, suas faculdades
adormecem, meu impulso cai, a ação exterior quase me é interditada; mas, em
compensação, suporto em mim a operação interior do Senhor, feliz, caro filho, e
lembro-me agora desta palavra que você escreveu para mim, sabe, num santinho
perdido: Sustinuit te dilectus, sustine tu
dilectum.150
O que já se passou em mim neste sentido, caro amigo, leva-me a pensar, entre
outras razões, que as idéias contidas na sua carta não são inteiramente justas.
Não creio que estejamos em dificuldade, o Sr. Myionnet e eu, porque damos tempo
demais à oração, à meditação, à leitura dos velhos livros e que negligenciamos
estudar as necessidades, as misérias profundas de nosso tempo, seja
misturando-nos a todas as dores morais e físicas dos que sofrem, seja, pelo
menos, contemplando-as nos livros que, segundo você, as registram. É um fato
incontestável e não contestado, mesmo por você, que não se conhece a Deus e a
si mesmo e ao mundo, senão pela oração. Em Deus contempla-se o tipo infinito de
toda beleza, de toda perfeição moral, de toda virtude; em si mesmo,
reencontra-se o germe e o início de todos os erros, de todos os vícios, de
todos os crimes. Quem não estudou muito tempo neste duplo livro, quem não volta
a ele muitas vezes, nunca entenderá bem o mundo, nunca terá força e luz
superior para influir sobre ele. A condição essencial e primeira de toda ação
exterior está, portanto, ali, tanto para os místicos como para os homens de
dedicação; é uma lei invariável que seguiram nossos predecessores, que seguem
hoje os servidores de Deus nos mais altos graus da santa hierarquia, e que
seguirão ainda os que vão querer, como eles, glorificar a Deus e servir seus
irmãos. Você não nega este ponto, mas você pede que entre o Evangelho, a Imitação e os
outros livros ascéticos, achemos espaço para as obras de imaginação do tempo, a
fim de ver nelas as pragas horríveis da humanidade aviltada, de nos entusiasmar
por ela com uma viva compaixão, e de irmos com mais ardor e luz ao seu socorro.
Não creio, de jeito nenhum, caro amigo, que os sonhos de uma imaginação
delirante, as concepções monstruosas ou fantásticas de espíritos depravados,
fora da verdade quando aspiram ao belo, igualmente exagerados e falsos em suas
idealizações do mal, não, não creio que eles sejam as fontes de escol onde se
deva estudar o mundo em suas misérias, como no seu aspecto positivo. Se for
preciso sair do estudo contemplativo e verificar nas aplicações reais as
revelações da especulação interior, é nas estórias que correm nas ruas, é nos
tribunais, é nos tristes antros do vício e do crime que se podem fazer úteis e
proveitosas observações, pois ali estão, não mais a ficção nem as fantasias
esquisitas do espírito, mas o fato e o real da vida. De resto, a partir do dia
em que aprazeria ao Senhor aumentar nosso número, ampliar nossa tarefa e
enviar-nos aos infelizes pecadores como instrumentos de sua misericórdia, Ele
abriria nossos olhos pelo contato com a matéria confiada aos nossos trabalhos;
Ele daria aos nossos corações a compaixão imensa que apaixona-se pelas
almas afogadas na lama. Então, creia-me, as pretensas revelações de seus
autores seriam bem miseráveis diante das clarezas do real e das iluminações da
graça, e iríamos arrepender-nos muito da atenção, talvez perigosa, que lhes
teríamos dado. Para hoje, aliás, e voltando à esfera de nossa vida atual, para
que servem visões ambiciosas sobre um futuro do qual só Deus tem o segredo?
Quem entre nós sabe a que Ele nos destina, e quem pode prever com certa
precisão suas intenções sobre nós? Não iria censurar seu pensamento, caro
amigo, se, percebendo nitidamente uma meta para as almas de zelo e de
dedicação, você julgasse dever marcá-la com os sinais que manifestam a verdade
e fazem reconhecer o espírito de Deus. Quanto ao presente, não saberia ver
ainda em sua opinião senão um pressentimento longínquo, um desejo, uma
aspiração do coração, em vista de uma melhora vaga e indefinida do estado
social; tal como ela seja, no entanto, a acolhi com simpatia, como um
testemunho da preocupação de seu espírito para tudo o que tende ao bem. Vejo
nela também esse doce hábito, que nós combinamos entre nós, de abrir com
simplicidade nosso coração para deixar o amigo ler o que se passa;
faça sempre assim, caro filho, e tenha a certeza de que sempre será entendido.
Hoje, o irmão Myionnet e eu só temos que fazer humildemente as obras modestas e
já pesadas para nós que o Senhor nos confiou. Se Ele dignar-se emprestar-nos
vida e agregar-nos alguns amigos, esforçar-nos-emos para estabelecer entre nós
um verdadeiro espírito de união, de zelo e de dedicação, e para cimentar o laço
de vida que assegurará nosso futuro. Então, somente então, para aqueles que
virem esta hora, o momento terá chegado de ir, como os apóstolos saindo do
cenáculo, às diversas missões que o divino Mestre abrirá diante deles; pois,
você sabe, caro amigo, somente no cenáculo foram dadas aos discípulos do Senhor
a luz, a chama interior e a invencível coragem; nós também devemos passar por
este santo lugar.
Como esta carta é
longa e séria, caro amigo; teria gostado de terminá-la com um pouco de doce
efusão para que você reencontre o coração de seu amigo perto do seu e sinta um
pouco essa afeição de que você e eu temos necessidade; mas estou muito cansado
e amanhã, logo cedo, parto para passar todo o dia no campo com os meus. Pois,
não vá pensar, após ter lido esta grave epístola, que eu seja austero a ponto
de dar medo, sempre meditando, orando, lendo; de jeito nenhum. Faço pouca coisa
a não ser passeios e conversas alegres com minha irmã e seus filhos; falamos às
vezes um pouco em tom racional ou com ternura; na maioria das vezes nossas
conversas são um passa-tempo, cantamos cânticos, o da Santa Família em
particular que é muito popular por aqui, ou, então, lemos livros de
divertimento. À noite, jogamos alguma partida e vamos dormir. Você vê, caro
filho, retomei rápido a vida de família e, vendo como passam os dias, sinto bem
que essa vida é a mais comum, a mais fácil, a de todos; ouso, no entanto,
aspirar a uma outra mais austera e mais alta; espero que Deus não me rechaçará
dela. Não preciso dizer que sua parte está reservada nesses dias, os quais lhe
esboço aqui um pouco incompletamente. Os meus familiares, aliás, para minha
grande alegria, também não esquecem o que pertence ao Senhor.
Adeus, amigo, filho também, pois não posso tão depressa esquecer esse nome;
peço para isso um pouco de tempo. Adeus, caríssimo filho, rezo sempre e muito
por você, reze também por mim; é uma tão doce maneira de se relembrar dos
amigos e de reavivar sem cessar nossa afeição por eles. Abraço-o com ternura e
sou em J. e M.
Seu afeiçoado irmão
Le Prevost
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