O Sr. Le Prevost tem a
certeza de que Deus chama o Sr. Maignen. A vida de comunidade não se constrói
com afeições humanas; precisa de intenções sobrenaturais, da oração e da santa
caridade. Não se apavorar pela humildade dos começos; trata-se de bem colocar
os alicerces na terra. Apelo ao amor fraterno: ver na “terna caridade de seu
irmão um dom de Deus”.
Duclair, 13
de setembro de 1846
Estava quase esperando receber de você uma cartinha hoje, caríssimo irmão,
embora houvesse pouca aparência de que devesse escrever-me, já que podia pensar
que eu estivesse na estrada, para voltar a Paris. Não esperava, portanto, para
dizer a verdade, senão porque tinha a necessidade de ter algumas linhas suas e
porque, com um certo número de suposições, acha-se sempre o meio de se montar
uma esperança. Estou ainda aqui por dois ou três dias. O Sr. Myionnet, que
aprecia muito a idéia de levá-lo consigo na pequena excursão ou retiro que
projetou, tendo-se organizado somente para o decorrer da semana e não antes, me
convidou a não apressar sem necessidade minha volta. Estarei, portanto, em
Paris somente quarta feira, 16, durante o dia; penso que encontrarei ali uma
carta sua. Até lá, não terei, sem dúvida, notícias suas. Sofreria muito com
este atraso, caro amigo, se sua última carta não me tivesse tranqüilizado a
respeito de sua posição e, sobretudo, de seu estado de espírito. Encontrei, no
meio das preocupações bem naturais do seu coração, uma certa calma, uma espécie
de segurança, que me pareceu o indício da operação de Deus em você. Ora, aí
está o que procuramos, caro amigo, você e nós que o amamos: a certeza de que o
Senhor o chama e o quer conosco. Uma vez bem adquirida essa convicção,
poderemos sofrer, sem dúvida, pelos sacrifícios que uma grande resolução impõe,
mas, gemendo ao mesmo tempo por nossa própria pena e pela dos outros, teremos a
paz no fundo da alma, porque reconheceremos aí a vontade sempre terna e sempre
sábia do nosso Deus. Sem isso, não saberíamos achar nenhuma segurança nem
repouso de coração. Sabemos por experiência que as mais ternas simpatias não
bastam para assegurar a duração das afeições, que elas têm ao menos
inconstâncias ou flutuações que misturam a perturbação às suas mais suaves
alegrias e fazem temer pelo futuro. Mas se, como tudo me deixa agora esperá-lo,
caro amigo, é verdadeiramente uma pura e santa caridade que nos congrega, se é
o espírito de zelo e de dedicação, a necessidade de nos entregar a Deus sem
medida, de unir para o seu louvor nossos corações e nossas vozes, para seu
serviço nossos trabalhos, para a utilidade de nossos irmãos nosso ardor e
nossos esforços, oh! certamente, nossa existência é bem alicerçada, a união se
consumará em nós e firmar-se-á pela duração, pois o Senhor habitará entre nós.
Se é verdade dizer que um fiel, um homem em paz com seu Deus apresenta a união
de um corpo, de uma alma e do divino Espírito, é igualmente certo que uma
assembléia de verdadeiros irmãos é também um corpo e uma alma unidos íntima e
divinamente ao Espírito; que maravilha de caridade, caríssimo amigo, que meio
poderoso de edificação, que obra gloriosa e cara a Deus! É a isso que seu amor
nos chama! Dilatemos nossos corações, elevemos nossos espíritos para
respondermos dignamente a uma tão grande vocação. Importa pouco que nossos
começos sejam pequenos, que nossa roupa, nossos hábitos exteriores continuem
sendo os do mundo, que nossos exercícios não tenham uma regularidade absoluta,
nossas obras, um grande alcance. Se, com um coração reto e puro, colocamos na
base de nossa querida instituição o amor, a dedicação, o desejo ardente e
verdadeiro de reproduzir em nós o divino Modelo que teremos agora como único,
sob nossos olhos, não teremos trabalhado em vão, mais cedo ou mais tarde, nossa
obra sairá de terra, terá, como as que Deus abençoou no passado, seu lugar, seu
futuro e sua missão.
As horas de desânimo em que você me viu muitas vezes, caro irmão, se explicam
pelo sentimento profundo de nossa indignidade para um tal empreendimento; mas,
se Deus se dignar nos apoiar, seria uma fraqueza exagerada não andarmos
com Ele. Não temos que trabalhar sozinhos, com nossas forças, com nossas mãos,
mas, sim, sob a sua conduta, com os meios, os recursos, as luzes, as graças de
todos os tipos que sua Providência fornecerá. Não temos, enfim, que construir,
nós mesmos, o edifício inteiro, mas unicamente, sem dúvida, que limpar a área,
colocar sob a terra talvez os fundamentos esquecidos que aparecerão bem pouco e
não terão valor senão para o arquiteto divino. Esta tarefa bem entendida deve
muito agradar a umas almas que o Senhor tiver tocado; uma vida de uma beleza
toda interior, uma obra obscura e quase despercebida, desprezada talvez ou
contrariada153, tendo como único apoio a confiança no Deus de caridade
e um vago vislumbre de esperança e de futuro. Sim, essa tarefa é nobre e bela,
digna de corações firmes e movidos por um grande amor, mas também, naqueles que
a aceitam, que segurança ela requer de que Deus os aceita e repousará neles!
Mas, mais uma vez também, não duvidemos demais de nós mesmos quando, após um
sério exame de nosso coração, você, o irmão e eu, tivermos dado o passo.
Saibamos bem que a obra de nossa edificação interior, a conversão, a perfeição
de nosso coração não serão o trabalho de um dia, como também não será a obra de
nossas mãos a nossa própria querida instituição. A impaciência, os
desejos demasiadamente apressados, estragariam ambos os empreendimentos. A
humilde oração de cada dia, o trabalho sabiamente executado, a espera paciente
e ternamente confiante deverão ser nossa via e só eles nos conduzirão ao nosso
objetivo.
Você me perguntará, caríssimo amigo, se é você que pretendo exortar por esses
pensamentos aqui enunciados dentro de previsões que o Senhor bem pode não
ratificar. Não, meu muito querido filho, não é precisamente para aconselhá-lo,
você não precisa de meus conselhos, o bom Deus mesmo falará a seu coração de um
jeito bem diferente do que eu poderia usar; mas, escrevendo-lhe, parece-me que
converso com você bem simplesmente, como fizemos tantas vezes nestes longos
passeios cuja lembrança não perderemos. Procuro me dar conta da nossa posição,
das vistas do Senhor sobre nós, daquilo que deveremos fazer para lhes
responder, e o digo a você, caro amigo, sem dar outra importância a isso,
sabendo bem que as previsões servem pouco aos que se abandonaram às condutas do
Senhor e que vão, dia a dia, aonde seu sopro os impulsiona. Será para mim,
acredite, caro amigo, uma doce consolação, um poderoso encorajamento, andarmos
neste caminho lado a lado com você. Melhor do que nunca, nos apoiaremos e nos
reergueremos alternativamente; mais do que nunca nos amaremos e nos daremos um
ao outro, pois cada um de nós verá na terna caridade de seu irmão um dom de
Deus, uma graça para dar-se totalmente a Ele.
Sou bem afetuosamente em J. e M.
Seu irmão devotado
Le Prevost
P.S. – Não deixe de
agradecer ainda por nós o jovem irmão e de assegurá-lo de nossa sincera
afeição. Diga-me qual é sua posição e se ela pode ser mantida ainda por alguns
dias. Reze por nós, não digo se rezo por meu querido filho. Escrever-lhe-ei ao
chegar em Paris ou pelo menos desde que você mesmo me tiver escrito.
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