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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 101 - 200 (1843 - 1850)
    • 164 - ao Sr. Maignen
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164 - ao Sr. Maignen

Incompreensão da família Maignen: Deus e os pobres não precisam nem de ouro nem de prata, mas de “seu coração, de sua vontade, de você mesmo”. Por que o Sr. Le Prevost o aconselha a renunciar ao sacerdócio. Entrar no espírito de paciência e de espera de São Vicente de Paulo.

 

Paris, 18 de setembro de 1846

            Cheguei aqui, caríssimo irmão, quarta-feira como lhe tinha anunciado. Não preciso dizer-lhe que tornei a ver com alegria nosso excelente irmão Myionnet; você sabe quais os sentimentos que nos unem e o quanto nossa pequena família, até aqui tão pouco numerosa, sente a necessidade de fortalecer-se no exercício da vida comum. Esse bom irmão quis bondosamente me acolher também, como se eu valesse algo para ele, tanto é verdade que não são nem as grandes qualidades, nem as vantagens de tipo algum que prendem os homens um ao outro, mas, sim, a retidão do coração, o entrosamento das vontades e, acima de tudo, a inspiração divina da caridade.

            Você entende sem dificuldade, caro filho, que bem depressa se encontrou como uma terceira pessoa conosco e que estava por demais presente em nosso pensamento, para que nosso primeiro movimento não tenha sido orientado para você. O jovem irmão foi, então, desde o início, o objeto de nossas ternas preocupações e de nossa mais cara solicitude. Falamos muito longamente sobre o que lhe diz respeito e temos rezado também bem ardentemente por ele. Não era difícil ficarmos de acordo no ponto principal, você é querido demais por nós, caro amigo, e seus sentimentos são simpáticos demais aos nossos, para que nosso coração não se abrisse inteiro quando você pede  um espaço mais amplo e mais íntimo ainda do que no passado. Só precisávamos procurar o que tínhamos a fazer no atual estado das coisas, para conciliar, ao mesmo tempo, seu interesse particular, o de nossa obra e também o de sua querida família. Penso como você que, para dizer a verdade, todos esses interesses formam um só, e mais cedo ou mais tarde cada um o reconhecerá. Mas essa hora não chegou e,  enquanto isso, temos que  ponderar bastante. A mansidão e a persuasão junto com uma firme vontade são os únicos meios que convêm para você e para nós usarmos. É preciso usá-los, como vocêfez, a fim de esclarecer melhor, se se pode, a opinião de seus familiares. Não julgando nada senão do ponto de vista humano, considerando como sonho e desoladora ilusão os sentimentos de abnegação e de dedicação que o fazem agir, ficam, sobretudo, irritados pelo fato de você não aspirar, pelo menos, ao sacerdócio que lhe asseguraria ainda uma posição respeitável. Ficam feridos ainda mais por isto: vivendo em comum e não tendo mais nada que nos seja próprio, não recebemos nada de você, a não ser sua juventude, seu trabalho, o sacrifício de si mesmo, de sua família e de sua posição. Cegos por um amor próprio que não sabe mais apreciar nada com justiça, eles achariam a condição melhor se, em lugar de tudo isso, você tivesse um pouco de dinheiro a oferecer; não compreendem que, aos nossos olhos, o dinheiro não tem nenhum valor, pois não faríamos nada com ele. Mas aquilo de que precisamos, nós, antes de tudo e quase exclusivamente, é o que você traz, caro filho, nobre e generosamente, não um pouco de ouro, algumas roupas ou utensílios, mas seu coração, sua vontade, seus cuidados, seu pensamento, numa palavra, você mesmo. É disso que Deus e os pobres estão precisando, é também o que procuramos, nós, que aspiramos a servi-los. Não adianta muito esperar, caro amigo, que os pontos de vista de sua família possam ser mudados nesse ponto, mas você poderia, parece-me, mesmo entrando em suas idéias, oferecer-lhe alguns motivos que não seriam sem valor. Primeiro, o Sr. Myionnet compromete-se, para dar satisfação às suscetibilidades de amor próprio, em obter para a Casa das crianças um título de Vice-Diretor ou outro, ao qual seriam ligados, pela Sociedade de São Vicente de Paulo, honorários, ao menos de setecentos ou oitocentos francos ao menos; sua posição seria, portanto, entre nós muito independente e humanamente inatacável. Por outro lado, no que diz respeito à escolha que você está fazendo entre os diversos caminhos que se ofereciam a você, sua família não presta bastante atenção no fato de que a decisão em que você se fixa é para ela a melhor e a mais satisfatória de todas. Sem falar das dificuldades, para não dizer das impossibilidades que haveria para você em começar, na sua idade, a fazer estudos, a fazer depois os anos de Teologia, sem meios para a sua subsistência e sua manutenção, durante um período de cinco ou seis anos pelo menos. Que pesares não teriam os seus familiares se, mais tarde, você não fosse perseverar; se chegasse, após ter entrado no seminário, ter vestido o hábito eclesiástico, a decepcionar-se com as dificuldades, a mudar de opinião ao menos e a voltar para o mundo, vocêencontraria ali embaraço e desânimo.

     Conosco, ao contrário, uma provação de um ano não ocasiona conseqüência nenhuma para seu futuro, não faz nenhum estrondo, não o separa do mundo por nenhuma distinção aparente e decisiva. Enfim, seus familiares não pensam também que, querendo decididamente consagrar-se a Deus, você poderia, como me declarou a mim mesmo, colocar entre os seus e você uma barreira intransponível entrando na ordem de São João de Deus, nos Franciscanos, nos Jesuítas ou num outro lugar. Apresente todos esses motivos à sua família, caro amigo, com afeição e firmeza ao mesmo tempo, e você fará, espero, alguma impressão nos seus espíritos. A coisa seria simples e bem provável, se você tivesse que lidar só com sua excelente mãe e seu irmão. Esclarecidos pelo instinto de uma terna afeição, entenderiam logo que há aí algo justo e verdadeiro e que aqueles que o amam deveriam estar  felizes com a decisão sábia e toda transitória que você toma. Mas, você entende, os conselhos que recebem os exaltam e irritam, sofrem o contra-golpe das paixões que as coisas de religião levantam em certos corações e agem sob uma inspiração que não lhes é própria. No entanto, com um pouco de tempo e de paciência, a calma voltará, creio, em suas almas, a afeição vencerá, e sua causa será ganha. Seu irmão veio à casa no mesmo dia da chegada de sua carta; o Sr. Myionnet não lhe escondeu que você estava em Chartres, sem dar-lhe, porém, precisamente seu endereço, que não pediu; a Senhora sua mãe (isto é um segredo de que você não deve apresentar ser conhecedor) foi visitar o Sr. Beaussier e não rejeitou absolutamente suas razões, sem, no entanto, mostrar-se inteiramente atingida por elas. As informações que temos recebido assim constantemente sobre as disposições de sua família tornaram inútil a visita que você tinha pedido para os Srs. Turqui e Desquibes. O Sr. Beaussier pensa que você agirá com sabedoria evitando  incluí-lo muito no assunto: ignora-se entre os seus que ele seja o Diretor da Casa; enquanto ele é considerado somente como seu confessor, a posição dele é melhor. Ele deseja também que sua família esteja bem convencida de que você agiu fora de toda inspiração exterior e que ninguém de nós o aconselhou, mesmo indiretamente. Asseguram-me que todas as iras caem sobre mim, fico feliz por isso no pensamento de que ninguém mais do que eu está disposto a sofrer alguma coisa por você, se precisa, caríssimo filho. Mas acho que, uma vez passado o primeiro momento de surpresa e de dor, se está hoje com melhores disposições. Teria ficado feliz por ver sua boa mãe e seu irmão, acho que minhas explicações os teriam esclarecido talvez um pouco, mas não posso sonhar em ir visitá-los; acolhê-los-ei tão bem como puder, se acharem que devem pedir para me ver. Eis aí, caro amigo, a situação atual, podia ter deixado de fornecer esses longos pormenores, pois o Sr. Myionnet partirá para Chartres segunda ou terça-feira, a fim de vê-lo e de examinar com você se podem fazer juntos um pouco de retiro. Tudo isso irá ganhar tempo e servirá seus negócios. Os Srs. Beaussier e Myionnet pensaram que havia uma grande vantagem, os coraçõespodendo acalmar-se cada vez mais com o tempo e chegar a pensamentos de conciliação. Entramos, aliás, assim, desde o início, no espírito de paciência e de suave espera de nosso Santo Padroeiro, que nunca quis nada precipitar. Quanto mais sua decisão tiver sido livre, refletida, firme em superar os obstáculos, tanto mais valor  terá diante de Deus e de seus próprios olhos.

            O Sr. Myionnet cuidou com muito interesse de seu pobre Gabriel; falará com você a respeito..

            Diga-me, caro amigo, por favor, o endereço do Sr. Levassor a quem precisarei escrever; ele está sendo esperado em breve?

            Eis meu papel, meu tempo e também minhas forças, usados para dar-lhe, caro amigo, todos esses pormenores sérios e necessários e não tenho mais como responder às doces efusões, às ternas expansões de sua última carta. Não estou menos comovido por isso, caro filho, continue assim a derramar todo o seu coração no meu e tenha certeza de que nada me escapa e me é indiferente; você bem sabe que, desde há muito, tínhamos, um para o outro, tirado as portas de nossas almas: a minha fica aberta para você, entre em qualquer hora para pouco ou para muito, não tem importância, você será sempre  bem-vindo.

            Adeus, caro filho. Ontem, os Srs. Myionnet, Nimier e eu rezamos juntos duas dezenas de terço, uma foi expressamente rezada por você. Nossa Santíssima Mãe terá visto os ternos desejos de nossos corações e, purificando-os no seu, os terá, tenho confiança, depositado aos pés do Senhor. Abraçamos a você com ternura, eu um pouco mais fortemente que os outros.

            Seu irmão e amigo em N.S.

                                   Le Prevost

            Boas e afetuosas lembranças ao Sr. Mayer.

 

 




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