O Sr. Le Prevost
reconforta o Sr. Myionnet, inquieto pelas dificuldades de sua vida espiritual.
É sobre a consciência que temos de nossa fraqueza que Deus constrói nosso
santuário interior. Detalhes materiais concernentes aos cuidados caseiros em
Grenelle.
Duclair,
3 de setembro de 1847
Meu caríssimo irmão,
Escrevo-lhe separadamente para conversar um pouco com você, como o fazemos na
segunda-feira à noite, e escrevo também ao irmão Maignen neste mesmo envelope.
Sua carta, meu bom amigo, causou-me grande prazer. Ela é boa, aberta e
confiante e bem me mostra suas excelentes disposições. Tranqüilizar-me-ia mais,
se houvesse necessidade, sobre o estado de nossa obra, do que todos os
raciocínios do mundo, pois onde há bom espírito, retidão de intenção,
sincero amor pelo bem, aí está a graça do Senhor e seu todo-poderoso apoio.
Não se atormente a seu respeito, caro amigo; você sabe
que, se não julgamos seguramente a nós mesmos, enganamo-nos bem menos a
respeito dos outros. Ousaria dizer-lhe que minha atenção fraterna não falta
para você e que vejo positivamente suas disposições. Percebo bem,
aqui e acolá, vestígios de má índole, mas o vejo, ao mesmo tempo, combatê-los e
reprimi-los. Enquanto assim for, caro irmão, pode-se ficar em paz; a gente está
no bom caminho, e o Senhor está perto de nós. O que o assusta, o que me
perturba às vezes, no meu caso, é que essas lutas contra a natureza rebelde são
mais freqüentes para nós e mais encarnecidas do que em outra época. É que, em
vez de avançar, parecemos, às vezes, recuar, e, como você diz, demolir o que o
Senhor edificou. É aparência falsa, estou convencido disso, caro irmão. Você
não valia mais antes, mas você via menos sua miséria. Deus mesmo a continha em
razão de sua fraqueza, e você acreditava que era sua a força dele. Hoje, mais
confiante em você, Ele se retirou, você vê como está e tem medo. Mas
sinto, no fundo do coração, que nosso divino Mestre não nos abandonou, que Ele
nos deixa combater e resistir, para que sejamos corajosos e humildes ao mesmo
tempo, mas que Ele luta conosco e nos fará triunfar com Ele. Vamos para frente
sempre, não olhemos demais para os nossos pés. O importante para nós é
perseverar e andar, pois, repito, estamos no bom caminho: se andarmos,
chegaremos. Sofro muito, como você, desse despojamento que põe a nu
nossas fraquezas aos nossos olhos, aos olhos dos outros às vezes, mas essa
impressão humilhante e penosa é o sinal da ação salutar do Senhor e deve
alegrar um coração dedicado como o seu. Em meus momentos escolhidos, tomo assim
a provação, saboreio sua amargura e limito-me a dizer: “Tudo está bem,
meu Deus, aceito tudo, desde que Vós sejais glorificado”. Depois disso, estou
tranqüilo e me sinto consolado. Esteja nessa disposição, caro amigo, e acredite
que, se eu o visse cair, não deixaria de adverti-lo; na ocasião, faça o mesmo
comigo; assim, faremos a guarda um do outro e teremos apoio mútuo.
Voltarei para perto de você, caro amigo, sexta-feira próxima, dia 10, e poderei
estar em Grenelle, espero, para almoçar com você.
Vigie da melhor forma possível nosso pequeno interior doméstico, a fim de que
evitemos, se é possível, as tristes provações que tivemos que aceitar
anteriormente. Deixe Louis muito ocupado; é o melhor meio de evitar a
ociosidade e suas funestas conseqüências. Diga-lhe, por favor, que peço
expressamente que ele tenha limpado a fundo, para minha chegada, a oficina que
teremos, sem dúvida, que utilizar para a biblioteca. É preciso também que ele
limpe minuciosamente o quarto de dormir, cuja escada dá para o jardim. Aí está
o lugar onde gostaria de colocar o Sr. Gautier, se vier para um retiro em Grenelle. Aí
está, também, o lugar onde iremos alternativamente quando estivermos de
retiro, a fim de nos recolher melhor, estando mais separados dos outros. É
necessário que os vidros sejam lavados, os ladrilhos esfregados, os sanitários
bem varridos. Tudo isso com um cuidado perfeito; recomende-lhe isso
expressamente. Enquanto estou falando de cuidados caseiros, acrescento que é
preciso cobrir os doces que ficaram expostos à poeira. Os potes que estão nos
dois degraus inferiores da escada devem ficar à parte; vão conservar-se melhor
sendo mais açucarados e melhor cozidos; se o tonel de vinho que pedi chegasse,
deveria ser colocado em nossa adega interior onde poderá entrar.
Lamento absorver o pouco espaço que me sobrava para falar desses detalhes, mas
o corpo quer também seu espaço sobre esta terra; é preciso dar-lhe esse espaço,
por pequeno que seja.
Adeus, caro amigo. Ficarei feliz por reencontrar-me no meio de vocês; essa
pequena ausência me fez sentir bem em que situação estávamos. Estamos no bom
caminho. Meu Pároco me emprestou aqui as Méditations, de Boissieu, sobre o
Evangelho; isso será bom para nós, acho; vamos experimentá-lo na minha volta.
Minha saúde está um pouco menos ruim.
Abraço-o ternamente em N.S.
Seu irmão e amigo
Le Prevost
Afeição a todos os nossos amigos.
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