Tendo ido à Normandia
para descansar, o Sr. Le Prevost conversa com seus irmãos sobre sua estada em
família. Considerações que lhe inspira o contraste entre as
populações dos campos e as das grandes cidades. Porque a indústria gerou uma
nova miséria. Não se apavorar diante da imensidão do mal. O remédio:
cristianizar o trabalho do operário. O primeiro fundamento da ação apostólica:
a oração. “A oração é a única grande potência do mundo... nossas obras são
fúteis brincadeiras de crianças, se a oração não as reforça e não amplia sua
ação”.
Duclair, 26
de agosto de 1848
Junto de
Dona Salva
Vocês não invejam minha sorte, pois sua caridosa afeição quis bondosamente
conceder-me os dias de descanso que pareciam ser-me necessários; mas, ao
menos, vocês têm as mais agradáveis idéias sobre meus passeios e lazeres
em minha linda região da Normandia. Só falta uma coisa para que suas
imaginações sejam verdadeiras: um pouco de sol e de bom tempo. Desde a minha
chegada aqui, com efeito, a chuva não cessou de nos inundar; as estradas estão
encharcadas, a ponto de não se poder pôr o pé nelas, e fico enclausurado de
manhã até a noite em meu quarto, onde meu único passatempo campestre é ver, sob
a minha janela, correr a água do Sena, que corre, corre sempre e sempre com a
mais imperturbável monotonia.
Não me enfastio, todavia. Ocupo-me sucessivamente dos negócios de minha família
e dos estudos de minhas duas grandes crianças, leio um pouco e rezo no meio de
tudo isso. Acompanhei minha sobrinha a Rouen para seu exame, no qual ela se deu
muito bem; creio que, ajudada por sua mãe, poderá receber algumas jovens
pensionistas e dirigi-las bem; ambas são boas, inteligentes e piedosas
sobretudo. Com essas qualidades, se pode exercer uma útil influência na
educação das jovens.
Meu sobrinho voltará definitivamente, após as férias, para estudar em Paris e
ali se preparar para os exames de Saint-Cyr. Até agora não tem inclinação má
nenhuma; acho, portanto, que, com um pouco de vigilância, se poderá mantê-lo no
bom caminho.
Deixo-me ir a esses pormenores, caros amigos, sem constrangimento e com toda a
simplicidade, sabendo bem que nossa cara Comunidade adota de coração os deveres
e as afeições de cada um de seus membros, cuidando somente de tudo elevar a
Deus e nele purificar.
Não acharia, de resto, muitas inspirações no que me cerca para entretê-los com
assuntos de interesse mais geral. As localidades do interior, pelo menos as
pequenas como esta em que me encontro, não fornecem, como Paris e as grandes
cidades, ocasiões contínuas de boas obras. Quase não há pobres aqui, exceto
alguns idosos a quem a assistência de todos alimenta; são tão pouco infelizes,
aliás, que não querem mudar sua condição; tentou-se criar um pequeno albergue,
mas, fora de duas ou três senhoras idosas, totalmente impotentes e de mente
enfraquecida, não se pôde atrair ninguém. A miséria só existe realmente onde
floresce a indústria, não porque o trabalho do homem seja amaldiçoado nesta
forma mais do que em outra, mas porque o operário está colocado em condições
que o fazem esquecer-se de Deus e porque não se volta a Ele pela oração; porque
não está mais na presença dos grandes aspectos da natureza, porque sua obra lhe
é exclusivamente própria e não é, como nos trabalhos dos campos, feita em
associação com o Criador; porque, enfim, o preço de seu labor não é a messe, a
vindima, todos os admiráveis frutos da terra, mas o dinheiro que só representa
para ele um meio de troca ou a satisfação das necessidades materiais. Parece
que falta à glória do cristianismo ter espiritualizado e enobrecido a indústria
moderna, como vivificou e elevou o trabalho em todos os tempos. Seria a
indústria, tal como é hoje constituída, produto de uma concorrência ciumenta,
das pretensões egoístas de uns, das exigências injustas dos outros, da cupidez
de todos, radicalmente perversa e rebelde a toda emenda? Não sei, mas
vendo a imensidão do mal, apavoramo-nos e somos tentados a julgá-lo sem
remédio. Continuaremos, no entanto, caríssimos amigos, trabalhando nesta tarefa
por meio de nossas pequeninas obras e na medida de nossas forças.
Apadrinharemos nossos aprendizes, moralizaremos alguns pobres operários, sem
nos surpreender com as dificuldades, sem nos desencorajar por nossos parcos
resultados. Todo labor tem seu fruto e seu mérito diante de Deus; se nossas
obras não são como os rios grandes que regam as províncias, serão como o riacho
que banha as planícies, fecunda um campo e faz desabrochar algumas flores.
Possam essas flores de virtude e de dedicação abrir-se no meio de nós: é o
encanto da terra e o perfume do céu. Acharia, por mim, nossa pequena Comunidade
útil e querida aos olhos do Senhor, se cada um de nós, no seu caminho, fizesse
florescer alguma virtude. Agrada-me, pelo pensamento, caros amigos, notar as
que me parecem próprias a cada um de vocês e tenho a doce confiança de que
crescerão dia a dia. Procuro, em meu afastamento, não ficar inteiramente inútil
à nossa pequena família de irmãos: rezo cada dia longamente por nossa obra e
por todos vocês, coloco-os nos Corações de Jesus e de Maria. Experimento
sempre, após essas orações, uma doce consolação, chego assim a vocês, colaboro
no bem que fazem e estreito o laço que nos une. Como seremos felizes, caros
irmãos, e como seremos fortes, se nos convencermos bem, um dia, de que a oração
é a única grande potência do mundo, que é a mais nobre e a mais elevada
das obras, e que toda ação, todo trabalho é meritório e santo, se a oração o
realça e o santifica. Caros amigos, no dia em que receberem esta pequena carta,
rezem um pouco mais do que de costume, rezem mais ardentemente e com mais
ternura; farei também isso, da minha parte, e esta leve folha sobre a qual
escrevo pesará como verdadeiro mérito diante do Senhor.
Rezemos muito, caros amigos, e elevaremos pela oração essas massas corrompidas
pelo sopro da indústria; rezemos ardentemente e aqueceremos esses milhões de
almas adormecidas na indiferença e totalmente absorvidas pelas preocupações da
terra. Nossas obras são fúteis brincadeiras de crianças, sem proporção
com sua finalidade, se a oração não as reforçar e não ampliar sua ação. Nossa
única força está aí, com nossa paz também e a única doçura de nossa vida.
Adeus, caríssimos amigos. Saibam que são minha verdadeira família, minha
família segundo o coração e segundo o espírito. Mantenho-me sem cessar
unido a vocês e tenho a íntima confiança de que o bom Deus nos unirá um dia
nele por uma inefável e eterna união. Abraço-os a todos, inclusive nosso caro
Adrien que, espero, corresponderá às graças de Deus e tornar-se-á a edificação
de nossa pequena Congregação.
Ofereçam todas as minhas lembranças afetuosas aos nossos amigos e
agradeçam-lhes em meu nome a sobrecarga de cuidados que eles têm de assumir em
minha ausência. Lembrança também aos bons Féline. Escrevam-me logo. Estou mais
ou menos.
Seu irmão em J. e M.
Le Prevost
P.S. --- Peço ao meu caríssimo irmão Maignen para ir ter com Dona Rullier, 24,
rua Cassette, para assegurá-la de minha lembrança respeitosa; vi Dona de la Bouillerie, prestarei
conta à Dona Rullier de minha visita na minha chegada.
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