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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 101 - 200 (1843 - 1850)
    • 184 - aos Srs. Maignen, Myionnet e Paillé
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184 - aos Srs. Maignen, Myionnet e Paillé163

Tendo ido à Normandia para descansar, o Sr. Le Prevost conversa com seus irmãos sobre sua estada em família. Considerações que lhe inspira o contraste entre as populações dos campos e as das grandes cidades. Porque a indústria gerou uma nova  miséria. Não se apavorar diante da imensidão do mal. O remédio: cristianizar o trabalho do operário. O primeiro fundamento da ação apostólica: a oração. “A oração é a única grande potência do mundo... nossas obras são fúteis brincadeiras de crianças, se a oração não as reforça e não amplia sua ação”.

 

Duclair, 26 de agosto de 1848

Junto de Dona Salva

            Vocês não invejam minha sorte, pois sua caridosa afeição quis bondosamente conceder-me os dias de descanso que  pareciam ser-me necessários; mas, ao menos, vocês  têm as mais agradáveis idéias sobre meus passeios e lazeres em minha linda região da Normandia. Só falta uma coisa para que suas imaginações sejam verdadeiras: um pouco de sol e de bom tempo. Desde a minha chegada aqui, com efeito, a chuva não cessou de nos inundar; as estradas estão encharcadas, a ponto de não se poder pôr o nelas, e fico enclausurado de manhã até a noite em meu quarto, onde meu único passatempo campestre é ver, sob a minha janela, correr a água do Sena, que corre, corre sempre e sempre com a mais imperturbável monotonia.

 

            Não me enfastio, todavia. Ocupo-me sucessivamente dos negócios de minha família e dos estudos de minhas duas grandes crianças, leio um pouco e rezo no meio de tudo isso. Acompanhei minha sobrinha a Rouen para seu exame, no qual ela se deu muito bem; creio que, ajudada por sua mãe, poderá receber algumas jovens pensionistas e dirigi-las bem; ambas são boas, inteligentes e piedosas sobretudo. Com essas qualidades, se pode exercer uma útil influência na educação  das jovens.

            Meu sobrinho voltará definitivamente, após as férias, para estudar em Paris e ali se preparar para os exames de Saint-Cyr. Até agora não tem inclinação nenhuma; acho, portanto, que, com um pouco de vigilância, se poderá mantê-lo no bom caminho.

 

            Deixo-me ir a esses pormenores, caros amigos, sem constrangimento e com toda a simplicidade, sabendo bem que nossa cara Comunidade adota de coração os deveres e as afeições de cada um de seus membros, cuidando somente de tudo elevar a Deus e nele purificar.

 

            Não acharia, de resto, muitas inspirações no que me cerca para entretê-los com assuntos de interesse mais geral. As localidades do interior, pelo menos as pequenas como esta em que me encontro, não fornecem, como Paris e as grandes cidades, ocasiões contínuas de boas obras. Quase não há pobres aqui, exceto alguns idosos a quem a assistência de todos alimenta; são tão pouco infelizes, aliás, que não querem mudar sua condição; tentou-se criar um pequeno albergue, mas, fora de duas ou três senhoras idosas, totalmente impotentes e de mente enfraquecida, não se pôde atrair ninguém. A misériaexiste realmente onde floresce a indústria, não porque o trabalho do homem seja amaldiçoado nesta forma mais do que em outra, mas porque o operário está colocado em condições que o fazem esquecer-se de Deus e porque não se volta a Ele pela oração; porque não está mais na presença dos grandes aspectos da natureza, porque sua obra lhe é exclusivamente própria e não é, como nos trabalhos dos campos, feita em associação com o Criador; porque, enfim, o preço de seu labor não é a messe, a vindima, todos os admiráveis frutos da terra, mas o dinheiro que só representa para ele um meio de troca ou a satisfação das necessidades materiais. Parece que falta à glória do cristianismo ter espiritualizado e enobrecido a indústria moderna, como vivificou e elevou o trabalho em todos os tempos. Seria a indústria, tal como é hoje constituída, produto de uma concorrência ciumenta, das pretensões egoístas de uns, das exigências injustas dos outros, da cupidez de todos,  radicalmente perversa e rebelde a toda emenda? Não sei, mas vendo a imensidão do malapavoramo-nos e somos tentados a julgá-lo sem remédio. Continuaremos, no entanto, caríssimos amigos, trabalhando nesta tarefa por meio de nossas pequeninas obras e na medida de nossas forças. Apadrinharemos nossos aprendizes, moralizaremos alguns pobres operários, sem nos surpreender com as dificuldades, sem nos desencorajar por nossos parcos resultados. Todo labor tem seu fruto e seu mérito diante de Deus; se nossas obras não são como os rios grandes que regam as províncias, serão como o riacho que banha as planícies, fecunda um campo e faz desabrochar algumas flores. Possam essas flores de virtude e de dedicação abrir-se no meio de nós: é o encanto da terra e o perfume do céu. Acharia, por mim, nossa pequena Comunidade útil e querida aos olhos do Senhor, se cada um de nós, no seu caminho, fizesse florescer alguma virtude. Agrada-me, pelo pensamento, caros amigos, notar as que me parecem próprias a cada um de vocês e tenho a doce confiança de que crescerão dia a dia. Procuro, em meu afastamento, não ficar inteiramente inútil à nossa pequena família de irmãos: rezo cada dia longamente por nossa obra e por todos vocês, coloco-os nos Corações de Jesus e de Maria. Experimento sempre, após essas orações, uma doce consolação, chego assim a vocês, colaboro no bem que fazem e estreito o laço que nos une. Como seremos felizes, caros irmãos, e como seremos fortes, se nos convencermos bem, um dia, de que a oração é a única grande potência do mundo, que  é a mais nobre e a mais elevada das obras, e que toda ação, todo trabalho é meritório e santo, se a oração o realça e o santifica. Caros amigos, no dia em que receberem esta pequena carta, rezem um pouco mais do que de costume, rezem mais ardentemente e com mais ternura; farei também isso, da minha parte, e esta leve folha sobre a qual escrevo pesará como verdadeiro mérito diante do Senhor.

 

            Rezemos muito, caros amigos, e elevaremos pela oração essas massas corrompidas pelo sopro da indústria; rezemos ardentemente e aqueceremos esses milhões de almas adormecidas na indiferença e totalmente absorvidas pelas preocupações da terra. Nossas obras são  fúteis brincadeiras de crianças, sem proporção com sua finalidade, se a oração não as reforçar e não ampliar sua ação. Nossa única força está aí, com nossa paz também e a única doçura de nossa vida.

 

            Adeus, caríssimos amigos. Saibam que são minha verdadeira família, minha família  segundo o coração e segundo o espírito. Mantenho-me sem cessar unido a vocês e tenho a íntima confiança de que o bom Deus nos unirá um dia nele por uma inefável e eterna união. Abraço-os a todos, inclusive nosso caro Adrien que, espero, corresponderá às graças de Deus e tornar-se-á a edificação de nossa pequena Congregação.

 

            Ofereçam todas as minhas lembranças afetuosas aos nossos amigos e agradeçam-lhes em meu nome a sobrecarga de cuidados que eles têm de assumir em minha ausência. Lembrança também aos bons Féline. Escrevam-me logo. Estou mais ou menos.

 

            Seu irmão em J. e M.

 

                                               Le Prevost

 

            P.S. --- Peço ao meu caríssimo irmão Maignen para ir ter com Dona Rullier, 24, rua Cassette, para assegurá-la de minha lembrança respeitosa; vi Dona de la Bouillerie, prestarei conta à Dona Rullier de minha visita na minha chegada.

 





163 Esta carta foi escrita após os dias de junho 1848. As reflexões que contém são evidentemente inspiradas ao Sr. LP. pela Revolução sangrenta dos dias de junho, dos quais acabava de ser testemunha em Paris ( a insurreição fez milhares de vítimas, entre as quais o arcebispo de Paris, Dom Affre). O Sr. LP. fez arranjar a casa do Regard em ambulância de uns trinta leitos. Mas nenhum ferido foi levado para lá. Autorizou seus irmãos a chegar ao Hotel-Dieu, onde, durante dois dias, cuidaram dos feridos, consolando-os, assistindo-os (cf. narração do Sr. Maignen, in Légendes de lAtelier).





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