Lástima do Sr. Le Prevost
por estar longe de seus irmãos. A hora parece ter chegado de se consagrar a
Deus pelos três votos: “nunca tivemos outro pensamento”. Apesar das provações,
felicidade de ser chamado à vida religiosa.
St Valéry-en-Caux,
23 de agosto de 1852
Caríssimo amigo e
filho em N.S.,
Se tivesse ligado para meu desejo, ter-lhe-ia escrito desde o dia após minha
chegada, pois já me parecia que o tinha deixado há muito, assim como
nossos caros irmãos e nossas pequenas crianças. Aliás, não estou muito longe de
vocês pelo pensamento, pois o irmão Paillé e eu falamos de vocês ou rezamos por
vocês: dupla maneira de tornar presentes os amigos ausentes. As poucas linhas
que estou-lhe escrevendo aqui serão mal legíveis, pois escrevo ao ar livre, com
uma simples pedra como apoio dos pés.
Ainda não adiantei muito minha estação de banhos, pois tomei somente dois até
agora, o mar tendo sido encrespado há dois dias. Hoje mesmo, as ondas estavam
tão fortes que me derrubaram duas vezes com meu irmão Paillé, que queria me
servir de apoio e que simplesmente caia comigo. Felizmente, não havia perigo.
Qualquer que seja o tempo, favorável ou não, não pretendo prolongar muito minha
estada aqui; na segunda-feira, acho, partirei para pagar à minha irmã a visita
com a qual ela conta e que não saberia lhe recusar; após um curto descanso
perto dela, retornarei para junto de vocês um pouco mais forte, espero, bem
decidido, em todo o caso, a trabalhar da melhor forma possível com vocês pela
glória de Deus e pelo sustentáculo de nossas obras que não têm outra
finalidade. Procuro aqui mesmo não ficar inteiramente inútil; acabo de escrever
longamente ao nosso Padre Beaussier, para que reze ardentemente por nós com as
santas almas que o cercam; comunico-lhe ao mesmo tempo os poucos pensamentos
que vieram em nossa mente e peço-lhe seu parecer sobre diversos pontos que nos
interessam. A reflexão só fez confirmar-me no sentimento de que o divino Mestre
nos pede para dar mais um passo a seu serviço, para apegar-nos a Ele por um
laço mais forte e unir-nos ao mesmo tempo uns aos outros mais firmemente do que
no passado. As disposições de cada membro da Comunidade tomado separadamente
são perfeitas: espírito, coração, forças, tudo pertence a Deus e é para Deus; é
preciso unir e fundir esses elementos preciosos, fazer deles uma força
comum, um amor comum e empregar esse poderoso meio para glorificar o Senhor,
nos santificar a nós mesmos e ajudar na salvação de nossos irmãos.
Será que já tivemos um outro pensamento e não esperamos tudo de Deus? Como,
portanto, ele nos rejeitaria, Ele que procura os que fogem dele e que bate à
porta que se fechou diante dEle? Sinto-me cheio de esperança; veniens veniet [ele virá chegando], nos repete muitas vezes
nosso bom Pe. Beaussier; o Senhor vem, seu dia chegará; tenhamos paciência e
perseveremos, já assim mereceremos bem do nosso Deus. Pois a paciência nos une
ao Coração de Jesus, a perseverança é um sinal da confiança e do amor.
Gostaria de poder escrever aqui algumas linhas particulares para cada um; mas,
ao tornar-se tão geral, minha carta não atingiria mais a ninguém. Limito-me a
recomendar aos nossos queridos irmãos que esqueçam as poucas dificuldades e
penas de cada dia para pensar na graça imensa que Deus lhes tem feito ao
confirmá-los na fé, ao dar-lhes tantos meios de preservação e de salvação; mal
tenho posto um pé fora da nossa Comunidade e percebo somente por um curto
instante algumas cenas do mundo. Oh! como elas me fazem apreciar o estado santo
em que estamos colocados, como me mostram as dificuldades da
salvação numa tal atmosfera; como são felizes aqueles que Deus pôs ao abrigo
num ar mais puro e que Ele faz andar sob seu olhar, ao som de sua voz paterna!
Digne-se o Senhor guardar-nos a todos assim, até o nosso último dia.
Ficarei encantado se receber uma pequena palavra particular de cada um dos
irmãos que tiverem um momento de folga a me consagrar. Responder-lhes-ei também
e isso tomará o lugar do pequeno colóquio que temos cada semana juntos. Não
recomendo ao nosso caro padre Lantiez seu pequeno noviciado e a alma de suas
pequenas crianças; ele as tem todas em seu coração e as choca como uma galinha
que tem seus filhotes debaixo das asas. Imita assim nosso bem-amado Jesus, que
se ofereceu a nós sob essa doce imagem. Meu filho Maignen pode comprar
definitivamente o Cristo de Fiesole; decidimos, meu irmão Paillé e eu, que
venderíamos a Santa Barba que está na rua do Regard, para cobrir uma parte da
despesa. Peço-lhe para ver o Pe. Bourard e dizer-lhe que irei visitá-lo na
minha chegada; de outro jeito, eu pareceria sem civilidade com ele. Abraço-os a
todos bem ternamente, caríssimos filhos, meu afastamento me faz sentir mais
vivamente ainda o quanto vocês me são caros; unamo-nos nos Corações divinos de
J. e de M. para atravessar esse mundo e atingir a eterna união que nos espera
em Deus.
Seu amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
|