O Sr. Le
Prevost quer se preservar de toda febre política. Como a amizade é uma coisa
santa diante de Deus. Notícias da família Hugo. O jornal l’Avenir. O processo do ensino livre. Os discursos
de Montalembert e de Lacordaire lhe devolvem toda a sua fé. Ele censura a si
próprio seu modo de escrever. Como ele julga a vida política e social na
Europa.
21 de
outubro de 1831
Onde está você, meu amigo, que não se ouve mais você? No alto de uma montanha
com as águias, ou no fundo de um vale com as toupeiras? Se assim é, desça ou
suba um pouco pois eu, homem da planície, quero conversar com você. Não
imagine, ao menos, que eu faça aqui uma alusão política. Deus me livre! Estou
num tal ponto que, ao contrário, acrescentarei de bom grado nas ladainhas
este pedido: De furore politicorum, libera nos,
Domine! [Do furor dos políticos, livra-nos, Senhor!] Como outrora
se dizia no velho Paris, Normanorum; meus
amigos e eu combinamos que uma coisa tão fastidiosa não mais se colocaria entre
nós e no resto de Paris, sem convenção, e assim é para quase todo o mundo, e
isso é bem plausível, não é? Cheio até à garganta, não se pode mais comer. No
interior não se chegou a isso, parece: acabam de chegar para mim aqui alguns
bons Diepenses, conhecidos meus. É verdadeiramente curioso vê-los devorar com
avidez os pratos mais grosseiros neste gênero. Ficava apavorado. Que apetite! E
depressa, meu amigo, você me pergunta: o que está fazendo agora que está
liberado? Infelizmente! a odiosa política, está vendo, é uma febre. Enquanto
dura, tem-se somente uma vida factícia de excitação e de vaidade. Passado o
acesso, se recai pálido, exausto, vazio, impotente, não se sabe, até, querer,
nem lastimar, nem ter um desejo. Oh! feliz homem, você que escapou a todas
essas fases da doença, a quem o ar dos campos tem, de uma vez, devolvido
frescor e vida: oh! como o vejo bem de cabeça erguida, o olhar animado, ou
antes como a gente se torna com o tempo na presença da natureza, face a face
com o infinito, calmo, grave, voltado a si por assim dizer; de braços cruzados
e olhando passar. Ao menos, meu amigo, você pensa em nós no meio de uma tal
felicidade? Tem uma lembrança, uma saudade? Fazemos-lhe falta? Gavard,
que nunca saboreia nada tranqüilamente, de vez em quando me pergunta: “Acha que
Victor nos ama realmente?” E eu, invariavelmente respondo: acho. Não vá, ao
menos, me deixar mentir, pois a culpa disso seria sua diante de Deus.
Sim, diante de Deus, a amizade é verdadeiramente santa. Todo sentimento
profundo, generoso, dedicado é um impulso para Deus e sempre tenho tais movimentos
pensando em você.
Um outro amigo seu, o
Sr. Hugo, está no campo como você, há algum tempo. O Sr. Foucher Paul, que
encontrei, me disse que sua irmã também estava no campo, sempre sofrendo.
Estava bem mudada com efeito, quando a vi pela última vez. Você está ao par,
sem dúvida, desse desagradável caso do Sr. Hugo com seu editor15; as
pessoas de boa fé e de bom senso sabem lhe fazer justiça, mas os tolos e os que
falam na base de boatos fazem de outra maneira; não vejo nisso grande desventura.
Suspeito no entanto que o Sr. Hugo fica desgostoso e chateado por isso. Se você
lê pouco os jornais, essa miséria talvez tenha-lhe escapado; procure na Gazete des tribunaux deste mês.
Falando em jornais, L’Avenir16 vai bem: ele tem meios para subsistir por certo
tempo. É publicado em sua cidade? Você leu nele o processo da Escola livre
diante da Câmara dos Pares? Os discursos dos senhores Montalembert e
Lacordaire, que coisa admirável! Isso me devolve toda a minha fé. Se isso não
está em Angers, se você não tem l’Avenir, diga-me, que eu lhe mandarei o processo da Escola
livre17 através do Sr. Leclerc, seu correspondente. Deve ter sido
publicado por estes dias em brochura.
Cogita-se um pouco de me mandar para fora da França, mas é cogitação ainda tão
vaga que não vale a pena falar-lhe disso hoje.
Ninguém melhor do que eu sabe preencher três páginas de uma carta sem dizer
nada. Surpreendo-me sempre por ter chegado ao fim, quando ainda estou no preâmbulo;
mas é algo a ser aceito com paciência, o que há em mim de bom até certo ponto,
quanto às idéias e aos sentimentos, é tão confuso, tão distante, que consigo
dificilmente, ou não consigo de jeito nenhum a trazê-lo à luz do dia; quase
diria de mim: é um buraco preto, senão profundo; quem sabe? No fundo, talvez
haja alguma coisa; só que, em cima, pela margem, sem cessar se levanta uma
pequena neblina de tagarelice, palavras fluidas, vapor leve que um só raio do
dia penetra e dissipa logo. Isso se parece bastante com uma comparação
vantajosa; é que, ainda aqui, digo mal o que pretendo dizer, e assim sempre.
Você não levará em conta tudo isso e me dará, não é, uma resposta bem compacta,
com linhas bem concisas; há também para mim alguma desculpa para eu dizer tão
pouco com tantas palavras: há uma vida tão insignificante ao nosso redor. O que
é, então, que vive ao nosso redor? O que tem uma alma? Nossa história, nossa
política, nossa literatura, nossas artes; não, a verdadeira vida não tem nada a
ver com tudo isso; mas ao menos ela existe em outro lugar? Na Alemanha talvez,
mas não completa, não de corpo e de alma; na Rússia, não sei, faz frio demais
talvez, o sangue não circula. Na Inglaterra, não há também nem
força nem vigor. Levando tudo isso em consideração, e estando nossa pobre
Polônia degolada18, nada mais vive na Europa. Você rugiu, não é
verdade, diante do anúncio de que Varsóvia estava morta! Havia motivo para tal:
era o último suspiro de um mundo antigo; um mundo novo renascerá sem dúvida,
mas quantos dias ainda passarão nas trevas, quantas penas e suores, e talvez
quanto sangue custará a nova obra. Parece-me que já lhe disse tudo isso; estou
em franca decadência. Coloco aqui simplesmente os nomes do Sr. seu Pai, de seu
irmão, do Sr. Léon. São notas, você fará delas um canto. Adeus, chegue logo,
até logo. Quando? Queriam 8 francos para empacotar seu Bonaparte. Era demais; com o porte isso se tornava
extravagante: aguardo suas ordens a respeito.
Seu amigo devotado.
Léon Le Prevost
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