Falecimento do pai de seu
amigo comum Gavard. Reflexões sobre a morte. A cólera em Paris.
Terça-feira,
24 de abril de 1832
Estava há pouco, meu amigo, na casa do Sr. Gavard quando sua carta chegou, fui
eu que a abri e vou responder, sem prejuízo de uma epístola particular
que Gavard lhe poderá escrever mais tarde. Mas, neste momento, ele não teria
facilmente a calma necessária para conversar com você: a morte bateu também à
sua porta e seu bom velho pai acaba de morrer. Faleceu ontem às 6 horas, não
como conseqüência da doença reinante19, mas não importa por onde a
morte vem; morrer é sempre morrer. Nosso amigo tem a alma tão doce e tão
afetuosa e aliás tinha uma ternura tão profunda por seu pai que está numa
grande desolação. Até o último instante, velou perto dele e o viu passar de
nosso mundo a um mundo melhor. Chorou muito a noite toda, mas esta manhã voltou
para casa trazendo consigo sua mãe e o achei calmo, muito triste, porém
resignado. Oh! como essa última palavra é amarga, como ela contém dores
profundas e quantas pessoas no entanto ao nosso redor, há um mês, tiveram que
se resignar, se curvar sob uma força indomável e, vencidos após a horrível
luta, tiveram que dizer ao vencedor: que sua vontade seja feita. O
Vencedor é Deus, mas como o homem é fraco e resiste pouco: verdadeiramente, dá
dó! Eu também, muito recentemente, vi morrer um bom velhinho, quase um pai para
mim. Ele olhava para todos nós e, não conseguindo mais falar, parecia pedir-nos
ainda socorro, mas, chorando ou abatidos, respondíamos com lágrimas ou pelo
silêncio. Então, não esperando mais, fechou os olhos e morreu20.
Não acredito que uma criatura, tendo uma alma, possa ver tal coisa sem sentir,
nesse momento, que ela também morre ao mesmo tempo, que os laços de amor
que a ligavam à terra se afrouxam, ao menos o bastante para que ela também se
julgue livre e pronta a levantar vôo. Eu já estava naturalmente bastante
disposto a considerar a vida como um dever, como uma tarefa, mas, às vezes
ainda me esquecia disso; agora, parece-me que não vou mais esquecer.
Sua carta, meu amigo, me aflige profundamente. Você também então me deixa? Uma
ausência longa, indefinida. Há tão pouca esperança no fim! Isso se parece mais
com a vida ou com a morte? Não sei, mas me entristece mais do que saberia
dizer! Você era minha estrela aqui: quando eu não sabia mais por onde andar,
olhava para o alto e avançava em direção ao ponto que você ocupava.
Doravante será preciso você se colocar bem no alto para que, de tão longe, seus
amigos possam enxergá-lo; mas eu terei o olhar penetrante e saberei bem
distingui-lo, logo que começar a despontar. Coragem, meu amigo, queira
fortemente sair da sombra e o conseguirá, com certeza. Não para brilhar e
ofuscar, Deus o preserve disso, mas para viver e respirar na luz, para viver
com todas as suas faculdades, pela alma como pelo coração.
Interrompido aqui, é somente daqui a dois dias que concluirei este rascunho.
Estou quase satisfeito com isso, pois terei notícias cada vez mais
satisfatórias a lhe dar sobre a diminuição do mal que nos aflige. Ele
enfraquece de um dia para outro, e daqui a pouco a mortalidade transbordante,
como diziam, estará de volta no seu leito. Daqui a pouco, teremos o retiro mais
seguro, o refúgio mais certo, pois os médicos concordam em dizer que ali
será melhor habitar, não onde o mal não tiver vindo, mas lá de onde já
tiver saído. Espalhou-se no interior, mas enfraquecido e como que desbaratado;
não se teme muito seus estragos. Todavia, meu amigo, você sabe como vivamente
nos interessará saber qual efeito ele terá no Anjou21, e se tudo o que
lhe toca de perto ou de longe fica poupado. Nenhuma negligência, portanto, e
dê-nos muitas vezes, mas muitas vezes, notícias suas. Nosso amigo Cosnier pode
revezá-lo. Ele bem sabe também que aguardamos com impaciência seus boletins.
Remeta-o para cá. O que faz por ali? E o Sr. Nerbonne então?
Recebi ontem uma carta de nosso bem afeiçoado Sr. Mazure. Ele, sua esposa e sua
filhinha vão bem. Você terá os Chateaubriand logo. Eu os recolho. Adeus, pense muito em nós. Escreva-nos.
Partilhe enfim o mais possível conosco, a fim de que não
cessemos de entrar em sua vida, de estarmos nela mergulhados como elemento
necessário, pois, nós, veja, não saberíamos doravante separá-lo da nossa
própria vida.
Respeito, afeição para todos, e para você, meu amigo, a dedicação mais
absoluta.
Léon Le Prevost
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