Anuncia a seu amigo
que “volta a ser crente”. Oração a um Deus “sentido”. Procura um padre a quem
“entregar sua consciência”. Hesita entre os padres Gerbet e Lacordaire.
Paris, 9 de
agosto de 1832
Escute bem, meu caro amigo, eu queria um conselho sobre uma questão grave que
você compreenderá bem, uma questão de consciência enfim. Por aberto e acessível
que eu seja para com você, em todos os sentidos, sinto em mim alguma
repugnância a entretê-lo por carta sobre tal assunto que quase não se toca,
mesmo entre amigos, senão com precaução, em horas escolhidas de confiança e de
abandono. Mas como remediar isso, sendo que você não está aqui, e que ao meu
redor não tenho ninguém a quem possa consultar e cujo parecer esclarecido
possa dirimir-me as dúvidas? Você me viu, lembra-se, a caminho do catolicismo,
olhando-o como meu objetivo, mas a alguns passos bem lentos, parando muitas
vezes no caminho e ficando afinal naquele triste estado misto, que não é nem
luz nem trevas, e que ora me parecia o crepúsculo de minha antiga fé, ora a
aurora de uma fé nova. Graças a Deus saio enfim destes nevoeiros de incerteza e
de dúvida, volto a ser crente, sinto que meus laços se quebram e que estou
subindo novamente em direção à verdade. Minha oração não é mais vaga, incerta,
jogada ao acaso em direção ao Deus desconhecido. Vai numa inclinação natural ao
Deus que eu sinto, que vejo, que eu ouço e sob o olhar do qual estou neste
instante como em todos os outros. Você partilhará, eu sei, meu caro amigo,
minha felicidade e eu não teria deixado de dizer-lhe isso antes, se não tivesse
encontrado em mim a repugnância de que eu falava acima, uma espécie de pudor do
amor divino que se fecha e se esconde como os outros amores de que ele é o
modelo eterno.
Mas não basta crer, você sabe, é preciso uma forma para sua fé, é preciso
obras, é preciso cumprir os deveres do cristão. Tive, então, de pensar em
entregar minha consciência nas mãos de um padre, em procurar remédio para o
passado, ajuda para o futuro. Um digno eclesiástico de quem você me ouviu falar
talvez, o Pe. Busson, antigo secretário geral de nosso Ministério, catequista
da senhorita de Berry22, me inspirava essa confiança terna e elevada
que gostaria de ter para com um diretor; ele estava ausente. Desde sua volta de
Holyrood onde esteve para dar à senhorita sua primeira comunhão, havia
sido obrigado a deixar Paris e toda carreira lhe estava doravante fechada;
todavia, o arcebispo, que tem grande confiança nele, o nomeou recentemente
cônego e cura de Notre-Dame; mas determinado a um esquecimento absoluto,
desconcertado talvez também por algumas odiosas brincadeiras do Constitutionnel sobre sua nomeação, ele recusa decididamente e
fiquei sabendo no arcebispado que isso é sem esperança de volta.
Agora, meu amigo, diga-me, o que devo fazer? Devo bater à porta do primeiro
padre de paróquia e dizer-lhe: Venho ao Sr., receba-me; sem dúvida o mais
humilde sacerdote, eu sei, me fará ouvir a palavra de Deus, mas estou bem fraco
ainda, minhas luzes estão bastante incertas; teria gostado de encontrar
ensinamentos para os dias sombrios e, para todos os dias, um guia nos estudos
que quero empreender. Você já entende aonde vou chegar. O Sr. Gerbet23
ou o Sr. Lacordaire seriam aqueles, entre todos, cuja direção me seria a mais
preciosa, cuja palavra me penetraria melhor.
Mas o Sr. Gerbet deve voltar somente no mês de outubro a Paris, onde parece que
estes Senhores devem se reunir de novo, e o Sr. Lacordaire, que nunca vi,
incute-me um pavor de criança. Além do mais, parece-me que estes Senhores nada
irão querer comigo, pois têm tantas e tão graves ocupações. Eu teria, no
entanto, uma grande alegria se um ou outro deles, sobretudo o primeiro,
quisesse me orientar. Diga, o que fazer? É preciso esperar a volta do Sr.
Gerbet? Parece que vai demorar muito. Ir logo ao Sr. Lacordaire que me dirá sim
ou não, ou ao simples sacerdote de paróquia?
Você que me conhece bem, meu amigo, vai compreender melhor do que eu, estando
há muito tempo no bom caminho, o que me convém melhor. Reflita um instante e
dê-me um bom e salutar conselho. Vou segui-lo; para dizer-lhe meu pensamento
com toda a simplicidade. Entre todos, teria preferido o padre nomeado em
primeiro lugar, o padre Busson. Cada vez que eu o via, tinha de me controlar
para não chamá-lo de pai, tanto me sentia inclinado por ele pelo respeito e a
terna confiança que ele inspira; depois, seria o Sr. Gerbet, e, a seguir,
o Sr. Lacordaire.
Procuro no mundo inteiro que conheço a quem, senão a você, meu amigo, eu teria
ousado endereçar tal carta. Certamente a ninguém; talvez seja por você não se
parecer com ninguém, ou, para não o envaidecer, talvez por querê-lo melhor do
que ninguém.
Léon Le Prevost
Queime isso imediatamente, peço-lhe encarecidamente. Responda-me sem demora,
por favor. Esse assunto me preocupa e quero uma solução rápida.
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