Agradecimentos ao
amigo, por ter compreendido as necessidades de sua alma.
Peregrinação de Lamennais a Roma. Vãs buscas para achar um diretor espiritual.
Deus pede uma dedicação total. Engajar-se no combate da doutrina. Solicita de
novo os conselhos de V. Pavie.
22 de
agosto de 1832
Por mais que tivesse confiança em você, meu caro Victor, eu não esperava,
contudo, sua resposta sem alguma inquietude... Para me satisfazer,
precisava que reunisse tantas qualidades quase impossíveis, tanta
indulgência, tanta ternura, tanto encorajamento! Parecia-me, você vê, que ao
escrever-lhe eu me tinha, por assim dizer, ajoelhado diante de você e, na
imensa necessidade de obter graça pelo passado, esperança para o futuro, eu
tinha derramado tudo isso em sua alma, aguardando humildemente que sua mão me
levantasse, que sua voz me dissesse palavras consoladoras. Era quase um
ministério santo que eu tinha confiado.Era preciso que à porta do templo você
me precedesse e ma abrisse.
Se você não tivesse bem sentido tudo isso, meu amigo, se não o tivesse sabido
discernir no meio do acanhamento e da perturbação de minha carta, se a sua não
tivesse vindo como um santo abraço me apertar e me reanimar, teria sofrido
amargamente e teria recaído dolorosamente sobre mim; mas graças lhe sejam
dadas, meu amigo, você me entendeu, graças sejam dadas a seu coração que
adivinhou o meu ou, antes, graças à caridade cristã cujo ouvido está sempre
aberto, que recolhe com amor a menor queixa, o menor murmúrio e que faz com que
uma alma, entreabrindo-se para respirar, não fica obrigada a se fechar
novamente logo em
seguida. Obrigado, portanto, meu irmão, como você me chama.
Sua carta me fez muito bem. Você não poderá acreditar com que alegria entrevejo
que uma inteligência mais absoluta ainda nos aproximará doravante, que ambos
teremos o mesmo caminho, ambos o mesmo objetivo, e que uma esperança nos será
dada de nele nos reunirmos.
Mas estou falando com exagerada segurança talvez, a luz que me ilumina é ainda
vacilante e o passado ainda surge como uma nuvem para obscurecê-la.
Segui o seu parecer. Na ausência do Sr. Gerbet, quis ver o Sr. Lacordaire, mas
ele também acabava de partir, por algum tempo, me disseram, até o fim de
setembro talvez. Assim pelo mês de outubro, parece, os três estarão de volta, a
reunião se formará de novo. Tenho esses pormenores do Sr. Boré24, que
ficou sozinho na imensa casa da rua de Vaugirard. Ele me fez, em seu nome, um
cordial acolhimento; demos juntos várias voltas no jardim, falando muito de
você, e muito também e com efusão contida (como acontece numa primeira
entrevista) de L’Avenir e de seus fundadores. A peregrinação a Roma
não ficou sem resultado. O Sr. de Lamennais volta, seguro de que suas doutrinas
são ortodoxas e que ele está bem no seio da Igreja. Ele não tem, é verdade,
conseguido aprovação expressa e manifesta. Isso não está no espírito,
parece-me, da Corte de Roma, mas os cardeais, os doutores em teologia, se
puseram de acordo em seu julgamento favorável. O Sr. Boré me leu um trecho de
uma carta recente do Sr. Lamennais: “Um cardeal, diz ele em suma, me falava
assim: a Corte de Roma não procede por via de aprovação, mas por via de
censura; seu silêncio é um assentimento tácito a suas doutrinas; se houvesse
algo repreensível, uma bula de advertência lhe teria sido imediatamente
endereçada. Nós o incitamos portanto a isto: escreva com toda liberdade; retome
a seqüência de l’Avenir. Fale nele com o mesmo vigor e com mais
energia ainda, sendo que o perigo se tornou maior: assim faziam os Padres da
Igreja, quando a fé lhes parecia em perigo”.
Procurei transmitir, tão exatamente quanto me foi possível lembrar, os termos
da carta. Tem o nome do cardeal interlocutor, mas com recomendação
de silêncio. Não precisa dizer que ignoro seu nome.
Sendo assim, o Sr. de Lamennais estaria, diz o Sr. Boré, disposto a retomar L’Avenir ou ao menos uma publicação periódica no mesmo
espírito. Esta última opção me pareceria bem menos vantajosa. Há centenas de
jornais que falam difamando cada dia; um só falando para apoiar, contra todos,
não seria demais. Espera-se também a retomada no inverno do curso do Sr.
Gerbet. Por mais que faça, meu amigo, tudo isso o trará de volta entre nós, a
não ser, todavia, que você também receba sua missão que o retenha para aí; que
retome a idéia de uma correspondência, de um laço de doutrina ligado por você
em sua região; então, acho eu, você ficará, pois terá deveres dignos de você,
tais como os impõe nosso tempo; pois, (hesito em dizê-lo por medo de má
inspiração) os deveres da vida comum, mesma cristã e pura, não me parecem os
únicos impostos hoje ao pequeno número de homens fiéis que Deus guarda para si.
Ele quer da parte deles a dedicação de sua vida toda inteira, pois devem ser
instrumentos em sua mão. Não peço desculpa, meu amigo, por uma linguagem que
durante muito tempo, que talvez nunca terei o direito de usar. Não importa por
quem a verdade (se há verdade nisso) seja proclamada. No entanto, meu amigo,
não dê a minhas palavras mais valor do que têm na realidade, e sobretudo conserve
toda a sua confiança para suas próprias aspirações que valem bem mais que as
minhas.
Que coisa, aventurar-se a dizer mais do que se precisa! Não sei mais como fazer
para diluir, afogar duas ou três palavras infelizes. Significam simplesmente,
porém, meu amigo, que, para mim, se um combate de doutrina se renovasse, se
alastrasse, e segundo os tempos, pudesse exigir cooperação de todos os
verdadeiros fiéis, você menos do que outro, não pareceria feito para ficar em
paz nos modestos deveres de uma vida doce e interior. Não é verdade que não há
nada de mal em falar assim.
Para acabar quanto antes esta bem cumprida carta, acrescento que o Sr. Boré que
pôde entender a finalidade de minhas perguntas a respeito dos Sres. Gerbet e
Lacordaire me disse que na sua volta um ou outro, ou até o padre esperado em
primeiro lugar me dariam com alegria conselhos e direção.
Fica a você, meu amigo, decidir se é melhor esperar. Em três semanas, o Sr. de
Lammenais deve estar aqui, os outros, em cinco semanas. O Sr. de Lammenais não
está sobrecarregado demais? Não será preciso ter paciência até a chegada dos
primeiros? Então é certo ficar até lá em tão triste posição quando a graça me é
dada de sair dessa situação? Mas, por outro lado, exigir-se-á de mim uma
reflexão sobre muitos anos; isso será coisa grave para mim (bem
entendido, toda consideração humana está bem longe de ser acolhida por mim) e
no entanto em seis semanas será preciso voltar aos mesmos meios junto a um
outro que terá igualmente necessidade de conhecer-me de longa data para me
julgar e me aconselhar. Essa repetição não irá enfraquecer o efeito de uma
primeira efusão? Enfim, não é mal em minha posição tomar um diretor e deixá-lo
seis semanas depois? Eis o que me detém até agora e me faz pensar que esperar é
melhor. Mas, talvez, sem eu saber, algum pensamento humano me dirige. Você, meu
amigo, ainda sobre isso, aconselhe seu irmão em Deus, aconselhe-o como cristão,
e sua voz será ouvida. Pense somente que seria para mim uma grande felicidade
ter como apoio um desses três homens e que de outra forma não terei acesso nem
livre nem confiante junto a eles.. Espero sua resposta.
O Sr. Boré me encarregou de lhe dar notícias de seu irmão; ele chegou em Berlim
muito encantado, muito feliz. O próprio Sr. Boré pede que você se lembre dele.
Eu, meu amigo, o abraço cordialmente. Penso com tristeza que esta carta o
encontrará ausente talvez. Lembranças afetuosas para todos.
Léon Le Prevost
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