O Sr. Le
Prevost o convida a tomar uma decisão firme. O que levou o Sr. Le Prevost a
fundar o Instituto: “colocar-se no centro do movimento caritativo... trazer as
almas de volta à fé pela caridade”, por uma família religiosa capaz de dar
estabilidade às obras de caridade, e composta de homens inteiramente
consagrados a Deus e aos pobres: “a obra das obras”. Às reticências do Sr.
Halluin, no tocante ao superior leigo, o Sr. Le Prevost responde que nada é
fixado definitivamente. Ele seguirá as indicações da Providência. O Superior
não é tal senão “para amar e dedicar-se mais do que os outros”.
Hyères, 16
de março de 1856
Senhor padre,
Meu irmão Myionnet me prestou conta de sua viagem a Arras e das boas impressões
que trouxe de lá. Seu acolhimento afetuoso, o espírito de seus irmãos e
de suas crianças, a conduta geral de sua obra, tudo lhe agradou e lhe inspirou
a mais viva simpatia pelo bem que se faz na sua casa.
Só uma coisa o entristeceu e me aflige também: é a indecisão em que você parece
estar, quanto à sua agregação à nossa pequena família. As cartas de nosso irmão
Caille me tinham feito pensar que você tinha tomado resoluções mais favoráveis
para conosco, e vi com pesar que você permanecia ainda incerto.
Permita-me fazer-lhe notar, Senhor padre, que o bem de sua obra parece exigir
um sacrifício completo de sua parte e que, para assegurar seu futuro, você deve
permanecer no meio de nós, para velar ainda eficazmente por suas queridas
crianças. Você foi até agora a alma e a vida desta instituição. Não é num dia,
nem mesmo num ano, que poderia inspirar a outros agentes o seu espírito, a sua
terna caridade. Aliás, para achá-los bem dedicados, bem conformes aos seus
sentimentos, não basta que sejam seus amigos, é preciso que sejam seus irmãos,
que tenham com você um mesmo pensamento, uma mesma visão, que formem com você
um só coração e uma só alma. Se você tendesse só a livrar-se de sua obra,
confiá-la a nós poderia ser um meio de impedir sua ruína, mas para firmá-la e
aumentá-la, para guardar seu espírito e todos os seus frutos, parece-me
essencial que você se associe cordialmente àqueles que se lhe consagrarão.
Tal é também o sentimento de meu irmão Myionnet, de quem não quero reproduzir
aqui as palavras que sua humildade acharia favoráveis demais a você e à sua
obra, mas ele conclui exprimindo vivamente o desejo de que sua colaboração
fraterna nos seja dada, tanto para esse estabelecimento, se tivéssemos que
tomar conta dele, como para as outras obras caritativas que a Providência
dignou-se de nos confiar.
Não sei, Senhor padre, se você voltou sua atenção para o fim principal de nossa
Comunidade e se se impressionou como nós pelo bem que poderia fazer,
crescendo. Notamos, como tantos outros, que Deus parecia querer, no nosso
tempo, chamar as almas de volta à fé e à vida cristã pela caridade; que, de
todas as partes, fazia-se neste sentido um grande movimento, que uns doando a
sua dedicação e a sua atividade, outros suas esmolas, outros suas orações,
sacudia-se assim o torpor da indiferença e se voltava à ordem, ao amor do bem,
à verdade. Pensamos que seria entrar no plano de Deus colocar-se no centro
desse movimento caritativo para sustentá-lo e assegurar-lhe o efeito.
Obras incontáveis são criadas diariamente pelos impulsos do zelo, para remediar
todas as misérias temporais e espirituais. Mas, desde que se queira assentá-las
solidamente, dar-lhes agentes fiéis e constantes, fazem falta em todo lugar. O
elemento mais essencial falta: a dedicação absoluta, a consagração inteira de
si mesmo a Deus e a seus irmãos. Sem isso, porém, não há obra alguma que se
possa firmar e subsistir. Aos nossos olhos, então, achar almas generosas e
dedicadas, reuni-las em feixe, para delas fazer um poderoso instrumento nas
mãos do Pai das misericórdias, era a base necessária, era a obra das obras. Nós
nos atiramos na frente, entre os primeiros, para esta nobre tarefa e esperamos
que, depois de nós, outras almas ainda viriam trabalhar na obra de Deus e
ganhar os corações pela caridade. Mas quem então, Senhor padre, ouvirá nosso
apelo e se unirá a nós senão aqueles que, como você, deram seu tempo, sua
fortuna, todas as suas atenções e sua afeição a pobres crianças cuja alma e
cujo corpo teriam caído, sem eles, em perdição? Se você não for nosso irmão,
onde os acharemos? E se nada o atrair à nossa obra, quem então terá simpatia
por nós? Andamos no mesmo caminho e com um mesmo sentimento, só temos um
mesmo desejo e uma mesma finalidade: quem nos impediria de nos associar e duplicar
assim nossos meios e nossas forças? Isso afigura-se tão simples e tão de acordo
com as intenções de Deus, que me parece fora de dúvida que corações sem vontade
própria e unicamente abandonados às suas divinas inspirações chegarão como que
forçosamente a esta desejável união.
Sinto a dificuldade que se pode achar em unir-se assim completamente a uma
família que ainda só é conhecida imperfeitamente e da qual mal foram
entrevistos alguns membros. Mas, pelo coração e na ordem da caridade, vêem-se
muitas coisas e as pessoas entendem-se facilmente. Acho, portanto, Senhor
padre, que algumas aproximações e entrevistas poderão simplificar muito os
impedimentos entre nós. Por isso, será uma verdadeira festa para mim
encontrar-me com você no mês de maio e guardo uma grande esperança de que, sob
a proteção da Santíssima Virgem e do bom São Vicente, nosso Pai, nossos
corações poderão se compreender e se fundir intimamente.
Há outra objeção que você poderia, como sacerdote, achar na Constituição de
nossa Comunidade, conduzida presentemente por um leigo. Mas ouso esperar que
ainda neste ponto toda dificuldade se aplainará, depois de nos ter visto de
perto. O autor da Imitação
o disse: o amor é uma grande
coisa, só ele torna leve tudo o que é pesado. É assim entre nós: o Superior só
o é para amar e dedicar-se mais que os outros; não atrapalha mais que um pai
atrapalha na família; e, do mesmo modo que na família um pai guarda seus
direitos sem prejuízo nenhum dos privilégios e do santo ministério de seus
filhos, se são sacerdotes, assim, no meio de nós, nossos irmãos eclesiásticos
são membros da família, sem nenhum detrimento da independência de seu santo
ministério e da profunda veneração devida ao seu caráter sagrado.
O único segredo desta feliz conciliação é a caridade. Por ela as coisas se
ordenam e se arranjam sem choque e sem embaraço, e a gente se espanta
diariamente por não achar a sombra de uma dificuldade, onde se temia
encontrá-la a cada passo. Não temos, de resto, nada constituído
sistematicamente entre nós, somente a Providência colocou a mão na elaboração
de nosso regulamento. Pensamos que o estado atual das coisas está conforme seu
plano e pode produzir grandes vantagens, mas não resistiríamos de forma nenhuma
à vontade divina, se ela se manifestasse mais tarde em outro sentido.
Quanto ao estado presente, algumas conversas íntimas podendo, bem melhor do que
todas as correspondências, mostrar-lhe o quão simples é na prática, eu
poderia, se o julgasse útil, convidar após a Páscoa algum de nossos irmãos
eclesiásticos a chegar a Arras e passar alguns dias com você. Seria um membro a
mais da família que se aproximaria de você, e, estou convicto, seria
também um passo a mais para o resultado que desejamos obter.
Esta carta é muito longa, Senhor padre. Em Paris, eu a teria, sem dúvida,
abreviado sem querer, mas aqui meu afastamento de meus irmãos e de nossas obras
me deixa mais tempo livre. Terei feito bom uso dele, a meu gosto, se resultar
um pouco de abertura de coração entre nós. Peço-o muito insistentemente a Deus
e peço-lhe, Senhor padre, dizer-lhe no fundo da alma o quanto é suave àqueles
que o servem não estarem sozinhos na oração e no trabalho, mas terem ao redor
de si verdadeiros amigos, irmãos com quem se conta como consigo mesmo e que, ao
dividirem os encargos, tornam-nos mais leves e mais frutuosos também para a
glória do Senhor.
Sou, com sentimentos respeitosos e bem devotados,
Senhor padre,
Seu muito humilde servo em Jesus e Maria.
Le Prevost
|