Detalhes
sobre a vida do Sr. Le Prevost e do Sr. Paillé em Hyères. Traços
edificantes sobre a vida do irmão Vince, em particular seu amor pelos pobres.
[Hyères, 2
de abril de 1856]
Meu caríssimo irmão,
Há muito tempo não lhe escrevo para dar-lhe notícias sobre a saúde do Sr. Le
Prevost. Seu estado me parecia mais ou menos o mesmo; no entanto, há uns dez
dias, não é bem assim. O inverno em Hyères foi muito chuvoso. Quando chegamos,
as chuvas acabavam de parar, mas recomeçaram, na proximidade da semana santa. O
Sr. Le Prevost ficou 4 dias sem poder passear. Faz alguns dias que as chuvas
pararam, mas o vento é contínuo e duro, o Sr. Le Prevost sofre muito com isso.
A tosse começa a reaparecer, assim como alguns escarros. O peito está com uma
grande fraqueza. As digestões, porém, são bastante boas.
Temos muita saudade de nossa estada no Vernet, seu ar puro e calmo, seu sol
resplandecente, seus bons moradores tão simples e tão cristãos. Em Hyères, o ar
é um pouco mais pesado, os moradores moles e quase sem fé. Os passeios
são encantadores, muito mais numerosos e mais variados que no Vernet, mas não
se encontra ali gente simples e boa.
Nossa história desde nossa saída do Vernet contém poucos acontecimentos.
Todavia, comecei esquecendo no Vernet minha carteira, que continha quinhentos
francos. Percebi somente à nossa chegada em Perpignan, a 13 horas do Vernet.
Foi-me preciso tomar a condução das 10 horas da noite, subir a montanha às 5
horas da manhã, à luz da lua, com um frio muito agudo, e bater à porta do
estabelecimento Mercader às 6 horas da manhã, como um fantasma. Achei
facilmente minha carteira e voltei logo para Prades, a 11 quilômetros, pedibus com jambis [à pé], feliz por ter resolvido o
problema com tão pouco custo. Nossa viagem até Hyères realizou-se com uma linda
temperatura, sem cansaços demasiados. Em Hyères, abandonamos os ares de
senhores que tínhamos usado até então; tomamos as maneiras de solteirões.
Tomamos um pequeno alojamento no terceiro andar, de 40f por mês. Pedimos para
trazerem nosso almoço. Os restos servem para o café da manhã do dia seguinte.
Sou eu o criado de quarto e o estragador de molho. Arrumo as camas, varro o
quarto e o banheiro. Preparo o café da manhã. Esquento a carne, minha pretensão
sobe até o ponto de fritar ovos e fazer ovos cozidos, quer dizer que me
distingo enfim. Nosso pequeno alojamento está situado no sul; está sempre numa
temperatura de 15 a
17 graus. O que desconcerta o Sr. Le Prevost é o vento do mar que sopra há
muito tempo. É de se esperar que na lua nova, que será na próxima sexta-feira,
o vento mudará e que então o Sr. Le Prevost irá melhorar. Reze sempre por sua
saúde, ela ainda não chegou ao ponto em que a desejamos.
Nosso querido irmão Vince está no Céu, tenho a doce confiança disso. Devem
fazer uma pequena nota sobre ele. Venho trazer minha pequena pedra. Um domingo,
voltando da Santa Família dos Gobelins, conversávamos sobre os pobres trapeiros
da Cité Dorée. Nosso bom irmão, no ardor de seu zelo pela salvação dessas
pobres almas, procurava todos os meios de atraí-los para a Santa Família.
Estava triste por ver que não podia consegui-lo. Enfim, acabou por dizer-me:
“Meu bom amigo, estou convicto de que, para atraí-los para nossa obra, é
preciso ir buscá-los onde estão e trazê-los, de certa forma, pelo braço. Por
isso, há muito tempo, tenho uma idéia que me persegue e que confiarei a você na
intimidade. Penso que, se eu pegasse um cesto de vime e um gancho e que
eu fosse me misturar com eles, eu o conseguiria. Indo procurar no lixo, eu lhes
diria boas palavras, os levaria a converter-se, e então teríamos uma Santa
Família de verdadeiros trapeiros, bem florescente.” Sorri muito da sua idéia,
manguei até com ele, mas não pude deixar de admirar seu zelo pela salvação das
almas que nada encontra que o possa parar, nem mesmo o vergonhoso cesto. Digo
vergonhoso porque, como você sabe, é a degradação moral que leva ao estado de
trapeiro.
Assim comprazo-me em representar-me nosso bom irmão: 1o com seu cesto,
procurando salvar as almas; 2o tendo nos braços uma criancinha doente,
embalando-a, dando-lhe carinho, abraçando-a para fazer-lhe esquecer ou ao menos
aliviar seus sofrimentos, tendo para os pequenos doentes a ternura de uma mãe;
3o impassível diante da idéia da morte, entendendo bem como é preciso ser puro,
para comparecer diante de Deus, tendo como oração interior: Amplius lava me ab iniquitate mea [lava-me
mais ainda de minha iniqüidade], purificando-se todos os dias no sangue de
Nosso Senhor pela confissão; 4o após tantos sofrimentos e tantas
purificações interiores e sacramentais, apresento-o a mim mesmo, após a morte,
introduzido no Céu por São José que ele tanto amou e cuja devoção ele tratou de
espalhar.
Meu caríssimo irmão, como seríamos felizes se todos os membros de nossa
Comunidade tivessem uma morte cercada de tantas graças, como a de nosso bom
irmão! Para mim, estou inclinado mais a cantar um Te Deum do que
a dizer o De profundis.
Soube que vocês tinham nomeado como Superior de Nazareth um singular irmão. Não
lhe direi nada a esse respeito nesta carta; mas, na próxima, espero vingar-me e
fazê-lo envergonhar-se de sua escolha. Enquanto isso, abaixo a cabeça sob o
cargo e recomendo-me de uma maneira particular às suas orações. Diga ao irmão
Hello que agarro-me a ele; que ele precisa ser meu amparo no altar, e que, se
não rezar por mim de um modo particular, ele está perdido e eu com ele.
Adeus, meu caríssimo irmão, abraço-o de todo o meu
coração, assim como todos os nossos irmãos, nos santos Corações de Jesus e de
Maria.
Seu todo devotado irmão
Paillé
Meu bom amigo, o Sr. Le Prevost lembra-lhe que as pêras secas de Grenelle estão
na escrivaninha do pequeno locutório de cima, na parte de baixo. Salve do bolor
a roupa e outros artigos que estão em minha cômoda e em meu armário.
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