O Sr. Le
Prevost extasia-se diante da beleza da Provença. Estado religioso da região:
“seria preciso aqui soprar um pouco o fogo sagrado nas almas”. Agradecimentos
pelo zelo exercido em favor das obras de Nazareth. Projetos para a Santa
Família.
Hyères, 18
de abril de 1856
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Ainda não lhe escrevi desde minha chegada aqui. Não é por não ter tido muitas
vezes a intenção de fazê-lo, mas não sou muito feito para as mudanças de lugar.
Em cada estação nova, é preciso aclimatar-me, refazer hábitos, classificar as
ocupações do dia, em uma palavra, sentar-me. Eis-me aqui, salvo novo
transtorno, mais ou menos sentado: aproveito para escrever-lhe algumas linhas.
Não lhe direi nada da região em que nos encontramos, meu irmão Paillé e eu.
Muitos de nossos amigos vieram aqui antes de nós e puderam falar-lhe dela:
principalmente os Srs. Legentil e Tulasne. É sem dúvida a mais linda região da
França, a mais rica por suas produções, o clima mais suave, o sol mais radioso.
Todas as maiores maravilhas da natureza aqui se acham reunidas: o mar,
montanhas, vales encantadores, todas as árvores de nossas regiões do Norte e
todas aquelas dos climas mais quentes que souberam aclimatar aqui. Em certos
lugares, é possível acreditar que estamos na sombra das palmeiras da Síria. Em
outros, nas florestas de abetos das regiões setentrionais. Para onde quer que
se vá, tem-se vistas encantadoras, horizontes à vontade. Os doentes aqui
encontram passeios inúmeros sempre variados, nas alturas ou nos
planaltos, segundo seus gostos e suas forças. Para suprir a fraqueza de suas
pernas, eles têm pacíficas e pacientes cavalgaduras muito injustamente desprezadas
entre nós e das quais eu mesmo pude, no Vernet e aqui, apreciar as sólidas
qualidades. Não é muito majestoso, certamente, cavalgar um burro, mas é muito
seguro e muito cômodo; pode-se orar, pensar, ler andando, sem preocupação e sem
cansaço e, se acontece de cair, como fiz ontem sobre o sargaço na praia do mar,
é sem risco nenhum nem grave contusão. Se estivesse na condição dos homens de
lazer que, por situação, devem procurar tudo o que os pode encantar e alegrar,
eu me expandiria mais sem dúvida nesta maravilhosa região de Provença, onde
tudo parece feito para tornar a vida agradável e suave. Mas levei a sério meu
papel de doente, uso de tudo somente como medicamento: o ar, o sol, os
passeios, os descansos, tudo isso tomo como prescrição, não usufruo disso nem
procuro por atração.
Admiro as bondades adoráveis do Senhor nos dons tão variados que fez às suas
criaturas, e Ele parece tê-los prodigalizado aqui. Mas sinto-me ainda melhor
chamado para Ele através de belezas de um tipo mais severo: os ásperos cimos
dos Pirenéus, os costumes rudes e simples dos pobres camponeses do Vernet me
convinham melhor e lembravam melhor, a meu ver, a via que traça a fé aqui
em baixo para o homem decaído e penitente. Quer dizer, meu excelente amigo, que
à exceção até das ternas afeições e graves cuidados que me orientam
incessantemente para você, estou aqui unicamente porque preciso estar, porque a
vontade divina para cá me trouxe, e voltar daqui me será fácil e meus adeuses
logo serão dados.
No entanto, encontrei aqui, e isso me foi uma doce consolação, bons Confrades
de Paris e também uma Conferência que me fez uma roda completa de amigos. Os
que a compõem me parecem excelentes; seu Presidente e os membros da diretoria,
em particular, são animados do melhor espírito. Suas obras têm pouca extensão
até agora e se limitam quase à visita de algumas famílias pobres, que poderiam
ser suficientemente assistidas de outra forma. Haveria muito que fazer para as
crianças e os jovens, geralmente muito mal educados e que não parecem preparar
belas gerações para o país; mas nossos Confrades são tímidos, pouco
empreendedores, segurados por seus costumes de vida mansa e pacífica. O Sr.
Becquet, antigo presidente de São Vicente de Paulo, primo do Sr. Legentil, os
incita muito e eu ajudo um pouco. Não sei se chegaremos a algum resultado.
Encontro aqui muito menos entusiasmo e vida do que na Conferência de Prades,
que é verdadeiramente zelosa e parece ter uma verdadeira compreensão do papel e
da ação reservados às Conferências. Seria preciso aqui soprar um pouco o fogo
sagrado nas almas. Infelizmente, não tenho mais muito sopro e vigor, minhas
forças traem logo minha vontade.
Como não me sentiria atraído para Paris quando incessantemente recebo novos
testemunhos da bondade, da afeição, da dedicação dos amigos que ali deixei? O
Sr. Maignen, em suas cartas, não se cansa de elogiar o zelo e a incomparável
caridade de nossos Confrades que o cobrem, diz ele, de confusão pelos exemplos
que lhe dão e as obras generosas que cumprem para levar a bom termo nossos
empreendimentos. Não quero dizer-lhe, meu bom amigo, tudo o que ele me escreve,
em particular sobre sua gratidão pelas assistências sem número e os testemunhos
de sua afetuosa bondade. Lendo com uma alegria profunda esses pormenores tão
consoladores, não posso deixar de achar muito boa e bem oportuna essa doença
que só me afastou de nossas obras para melhor pôr em evidência o zelo e a
dedicação cristã dos membros de nossa querida Sociedade. Tenhamos boa
confiança, meu caro e bem amado amigo, pois as obras da Sociedade de São
Vicente de Paulo, crescendo com ela, podem operar uma grande ação sobre as
almas e tornar-se, nas mãos de Deus, um poderoso meio de salvação. Para mim, à
medida em que avanço, tomo um interesse sempre maior pelos menores
empreendimentos seus, pois vejo neles preciosas sementes e promessas cheias de
futuro.
O Sr. Maignen me disse, em suma, tudo o que você faz para a organização de
nossa Casa de Nazareth. Agradeço a Deus incessantemente pelo que Ele põe no seu
espírito e no seu coração para o acabamento dessa boa obra, e vejo
um indício de seus projetos misericordiosos para com os pobres, os
operários, as crianças que nos esforçamos por trazer de volta a Ele. Sua
Sabedoria proporciona os meios ao fim que ela quer atingir e, já que nos põe
nas mãos recursos mais poderosos para o bem que o havia feito até agora, é que
Ele quer realizar assim algumas obras notáveis de edificação e de salvação.
Oxalá sejamos instrumentos humildes e dóceis e correspondamos fielmente a seus
desígnios.
Queria comunicar-lhe algumas idéias que me ocorreram, a respeito de nossa Santa
Família e que tenderiam a entrar mais diretamente no objetivo que nos tínhamos
proposto de início: devolver à nossa pobre gente os sentimentos e os costumes
da família cristã; mas recuo diante da demora que uma exposição por escrito
implicaria. Adio, portanto, até minha volta os pormenores que teria para lhe
dar a esse respeito e que não atingem, aliás, de forma alguma, o fundo da Obra.
Ainda não sei precisamente o dia de minha volta, aguardo uma resposta do Sr.
Tessier, cujos avisos devem regular minha partida. A estação bonita me devolve
um pouco de forças e deixa a meus movimentos um pouco mais de liberdade; mas o
ponto capital, a fraqueza e a suscetibilidade de meu peito, continua mais ou
menos no mesmo estado. Com a vida de repouso e de cuidados que levo, com um
clima como o de Hyères, a existência ainda me parece possível por um tempo, mas
fora dessas condições duvido que haja meio de avançar. O verão talvez me
permitirá angariar forças para o inverno. Deus sabe, não tenho, quanto a mim,
necessidade de sabê-lo, e, sobretudo, não tenho que me inquietar: a cada dia
basta seu mal.
Seja bastante bondoso, meu caro amigo, para oferecer, oportunamente, meus
respeitosos sentimentos ao nosso excelente Presidente, o Sr. Baudon, assim como
a todos os membros do Conselho, que têm a caridade de se lembrarem de mim.
Agradeço-lhes mais uma vez por suas orações e os conjuro para continuar o favor
de me dedicá-las. Não me esqueça também junto a todos esses zelosos Confrades
que partilham seus trabalhos e solicitudes pelas nossas obras de Nazareth.
Adeus, meu excelente amigo, você conta entre as mais doces alegrias prometidas
em minha volta; revê-lo e abraçá-lo será para mim uma grande e verdadeira
consolação. Boa lembrança particular ao Sr. Frion e à sua excelente família.
Seu todo afeiçoado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
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