O que se
faz na obra de Amiens. O Sr. Le Prevost responde às suas objeções. O
Regulamento, ainda experimental, corrigirá uma disposição sobre a pobreza
segundo as indicações da Providência. Segurança lhe é dada quanto ao
funcionamento da obra de Marseille. “Em tudo e acima de tudo a caridade é nossa
regra e nossa suprema lei”. O Sr. Le Prevost dá-lhe como exemplo a união com o
Sr. Halluin. As imperfeições do Sr. Timon-David não serão obstáculo.
Amiens, 14
de junho de 1856
Caro Senhor padre,
Não tenho sob os olhos sua boa e tão confiante carta, mas se as palavras podem
escapar-me, o espírito e os sentimentos dela ficaram em mim. Aproveito,
portanto, para responder-lhe, de alguns momentos de liberdade que me deixam,
durante a visita que vim fazer à nossa pequena família de Amiens. Ela se compõe
neste momento de três membros apenas, os quais dirigem um orfanato no interior
e a obra do patronato fora. Conseguem, apesar dessas ocupações imperiosas,
determinar ainda uma parte para seus exercícios de comunidade, que são seguidos
com bastante regularidade. Encontrei tudo em bom estado: sua casa, que é
bastante linda e bem disposta, é perfeitamente mantida; suas crianças bem
conduzidas e bem tratadas. Enfim, a própria comunidade está em boas
disposições: é piedosa, unida e sinceramente dedicada ao serviço do Senhor. Não
é preciso dizer que, para o patronato, sobretudo, que é muito numeroso, eles
são bastante ajudados por pessoas de fora, mas ainda assim realizam uma outra
obra: encorajar para o bem muita gente que se santifica e adquire méritos pela
prática da caridade.
Esses pormenores não lhe parecerão sem interesse, pois são concernentes a uma
parte da família à qual você se associa, e cujos membros todos o consideram
doravante como um irmão.
Paris 17 de
junho de 1856
--- Não se faz
em Amiens tudo o que se quer. Comecei, sim, esta carta, mas terminá-la não me
foi permitido. As corridas, as visitas, as conferências com os Irmãos que devia
ver em apenas alguns dias, absorveram todos os meus instantes. Aqui, chego em
cima da hora para a Confirmação de nossos órfãos. Monsenhor o Bispo de Angers,
que nos concede uma benevolência toda particular, teve a bondade de fazer essa
interessante solenidade; amanhã, ele volta aqui para ver e exortar
especialmente a comunidade. Assim os dias se seguem, e deixo, por demasiado
tempo, sem resposta sua afetuosa epístola.
Começo constatando aqui, desde as primeiras linhas, que doravante nos olhamos
como ligados a você e verdadeiramente membros de uma mesma família. Toda a
nossa pequena comunidade adotou de todo o coração o Irmão de Marseille, com
todas suas queridas crianças e o fará participar de suas orações e suas obras,
esperando o mesmo retorno de seu lado. Ela trabalhará sinceramente para
consumar efetivamente essa união, procurando sem interrupção os meios de fazer
em Marseille uma pequena colônia, que se agrupará ao redor do irmão tão
dedicado e tão perseverante, que constitui como que o primeiro assentamento da
fundação. Eis aí, portanto, nossos sentimentos e disposições: correspondem aos
seus, se não me engano. A coisa me parece, portanto, bem entendida, somos
irmãos e andaremos doravante lado a lado no serviço do divino Senhor.
Você me faz hoje, caro Senhor padre, uma única observação no tocante ao nosso
regulamento, ou seja, no que diz respeito, para você, à consumação real da
pobreza. Lendo-o de novo, encontrará nele muitas outras observações a
fazer: ele contém lacunas e imperfeições notáveis, mas respondemos, no seu
conjunto, às justas críticas que se podem fazer dele, dando-o por aquilo que é
de fato, isto é, um simples levantamento de nosso estado presente, e
prometendo realizar sucessivamente os melhoramentos e correções desejáveis, à
medida em que a Providência, da qual seguimos, passo a passo, a conduta, nos
fornecerá as luzes de que precisamos.
Quanto ao artigo concernente à pobreza, teve que ser enunciado, achamos, de um
modo absoluto, porque foi nosso desejo estabelecer-nos no sacrifício generoso e
completo de tudo e de nós mesmos. Mas a experiência nos mostra, por nós mesmos
e pelas outras Congregações, que a execução pode, em certos casos, ser bastante
difícil. Por isso, nosso regulamento autoriza o Superior a admitir
condescendências, quando as crê verdadeiramente motivadas. Acho que as
circunstâncias em que você está, caro Senhor padre, em relação às suas empresas
e aquisições, constituem realmente um caso típico, e que podemos aceitar,
quanto ao presente, seu sacrifício tal como você o encara, ou seja, só dispor e
só usar de alguma coisa com licença. Aí está com certeza um primeiro grau de
pobreza bem notável e bem meritório diante de Deus. Não veríamos, aliás,
vantagem alguma em mudar de nome suas posses, já que, não sendo legalmente
autorizados, não pudemos, nós mesmos, nos separar do que faz o fundo temporal
da Comunidade, a não ser constituindo uma associação em que o capital dos que
morrem passa para os que ficam, sobre a cabeça de 3 dos mais firmes (em
aparência pelo menos) dentre nós. Mas o conjuro, caro Senhor padre, a consumar
bem cordialmente em si mesmo o desapego, para que, interiormente, o princípio seja
salvo, mesmo se o efeito continua sendo imperfeito. Parece-me que você poderia
considerar, para firmar-se nesse sentido, que, tendo confiança suficiente na
Comunidade para abandonar a ela a disposição de suas faculdades e de sua
pessoa, poderia muito bem, um dia, se a Providência tornasse sua situação mais
desimpedida, ter a mesma confiança no tocante a seus bens temporais. Pois, se
você acredita que, andando na presença de Deus, não iríamos dispor nunca
temerariamente de você e não iríamos comprometer voluntariamente a obra
tão interessante que dirige, pode, por isso mesmo, ficar bem certo de que não
lhe tiraríamos também os recursos que servem para a sua manutenção. Aí está uma
regra de equidade e de constante prática nas Congregações: que fiquem guardados
para cada obra os recursos que serviram à sua criação e à sua manutenção. As
diversas instituições dependentes de uma mesma Congregação podem ajudar-se
fraternalmente, mas não se absorvem nem se devoram nunca umas às outras. Esse
princípio de caridade continuará sendo essencial entre nós, pois, em tudo e
acima de tudo, a caridade é nossa regra e nossa suprema lei. Disse essas poucas
palavras, caro Senhor padre, para manifestar-lhe, sobre esse ponto, nossos
sentimentos e deixar em perfeita paz o seu espírito.
Introduziremos de bom grado na Comunidade a piedosa prática dos 15 sábados e
começaremos sua aplicação com você, a partir do próximo sábado, 21 deste mês. É
muito bom só considerar como sólido o que a oração sancionou. É consolador também
reservar para as grandes ocasiões algum meio poderoso, que faça um apelo mais
insistente aos misericordiosos auxílios de Deus. Não será, espero, o único
empréstimo feliz que receberemos de sua obra. Teremos talvez, da nossa parte
igualmente, algo a retribuir-lhe, para que essas trocas mútuas sejam
proveitosas à caridade.
Consumamos, como lhe tinha anunciado de antemão, caro Senhor padre, nossa união
com o Sr. padre Halluin, que dirige em Arras um estabelecimento para órfãos,
digno do maior interesse. O Sr. Halluin é uma dessas almas generosas que não
hesitam também diante dos sacrifícios, e que, como você, não acham que se sirva
verdadeiramente a Deus sem se dar todo a ele. O Senhor abençoou seus esforços,
sua casa reúne 130 crianças, cuja alma e corpo, sem ele, teriam estado em
perigo de se perder. Assim, é bem menos a importância de sua obra que me toca
do que o zelo ardente e generoso que o incitou a fundá-la. Se, como espero,
alguma circunstância aproximar você dele no futuro, vocês não terão problema
para se entenderem, pois a caridade é essa língua maravilhosa que falavam os
Apóstolos depois da descida do Santo Espírito. Todas as almas inspiradas a
entendem, qualquer que seja seu país, de norte a sul. Das comunicações e trocas
benévolas que poderemos realizar entre nós à medida em que nossa união se
tornar mais íntima e mais efetiva, espero grandes bens para nossas obras e para
nós.
Mas ouço-o, caro Senhor padre, perguntar-me se nos foi possível preparar, para
Marseille em particular, alguns meios, para dar-lhe um pouco de ajuda e
começar, como você o deseja, seu pequeno lar de comunidade. Espero, daqui a
pouco, ter a esse respeito algum projeto mais preciso. Aguardamos a chegada de
um novo irmão. O Sr. Halluin, por sua vez, deve enviar ao noviciado, em nossa
casa, um de seus jovens. Desses movimentos todos resultará, sem dúvida, algum
reforço que nos daria mais facilidades. Em todo caso, é somente uma questão de
adiamento. Estamos sinceramente resolvidos a tratar sua obra como nossa. Ela
não será sacrificada a nenhuma outra, porque em si e por causa de você, ela se
torna para nós verdadeiramente querida.
Desejamos sempre que
nada se oponha à visita que você propusera nos fazer, mas sinto que não
lhe seria muito possível antes dos trabalhos de sua capela estarem mais perto
de seu acabamento. Não creio, aliás, como você, caro Senhor padre, que suas
poucas imperfeições impeçam nossos Irmãos de amá-lo e de apegarem-se ternamente
a você. Não sei se o laço que nos une já me torna cego a seu respeito, mas acho
naquilo que você traz à família que está adotando muito mais coisa boa do que
ruim. O bem, eu não o menciono e falo nele somente a Deus para lhe agradecer. O
mal, no seu entender, é que, em lugar da dedicação ardente e generosa que me
parece ser a alma de sua vida e de sua obra, haveria um tipo de tenacidade
natural, que endurece contra o obstáculo e se firma pela dificuldade. Se tal é,
com efeito, sua natureza, é felizmente dotada e oferece grandes recursos. Por
pouco que a graça a domine e a conduza, atingirá suave e fortemente o
fim que o divino Mestre lhe tiver determinado. Mas, havendo força, ainda
diz você, não haveria certamente mansidão, já que a impetuosidade dos
primeiros movimentos manifesta-se muitas vezes pela aspereza e rudeza das
palavras. Não tive que notar esse defeito, que só se revela a mim por sua
confissão. Mas São Francisco de Sales nos é testemunha de que se pode
corrigi-lo; a vida comum terá, para ajudá-lo nisso, apoios que seu isolamento não
lhe fornecia. Além disso, rezaremos juntos e o Deus de mansidão dignar-se-á
render-se aos nossos pedidos.
Esta carta ressente-se das cem interrupções que sofreu; se você não encontrar
nela, caro Senhor padre, o acento de terna afeição, de cordial simpatia que
ansiava colocar, é a isso que é preciso atribui-lo. Mas esses sentimentos
mesmos estão bem profundamente em mim como em todos os meus irmãos; a
continuação de nossos relacionamentos ser-lhe-á, eu espero, um constante
testemunho disso. Queira oferecer minhas respeitosas lembranças ao Sr. Guiol,
sinto-me em perfeita união de coração com ele. Acredite também em meu respeito
e devotamento sincero em N. S.
Le Prevost
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