Diante
das hesitações do padre Halluin para transpor as últimas etapas da união, o Sr.
Le Prevost pede-lhe para abrir-se sobre o que ainda lhe parece criar obstáculo.
Trabalhar de acordo não basta, é preciso confiança recíproca: nada deve separar
os corações dos verdadeiros filhos de Deus. Sua família religiosa é fundada
sobre a caridade. “O coração nela faz mais do que a cabeça”.
Vaugirard,
21 de junho de 1856
festa de
São Luis Gonzaga
Caro Senhor padre,
Agradeço-lhe por sua diligência em escrever-me. Não é pouco para você, no meio de
suas ocupações tão multiplicadas, achar alguma liberdade para escrever. Porém,
é muito útil, sobretudo nos primeiros tempos, trabalharmos para bem estabelecer
nossas relações mútuas e, já que ficamos distantes uns dos outros, não há
outros recursos senão a correspondência. Um primeiro ponto bem essencial para
estabelecer e que simplificará muito as coisas entre nós, é termos de ambas as
partes uma confiança verdadeira, cordial, sem reserva. Creio poder garantir-lhe
que ela existe assim, de nosso lado. Temos encarado diante de Deus nossa união
com você, temos observado se o espírito que nos anima era também o seu e, muito
convencidos de que estávamos andando no mesmo caminho, resolvemos ter, para com
você, os mesmos sentimentos que temos para com todos os membros de nossa
pequena família. Desejo muito que seja assim para você e para os seus, e que
você conte conosco como verdadeiros irmãos, cujas afeições e interesses são
também os seus. Exorto-o então, caro Senhor padre, a examinar se ainda há em
você alguma incerteza, alguma falta de esclarecimento a nosso respeito e a
assinalar-me a causa disso, para que todo esclarecimento e satisfação lhe sendo
dados, vivamos depois no ar livre da confiança e da afeição recíprocas.
Parece-me que, como não deve haver nada que se interponha entre o coração do
homem e o coração de seu Deus, assim também não deve haver nada entre os
corações dos verdadeiros filhos de Deus. É isto que faz a alegria e a vida de
nossa pequena família: é que verdadeiramente todas as almas nela estão fundidas
em uma. Você
pensará, talvez, que é necessário tempo para estabelecer uma inteligência e
união tão perfeitas, mas creio que, na divina caridade do Senhor, essa íntima
fusão dos corações se pode fazer num instante. Insisti um pouco nesse ponto,
porque tal é o espírito de nossa pequena família: é fundada na caridade, nela,
o coração faz mais que a cabeça, a confiança, mais que a prudência, o abandono
a Deus, mais que as reservas da sabedoria e da razão naturais.
Desejo muito, como
você, que o jovem eclesiástico que conduz com você sua casa me escreva logo.
Parece-me que não teremos dificuldade para nos entender se, como tudo me faz
pensar, ele somente deseja, como nós, dedicar-se de todo o coração às obras que
devem procurar a glória de Deus. Ouso assegurá-lo de que, se a inspiração para
isso lhe é dada interiormente, ele a deve considerar como uma graça insigne,
pois o Senhor parece querer reger hoje o mundo pela caridade, e os que servem
de instrumentos para suas divinas misericórdias terão parte, neste mundo e no
outro, nos seus mais preciosos favores. Que esse excelente Senhor estenda um
pouco a mão para nós, e a nossa dirigir-se-á depressa para frente para
apertá-la cordialmente. Sua vinda entre nós seria um meio para determinar as
pequenas medidas que você acredita desejáveis no interesse de suas queridas
crianças, digo bem sinceramente nossas queridas crianças de Arras. Interesso-me
vivamente, como você, em assegurar-lhes todas as vantagens cuja procura
dependerá de nós. Estarei satisfeito somente quando sentirem, elas também, que
saíram ganhando com a associação que nos une. Guardo as indicações que você me
dá sobre suas necessidades, a fim de trabalhar, de acordo com você, para
supri-las.
Os ofícios do Santíssimo Sacramento só o chamam, se não me engano, uma ou duas
vezes por semana. Não me pareceria, nesse caso, muito difícil achar em Arras
algum padre bondoso que consentisse, nesses dias, em dizer a Santa Missa na
casa dos órfãos.
Acho que, devido à pouca extensão dos pátios desse estabelecimento, era bem
desejável ter um jardim, que servisse para os passeios e os trabalhos manuais
das crianças. Considero portanto como muito útil a aquisição que você fez.
Parece-me que você me havia falado nisso quando de minha viagem a Arras.
Acreditava somente que você pensava então num aluguel e não numa compra; terei
entendido mal, sem dúvida. Estou certo de que terá feito o melhor e
com as melhores intenções.
Peço-lhe, caro Senhor padre, para oferecer minhas lembranças bem afetuosas ao
Sr. de Lauriston, e para lembrar-lhe sua promessa de me escrever, ao mais
tardar, após sua chegada em
La Salette.
Eu ficaria bem satisfeito também se, em seus momentos de folga, seus bons
irmãos me escrevessem algumas palavras; eu lhes responderia, e assim se
estabeleceriam os laços de nossa intimidade. Trabalhar juntos é uma associação;
mas trabalhar com um mesmo coração e com um mesmo espírito, é a união em Deus. E é a esse fim tão
excelente e tão santo que tendemos. Abraço-os bem afetuosamente em N.S. e
espero só a sua autorização para chamá-los de “meus filhos”. Pois já tenho para
com eles os sentimentos que justificariam esse nome. Deixe-me
acrescentar, caro Senhor padre, para você mesmo, que é uma alegria para
nossa pequena família contá-lo entre seus membros e que, dos que a compõem,
nenhum alegra-se mais profundamente por isso do que eu. Abraço-o também em
Jesus e Maria, bem cordialmente.
Le Prevost
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