Suspeitar
de toda falsa humildade. Qualidades do Sr. de Lauriston. O
pensamento da misericórdia divina é um remédio contra o desânimo. O Sr. Le
Prevost lhe estabelece um programa para sua estada em Paris.
Vaugirard,
10 de julho de 1856
Caríssimo Senhor,
Os poucos instantes em Arras já haviam-me colocado numa relação cordial com
você, mas sua boa e tão confiante carta completa o entendimento perfeito que
nossos primeiros colóquios já tinham começado entre nós.
Não quero tentar destruir os sentimentos humildes que você tem de si mesmo,
pois é o primeiro e o mais seguro indício do trabalho interior da graça nas
almas. Porém, caro Senhor, parece-me que não devemos desconhecer os dons de
Deus, que o reconhecimento nos obriga a isso e que corremos o risco, de outro
jeito, de cair no abatimento e deixar sem utilização as faculdades e os meios
de que sua graça nos muniu. Ora, não consigo deixar de achar, depois da leitura
de sua carta, que você cede demais a algumas tentações de desânimo, que
entristece como que sem motivo seu pobre coração pela vista de suas
imperfeições e fraquezas; que distorce suas ações, mesmo as melhores,
atribuindo-as a inspirações puramente naturais. Enfim, que desvia os olhos de
tudo o que há de bom em você, para perscrutar e analisar minuciosamente os
pontos defeituosos de seu ser, as poucas misérias de sua vida.
Ouso assegurar-lhe, caro Senhor, embora minha ciência espiritual seja bem pouco
profunda, que estaria melhor na verdade e acharia muito mais paz se,
humilhando-se diante do Senhor pelas fraquezas ou incapacidades de que pode,
como todos os demais homens, censurar-se justamente, você visse, no entanto,
com um olhar simples e confiante, aquilo que todos a seu redor enxergam em
você: um coração amoroso e devotado, aspirações generosas, uma alma sensível e
delicada, um espírito atento e penetrante, um desejo verdadeiro de glorificar a
Deus, um zelo sincero pela salvação das almas. Não insisto nesta enumeração,
que poderia tornar mais longa, para não ferir demais sua humildade; mas tive
que fazê-la ao menos, em suma, para devolver a Deus aquilo que lhe pertence e
registrar uma verdade de que você não me parece bastante consciente. Você não
foi deserdado neste mundo e o Senhor lhe concedeu uma porção bem maior do que a
de muitos outros, e enfim, mesmo se um pouco de imperfeição se tivesse
misturado às suas obras de piedade e de caridade, permanecem, no entanto,
meritórias diante do Pai de toda bondade e de toda misericórdia. Tenhamos, caro
Senhor, uma confiança sem limites nesse divino Mestre, já que seu amor é
infinito e, se curvamos a cabeça com a lembrança de nossas misérias, ergamo-la
e firmemos nosso coração no pensamento do terno, do generoso e imenso amor de
nosso Deus.
Desejo muito, caríssimo Senhor e amigo, que esse sentimento encha sua alma: não
duvido então de que você se fixe definitivamente no pensamento de doar-se
integralmente a Deus. Talvez, estudando bem suas faculdades e aptidões, achasse
que todas as suas penas vieram do fato de que não era feito para andar isolado,
de que sua alma afetuosa tinha necessidade de entender-se com outros, de que
suas forças teriam sido aumentadas e confirmadas pela sua associação com eles,
e de que é a esse fim que o Senhor queria conduzi-lo.
Vamos esperar desde já sua visita. Parta bem depressa, caro Senhor, e esteja
seguro de que será acolhido por irmãos e amigos. Não lhe ofereço desculpas pela
pobreza de nossa casa; sei que seu coração cristão provou bastante intimamente
o espírito do divino Salvador, para não ficar chocado por uma condição que Ele
mesmo escolheu. Tenho a confiança de que você irá se achar à vontade no meio de
nós. Nem me preocupo também com o emprego de seu tempo. Examinará nossas obras
e tomará parte um pouco em nossos trabalhos: desejaria que visse de um
pouco perto as casas de patronato, que você conversasse com seus
dirigentes. Assim, você poderia melhor, em seguida, mesmo de longe, se o bom
Mestre o segurasse mais tarde entre nós, mandar a Arras algumas informações e
conselhos verdadeiramente úteis. Enfim, para completar a recuperação de minhas
forças, meus irmãos alugaram para mim uma pequena pousada em Chaville. Você
virá lá comigo nos dias em que eu puder. Conversaremos bem à vontade nessa
solidão, que favorece tão bem os movimentos interiores da graça divina; Deus
falará a seu coração, você ouvirá sua voz e fará, filho dócil, tudo o que Ele
lhe disser.
Adeus, caríssimo Senhor e amigo; uso esse nome porque tenho os sentimentos
correspondentes. Tenho a confiança de que a caridade do divino Salvador
aumentará ainda em nós para nos unir nele.
Seu bem afeiçoado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Temos a adoração das Quarenta Horas em nossa casa de Nazareth, quarta,
quinta e sexta-feira. Procure vir para esse momento, para adorar conosco.
Vou escrever hoje ou amanhã ao nosso bom padre Halluin; creio que nos
entenderemos bem juntos. Estou atrasado também com os irmãos Loquet e Michel;
vou procurar escrever algumas linhas para eles.
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