Projeto de casamento de V. Pavie. O Sr. Le
Prevost exalta a vida de família. Julgamento sobre a peça “O rei se diverte”
14 de
dezembro de 1832
É preciso responder sem demora, meu caro Victor, à sua carta. Apresso-me a lhe
dizer obrigado por sua confiança; oh! obrigado! Falando-me de si, você me fez
grande bem. Você ter atravessado o mundo que nos separa para me trazer seu
segredo mais querido me dá uma alegria infinita ao coração. Por isso,
fique tranqüilo, meu amigo, seu pensamento estará em minha alma como num
santuário, será coisa santa que é preciso rodear de objetos puros e sagrados
como ele. Não sei, com efeito, o que seria para você uma esposa?. A própria
Eva, saindo das mãos de Deus e dada a Adão, a absorção em você mesmo de tudo o
que a natureza contém de mais simpático a você mesmo, elementos espalhados em
todos os recantos do mundo e que o pensamento de Deus juntou, dons de vida, um
dia para você, só para você; para sempre sua aqui e na eternidade ainda.
Assim, então, ela foi apenas vista, revelada pela intuição de um olhar! Tudo
bem! Oh, sim, confie em Deus, não na prudência humana. Mas, meu amigo, que Deus
então lhe esteja bem presente; e permita que eu, indigno, lhe diga: cuide bem
para que seja Ele, Ele mesmo, não sua imaginação, nem nenhuma inspiração menos
pura a dirigi-lo. Reze com fervor, e eu, seu irmão, também rezarei de
coração, com amor. Meu Deus, como me é doce estar ligado a você, meu amigo, por
um laço tão puro, tão espiritual que eu possa me colocar assim com você, sob o
olhar de Deus e pedir-Lhe para abençoá-lo! Em tal caminho você não poderia se
extraviar, sustentado sobretudo por seu venerado pai, ele mesmo tão piedoso,
tão digno de compreendê-lo e de dirigi-lo. Seguramente, se o Céu usa uma voz
para se fazer ouvir por você, deve ser a de seu pai.
Vejo bem daqui a vida de família, tal como é traçada para você. É o dever em
sua forma mais plena, é o sacerdócio do patriarca, melhor ainda, é o caminho do
Cristo percorrido por dois esposos cristãos. Doravante, será que outro caminho
é possível para você, para mim, para todos aqueles que, como nós, olham só para
o futuro? Vida social, vida política, isso não existe hoje em dia. Só nos resta,
então, a nós cristãos, refugiarmo-nos nisso, retornar aos deveres primitivos da
família e, neste estreito horizonte, cumprir nossa carreira, rezando, fazendo o
bem, resignados durante este silêncio de Deus, esperando sua palavra que,
talvez durante muito tempo ainda retida, nos alegrará pelo menos em nossos
túmulos.
Não confie pela metade, meu caro Victor, e já que me fez ler a primeira página
de sua história, não vá fechar de repente o volume, me deixando inquieto e
atormentado sobre o resto. Balbuciarei algumas palavras a esse respeito apenas
ao ouvido do Sr. Gavard; para todos os outros este será o livro de sete selos e
você ficará com a chave.
Não lhe faço pergunta; não peço retrato; você me diria rindo, como nosso amigo
Mazure: “suficientemente dotada de agrados para que meus amigos possam me
parabenizar”. Se fosse com bastante certeza aquela que lhe é predestinada,
saberia bem, sem ajuda, me criar sua imagem, mas sua carta não me dá sobre esse
ponto certeza absoluta, e você mesmo me parece esperar alguma revelação nova.
Diga-me somente uma palavra, meu amigo, e o dispenso depois: é uma virgem como
a da Bíblia, ou Rafaélica ou Lamartiniana? Escreveria de antemão a resposta. É
tudo isso junto, dirá você. Então, não o interrogo mais. Aguardarei as palavras
que lhe aprouver me escrever, e da melhor forma que puder tirarei daí minha
imagem.
A respeito do Sr. Mazure, é verdade mesmo, você tem certeza que ele tenha vindo
a Paris com sua esposa? Não poderia acreditar. Qualquer que seja, às vezes, sua
estranha rusticidade, pertencíamos demais verdadeiramente um ao outro para que
retornasse de consciência tranqüila à sua casa sem me ter visto. Talvez eu
estivesse na Normandia? Isso me atormenta, diga-me uma palavra a respeito, se
puder.
Não tinha
ousado falar-lhe bem claramente da peça ”O Rei se diverte”. Há coisas que só se reconhecem em
última análise; mas é bem verdade que aprecio pouco a peça, e menos ainda o
prefácio, que não me parece digno e à altura. Acho que não é este grito de
santa e justa indignação, pelo qual o Sr. Hugo devia responder a uma acusação
pública de imoralidade. Aguardemos, no entanto, a defesa. Como nossos tempos
são funestos ao talento! É preciso ser indulgente com ele, pois o próprio gênio
não luta contra eles com certeza de vencer. Não desespero, é claro; mas, o
confesso, estou inquieto e os ternos e severos conselhos de Sainte-Beuve no seu
artigo sobre as ”Folhas de
Outono28” me
parecem hoje uma voz do alto, uma advertência solene que é preciso, sob pena de
queda, que o Sr. Hugo se recolha e medite profundamente. Sua palavra tão
fraterna também tinha peso junto a ele, meu caro Victor. Então, você não vai
achar mais alguma inspiração amiga? Ela atingirá, tenho certeza, o objetivo
escolhido por você.
Adeus, escreva-me quanto antes. É preciso, pois estou esperando. Bem que
gostaria, se ousasse, de abraçar seu bom pai; faça isso por mim. Ele não
poderia ofender-se com este testemunho de todos os meus sentimentos de
veneração e de profundo devotamento.
Sempre seu
Léon Le Prevost
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