Conselhos ao Superior da casa de Nazareth: “o
bem se fará através de você, porque o próprio Senhor o fará em você”. Descrição
de Cannes, seus recursos espirituais, a propaganda protestante. Ele está
satisfeito ali porque a Providência o mandou para lá. Os dois campanários de
Vaugirard e de Grenelle. Predileção pela casa de Nazareth. Sua saúde melhora.
Cannes,
8 de novembro de 1856
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Já dei notícias nossas aos irmãos de Vaugirard;
escrevi também aos de Amiens e de Arras; só restam nossos bem-amados filhos de
Nazareth que não tenham recebido um testemunho de nossa constante lembrança.
Não quero negligenciá-los, pois me são queridos entre os outros. Eis porque,
caríssimo amigo, traço-lhe estas poucas linhas, desta região onde, no ano
passado, sua caridade me cercou de tantos cuidados afetuosos e tornou meu
exílio tão suportável quanto possível. Se precisasse das circunstâncias
exteriores para recordar-me todas as marcas de amizade e de dedicação cristã
que você me deu, a vista dos lugares, sob muitos aspectos parecidos com as
regiões de Hyères, renovaria minhas impressões passadas e as faria reviver; o
mar e suas ilhas, pois a cidade de Cannes também tem as suas, as montanhas, as
oliveiras, as figueiras, o sol lindo, os verdes perpétuos me devolveriam a
lembrança destes passeios quotidianos, em que você falava muito pouco, muitas
vezes nada, mas em que sua vigilância e seus cuidados nunca me faziam falta.
Aproveito desta ocasião, meu bom amigo, para agradecer-lhe, uma vez mais, e
para pedir ao Deus de caridade e de terna dileção que recompense esses atos
generosos e bons que Ele mesmo tinha inspirado.
Noto que foi depois dessa prova que o Senhor julgou bom nomeá-lo para a conduta
de nossa querida casa de Nazareth. Quando outrora o divino Mestre colocou São
Pedro à cabeça de sua Igreja, Ele perguntou-lhe por três vezes: “Pedro, você me
ama?” Parece que Ele tenha querido agir assim com você, antes de
confiar-lhe uma de suas obras muito queridas na ordem da caridade e da
misericórdia. Confiou-me aos seus cuidados, doente, impaciente, muitas vezes
pouco reconhecido por sua terna afeição, e, bem seguro, depois de tê-lo provado
assim, de que você teria as generosidades e condescendências tão essenciais a
todo governo cristão, Ele o encarregou de velar por seus irmãos, de amá-los, de
rezar, de trabalhar e de se dedicar por eles. Por isso, caríssimo amigo,
estou, desse lado, muito tranqüilo; sei de seus defeitos naturais, de
suas insuficiências sob muitos aspectos para arcar com um cargo de conduta e de
direção; mas o Senhor pareceu visivelmente tê-lo escolhido. Ele cobrirá todas
as suas fraquezas. Suprirá todas as suas impotências, o bem se fará através de
você, porque o próprio Senhor o fará em você. Encontre
neste pensamento, caro amigo, sua segurança e sua consolação e diga com o
apóstolo: Eu só sou fraqueza e miséria, mas posso tudo naquele que me
fortalece252.
Você quer, tenho certeza, caro amigo, ter alguns detalhes sobre nossa situação,
sobre a região em que estamos, sobre como estamos instalados, sobre as
observações que, à primeira vista, poderíamos ter feito e as conjecturas que
poderíamos formar. Só teríamos, no conjunto, respostas positivas a fazer a
essas diversas perguntas.
Acho Cannes menos amável que Hyères pelo aspecto: os campos me parecem menos
vicejantes, menos acessíveis, menos variados em suas paisagens, mas, no
entanto, é uma região admirável e muito linda. O clima parece quase
sempre ameno, o ar é puro, o sol radiante, o mar é magnífico; o que se pode
desejar de melhor? Tudo isso não vale, para mim, nosso recinto de Nossa Senhora
da Salete e a vista de nossos dois campanários de Vaugirard e de Grenelle, mas
estou satisfeito aqui, porque Deus me enviou a este local, e prefiro Cannes a
qualquer outro lugar, porque não o escolhi e porque me foi designado.
Temos um pequeno alojamento, mais ou menos como o de Hyères, um pouco melhor
disposto e melhor situado, por um preço mais ou menos igual. Encontramos
nele facilmente tudo de que precisamos, as delicadezas mais atenciosas,
preparadas pelas recomendações do bom padre Taillandier, aplainaram para nós
todas as dificuldades da inexperiência das pessoas e dos lugares; Deus nos
queria aqui, Ele fez aqui nosso espaço, que sua bondade misericordiosa seja mil
vezes bendita por isso.
Temos também espiritualmente, e é isso que deveria ter-lhe dito em primeiro
lugar, todas as comodidades possíveis. Não temos aqui a admirável igreja de
Hyères, os homens eminentes que ali encontramos no clero; mas o pároco e seus
três vigários parecem ser homens de espírito sólido, piedosos e dedicados. A
igreja elevada, infelizmente empoleirada muito longe, é ampla e celebra-se bem
nela. Temos, além disso, na cidade baixa, duas capelas onde se diz a missa
todos os dias, e em uma das quais se conserva o Santíssimo Sacramento. Como
estou menos indisposto que no ano passado, posso gozar melhor dessas vantagens
e espero refazer por aqui minhas forças espirituais, se o Senhor dignar-se de
me atrair um pouco a Si; sinto também o sincero desejo disso.
Esta região é muito atormentada pelo protestantismo. Os Ingleses, atraídos pela
beleza do clima e das paisagens, abundam aqui e possuem todos os castelos e as
casas de recreio. Vários entre eles são ardentes em proselitismo, construíram
três templos ou capelas e chamam para lá pregadores famosos entre eles; eles
têm mulheres pagas para atrair os pobres e os camponeses: vão a todo
lugar onde há penúria e sofrimento e fazem incríveis sacrifícios para comprar
almas por ouro. Até agora, seus sucessos decisivos são imperceptíveis, mas
todos esses artifícios abalam a fé em muitas famílias, lançam a dúvida e a
suspeita e preparam ou abandonos ou uma indiferença quase tão funesta.
Há pouca
resistência entre os católicos, o fervor é quase nulo nos homens. Algumas
mulheres, como em todo lugar, são mais empenhadas e defendem o terreno da
melhor maneira possível. Uma Conferência de São Vicente de Paulo poderia, acho,
concentrar e firmar os poucos homens de boa vontade. Não sei se poderemos
estabelecê-la. Como nada se faz sem orações, na ordem espiritual sobretudo,
peço insistentemente as de sua pequena comunidade, as de meu bom padre Hello,
sobretudo, que a oblação da Vítima santa torna mais poderoso do que nós.
Escreverei sucessivamente a todos os meus bem-amados filhos de sua casa, que me
é tão particularmente cara, já que me recorda as obras às quais dei mais
afeição: a Santa Família, os pobres idosos e nossos meninos aprendizes. Faça
com que nossos bons idosos se lembrem de mim e recomende-me às suas orações.
Vi-os pouco durante minha estada em Vaugirard: devia guardar minha posição de
doente e poupar minhas forças, mas se ainda agradar a Deus que o sirva,
voltarei entre eles e procurarei mostrar-lhes que os amo sempre.
Mil ternas afeições aos nossos excelentes amigos, Sr. Decaux, a quem escreverei
logo e que conhece bem minha cordial dedicação por ele; mil boas lembranças
também a todos os outros, aos membros sobretudo da Comissão de Nazareth, que se
mostram tão benevolentes e caridosos por nós; encarregue, por favor, o bom Sr.
Leblanc de meus respeitos para nosso R.P. Milleriot e de meus sentimentos de
afeição pela Santa Família; estou tranqüilo, sabendo que ela está nas mãos do
bom Padre e de nosso amigo, o Sr. Leblanc.
Dou-me conta de que nada lhe disse sobre minha saúde. Não é pior do que na
minha partida; o tempo, que é aqui admirável, contribui para mantê-la; o ar do
mar, embora menos vivo, acho, que em Hyères, irrita-me sempre o peito,
tusso um pouco de manhã ao levantar, mas acho que esse mal-estar desaparecerá
depois que estiver bem aclimatado. Nosso jovem irmão, Ernest Vasseur, vai bem e
se mostra muito atencioso por mim, me dá todas as assistências possíveis; ele
não tem nostalgia; seu tempo é pautado, quase como em Vaugirard, entre o
trabalho e os exercícios de piedade, que faz muito fielmente. À noite, faço-lhe
um pouco de instrução, espero que se manterá bem. Quis, por esses detalhes
bem minuciosos, tranqüilizar sua preocupação, que sei cheia de ternura
cristã por mim; diga-os aos afeiçoados irmãos que o cercam e que são mil vezes
bondosos demais para minha indignidade; os pago amando-os e rezando
ardentemente por eles. Digne-se o Senhor abençoá-los e ajudá-los em seus
trabalhos. Abrace-os por mim: meu bom padre Hello, meu filho Manrice [Maignen],
meu corpulento Émile [Beauvais] e meu pequeno Jean-Marie [Tourniquet].
Adeus ainda, caro bom amigo; acredite no profundo devotamento em J. e M. de seu
afeiçoado amigo e Pai
Le Prevost
Vou escrever ao nosso bom padre Beaussier; espero que ele vá melhor. Conto
muito com seus cuidados para amparar espiritualmente nossa cara família.
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