Empenho
do Sr. Le Prevost pela vocação do Sr. de Lauriston. A vida comum desenvolve as
aptidões de cada um. “A primeira obra e a tarefa essencial entre nós é amar a
Deus e glorificá-lo em seu interior”. Sem cessar, doar-se novamente, doar-se
mais plenamente, sem nunca recobrar o dom de si, tal é a alegria do dom total.
Cannes, 12
de novembro de 1856
Caríssimo Senhor e irmão em N.S.,
Sua boa epístola me veio encontrar no Sul, para onde me mandaram pela segunda
e, espero, última vez. Lamentava não ter tido há muito tempo já, diretamente,
notícias suas; mas sabia, por nossos irmãos de Arras, que você ia bem e que seu
coração estava sempre em união conosco. Estava, portanto, em paz e esperava a
hora do Senhor, bem assegurado de que não poderia demorar muito para chegar.
Com uma alegria muito grande, caro Senhor, li os pormenores tão tocantes
que me dá sobre seus movimentos interiores e sobre a ação, tão visível em
você, da graça e das misericordiosas bondades do Senhor. Ele o tinha atraído a
Si desde sua tenra idade, mas, por razões que sua sabedoria divina conhece, Ele
limitara-se então a chamá-lo e a marcá-lo com o selo de sua eleição,
reservando-se para retomá-lo mais tarde para o seu serviço. Estava nos seus
desígnios, talvez, que a experiência dos homens e das coisas amadurecesse suas
faculdades, firmasse sua vontade. Ele queria também, sem dúvida, por uma longa
espera, fazer-lhe melhor apreciar o imenso favor da vocação religiosa. Você
terá correspondido, tenho convicção disso, aos seus desígnios.
Hoje, com efeito, bem assegurado da vaidade das coisas do mundo, bem certo de
que a paz e o descanso de nosso coração estão em Deus unicamente, é numa
escolha plena e sem hesitar que você abraça a melhor parte, não querendo mais
outro bem nem outra herança. Digo “sem hesitar”, pois não me preocupo com
esses poucos momentos de volta da fraqueza humana que, só vendo sua impotência,
entra em dúvida e sente a água ceder sob seus pés. É Deus ainda que permite
esta pequena provação, mas para estender-lhe amorosamente sua mão, dizendo:
Homem de pouca fé, por que duvidou?254 Oh! Sim, caro Senhor, você está
presentemente num momento muito precioso, pois a graça o conduz, o apelo
interior o impulsiona, e a palavra do Esposo bem-amado o encoraja e o atrai: Audi,
filia, et vide et inclina aurem tuam, et obliviscere populum tuum et
domum patris tui; et concupiscet Rex decorum tuum, quoniam ipse est Dominus
Deus tuus255. Que terno apelo e como é suave ouvi-lo no fundo do
seu coração! Como, logo, você dirá a este bom Mestre, caro Senhor: “Como foi
muito tarde, ó meu Deus, que eu Vos conheci; como foi muito tarde que Vos amei
e me dei a Vós!”256
Por isso, acho que você não deverá temporizar por sua culpa. Quando seu bom e
sábio diretor, iluminado pelo bom Deus, tiver dado o consentimento definitivo,
que sua resposta tão benevolente nos faz pressentir, você deverá, parece-me,
pôr corajosamente a mão à obra e tudo preparar para cumprir os desígnios de
Deus a seu respeito. Não assinalo o que me diz sobre esse medo, que a natureza
lhe sugere às vezes, de não convir às obras, ou de não perseverar na sua
vocação. Você convirá às obras num ambiente todo favorável para sustentá-lo e
fortalecer todas as suas faculdades, já que você já convinha a elas, apesar de
seu isolamento e das condições desvantajosas em que se acha. Aliás, de modo
geral, é bem aceito em comunidade todo homem simples e de reta vontade, que se
dá francamente e do fundo do coração; e, com vinte vezes menos faculdades e
talentos do que esses que você recebeu de Deus, tira-se ainda grande proveito
dessa pessoa, porque a vida comum, colocando cada um em pleno desenvolvimento
de todos os seus meios, duplica, ou melhor, centuplica sua potência de ação.
Enfim, a primeira obra e a essencial tarefa entre nós é amar a Deus e
glorificá-Lo em seu interior. Você não estará, neste aspecto, desprovido de
recursos, pois tem um coração amoroso, inclinado à piedade e que se compraz em
todos os exercícios da religião. E isso é resposta também a seus medos, quanto
à sua perseverança. Para dizer a verdade, abraçando definitivamente o serviço
de Deus, você apenas fará o que já vem fazendo hoje, não mudará sua condição,
apenas a simplificará e a tornará mais regular, desembaraçando-a de todo
obstáculo; você a tornará mais santa, acrescentando-lhe o mérito da oferta
absoluta e da consagração de todo seu ser a Deus.
Não é um grande atrativo, com efeito, para uma alma generosa e terna, doar-se
sem medida? E a quem entregar-se assim todo inteiro, senão Àquele que é todo
amor, toda bondade, toda santidade, toda perfeição? É uma coisa tão agradável
perder-se assim no amor infinito que, depois de se ter dado, se quer doar-se de
novo, sem nunca recobrar o dom de si, mas doando-se mais plenamente. É para
satisfazer essa necessidade que, todos os anos, na festa da Apresentação,
fazemos a renovação de nossos votos, revigorando-nos assim na felicidade de
nossa primeira consagração.
Não tome, caríssimo Senhor, todo o conteúdo desta carta como uma exortação ou
uma incitação de que eu acharia que você poderia precisar; é uma simples efusão
de minhas convicções e meus sentimentos a seu respeito, é uma segurança que lhe
dou porque eu mesmo a hauri ao conversar com você, ao estudar os caminhos do
Senhor para você. É enfim um grito do meu coração que diz: Felizes os que Deus
chama; já que ouve sua voz, não hesite a responder: eis-me aqui.
Tinha esperado que minha saída para o Sul não acontecesse, ou pelo menos fosse
adiada o bastante, para que estivesse em Vaugirard, para recebê-lo na sua
chegada, mas será sem dúvida diferentemente. Nossos irmãos o acolherão no meu
lugar e, mais tarde, será você mesmo que me receberá na minha volta. Até lá,
mantenhamo-nos bem unidos no Coração do divino Senhor; é um meio suave de
consolar-se da separação exterior e de aguardar em paz o momento em que se
poderá reencontrar-se, trabalhar e rezar juntos.
Adeus, caríssimo Senhor e irmão em N.S.; nossos irmãos rezam por você
fielmente em Vaugirard, o padre Louis257, em particular, se empenha
nisso. O encarreguei disso, você pode contar com sua exatidão, e nós aqui, em
nosso exílio, pensamos constantemente em você. Assegure
nosso caro Sr. Halluin e todos os nossos irmãos de minha terna afeição.
Abraço-o com eles bem cordialmente.
Seu amigo e irmão em Jesus e Maria
Le Prevost
P.S. Você terá sido informado da morte da santa mãe de nosso bom padre
Taillandier; recomendo-a às suas orações.
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