Felicidade
da vocação. O sacrifício consentido recairá em bênção sobre sua família que o
deu a Deus. Saber desapegar-se de suas obras e sobretudo de si mesmo. Notícias
da comunidade. Ordenação do padre Faÿ que será “um verdadeiro servo dos
pobres”.
Cannes, 20
de dezembro de 1856
Caríssimo Senhor e excelente amigo,
Sua cara carta do dia 12 deste mês me trouxe, como todas aquelas que recebi de
você, um sentimento de alegria e uma impressão toda edificante. Deus é
admirável em seus caminhos! Era uma penosa provação para você informar sua
família de suas resoluções para o futuro e eis que a Providência, vindo a seu
socorro, lhe fez, de um só impulso, dar esse passo difícil. Bendigamo-la
juntos, pelo socorro tão manifesto que dignou-se prestar-lhe; agradeçamos-lhe
também pelas admiráveis disposições que inspira à sua família. É para mim,
asseguro-lhe, uma contemplação toda consoladora a das preparações e medidas que
o Senhor digna-se usar em sua vocação. Vejo nisso um sinal de suas
complacências adoráveis, tanto para você como para nossa pequena família;
confundo-me em gratidão diante de tanta condescendência e bondade.
Estou muito comovido também pela submissão tão cristã de todos os seus, é um
exemplo de fé e de sacrifício cristão como o mundo raramente demais dá hoje!
Não lastime demais esse bons pais, caríssimo Senhor, fazem uma nobre ação, Deus
saberá recompensá-los por isso; você faz também, em relação a eles, um corajoso
sacrifício, que se tornará para eles fonte de felicidade e bênção. É preciso
elevar-nos até o ponto de vista da fé, quando queremos levar a sério a vida
cristã, e achamos então, com a firmeza para agir, as santas esperanças
que nos dão as promessas do Salvador. Ele prometeu o cêntuplo, já neste mundo
mesmo, àqueles que, por Ele, sacrificassem suas mais caras afeições; e o que
pode ser aqui este cêntuplo, senão a plenitude das bênçãos sobre a família,
objeto de seus ternos lamentos! Ofereça em sua intenção os sofrimentos de seu
coração, as sensibilidades que produz sempre a resistência da natureza, e esteja
certo de que terá feito mil vezes mais por ela do que por todas as suavidades e
consolações exteriores que poderia ter-lhe dado sua presença habitual. Na ordem
em que nos coloca nossa vocação, não podemos mais ver as coisas como são
encaradas no mundo. Nós as tomamos tais como as tomou o próprio Salvador, tais
como Ele as precisou para os seus numa absoluta e perfeita caridade; nesse
espírito, caríssimo Senhor, seu sacrifício foi glorioso para Deus, será
meritório para você e salutar para os seus; que podíamos desejar a mais?
Fica agora o segundo passo a dar: desapegar-se do lugar onde você está,
desprender-se dos cuidados, seguramente respeitáveis, que lhe confiou a
caridade. Penso, como você, que um adiamento limitado pode ser necessário, para
deferir aos votos do santo e eminente Prelado que conduz a diocese. Mas não
hesito em dizer que ele seria bem deplorável para você se fosse criar-lhe novos
obstáculos e comprometer por isso mesmo sua vocação. Caro Senhor, conjure,
portanto, o venerável Bispo para considerar que o Senhor, após tê-lo chamado em
sua tenra idade, ainda o está chamando misericordiosamente na última hora do
dia, que os atrasos pareceriam inoportunos e que sua diligência generosa há de
responder à voz que o convoca. Se se tratasse unicamente de cooperar em obras,
você já estaria em Arras na sua vocação, mas há, antes de tudo, a imolação de
você mesmo e a consagração de tudo o que você é no estado religioso. Pensemos,
caríssimo Senhor, que este primeiro ponto é muito mais importante, o mais
essencial, e que, se não preceder nossa ação exterior, só teremos uma força
restrita. Peço-lhe, portanto, caro Senhor, com a mais viva instância, para
limitar sua estada em Arras o tão estritamente quanto puder, e sobretudo
para não tomar nas obras nenhum papel ativo, do qual teria dificuldade para
desfazer-se, no momento de sua saída. Estou bem assegurado de que tal será
também o pensamento de seu santo diretor que tão bem apreciou os indícios e a
importância de sua vocação.
Essas reflexões não me são inspiradas, acredite bem, caro Senhor, por nenhuma
desconfiança de sua boa vontade e de sua corajosa resolução; sei que seu
sacrifício está feito e que você consumou-lhe a mais rude parte, avisando
claramente de seus projetos sua família, mas a experiência me ensinou a
conhecer as proezas maravilhosas do tentador; atrasar é um pouco seu fraco;
isso não passa de um fio, mas enrolando e enrolando-o bem ao redor de você, ele
poderia pegá-lo por ali; desconfiemos dele.
Tudo vai bem em Vaugirard e nos outros pontos em que o Senhor colocou
nossa pequena família; até agora só tenho notícias satisfatórias. Recomendo
muito às suas orações e às de nossos irmãos de Arras o Sr. padre Faÿ, jovem
eclesiástico piedoso e dedicado que deve ser ordenado na véspera do Natal, e
que virá logo depois juntar-se a nós, com o consentimento de Monsenhor o
Arcebispo. Acho que será um verdadeiro servo dos pobres. Preferiu esse título a
empregos mais sedutores que já lhe estavam sendo oferecidos de diversos lados;
espero que, cada vez mais, se convencerá de que a melhor parte lhe foi
dada.
Adeus, caríssimo amigo, ouso quase dizer, caríssimo filho em Nosso Senhor, de
tanto me sentir animado por você de terna atenção e de cordial devotamento.
Fique sempre bem perto de nossos irmãos de Arras, será de antemão colocar-se na
família e constituir conosco essa santa comunhão, que o Senhor quer formar no
meio de nós. O jovem irmão Vasseur e eu o acompanhamos aqui, pelo pensamento, e
vivemos no meio de vocês. Assegure nossos irmãos de nossas boas lembranças e
acredite, você mesmo, caro bom amigo, em toda a minha terna afeição em Jesus e
Maria.
Le Prevost
P.S. Minha saúde, de que você quer alguma menção, restabeleceu-se um pouco do
choque da aclimatação; estou sofrendo menos, há 15 dias.
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