A saúde
do Sr. Le Prevost. Última bênção de Dom Sibour à Comunidade. Sempre o negócio
da capela de Nazareth; redação de uma nota para o Arcebispado de Paris.
Agradecimentos pelo envio de livros.
Cannes 16
de janeiro de 1857
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Recomeço a fazer o sinal da cruz com minha mão, o abcesso do pulso quase
desapareceu e a irritação dos nervos do braço diminuiu também muito. Escrevo
sem dificuldade, pude desde então preparar sua pequena nota para a capela e,
embora pareça agora quase inútil, mando-a para que você faça com ela o que
precisar. Seria necessário copiá-la e colocar minha assinatura, que o Sr.
Maignen saberá calcar, se você julgar que se deva juntá-la à nota com uma data
qualquer.
Quereria muito escrever um pouco demoradamente aos nossos bem-amados irmãos de
Nazareth; vou me dar, espero, esta satisfação, mas neste momento a interrupção
que meu mal de mão colocou em minhas correspondências me causou um acúmulo, de
que não sei como sair. Não escrevo muito, aliás, cada dia, um mal-estar, uma
visita, um nada me absorvem os poucos instantes em que meu pobre espírito tenha
um pouco de liberdade. Estou longe de ser forte, meu inverno se passa tão
penosamente como o do ano passado. O médico que tive de mandar vir estes dias,
por causa de meu mal de braço, auscultou meu peito e não me pareceu muito
satisfeito. Eu acharia, com efeito, que o sofrimento contínuo que me dava e me
dá ainda o ar demasiadamente vivo e excitante desta região aumentou a obstrução
do pulmão. Essa afecção havia diminuído neste verão, e sobretudo pelo fim de
minha estada em Vaugirard, mas retomou toda a sua intensidade e mais ainda sem
dúvida desde minha estada aqui. Com órgãos tão fracos e tão alterados, o menor
acidente bastaria para acabar comigo, mas vou indo sem me preocupar, sendo que
me entreguei de corpo e alma nas mãos do Pai terno e misericordioso, ao qual
tenho a felicidade de pertencer; espero que Ele fará de mim o que for o melhor
para sua glória e para minha salvação.
Acabo de receber uma boa carta do Sr. de Kergorlay que, entre outras coisas, me
diz que viu nosso santo Arcebispo alguns dias antes de sua morte274 e
que recebeu para nós, irmãos de São Vicente de Paulo, palavras repletas de
benevolência e uma bênção toda especial. Não é uma doce consolação, e não
parece que o divino Mestre, que ia chamá-lo de volta a Si, havia posto nas suas
últimas inspirações a de encorajar nossa pequena família e de aumentar sua
esperança e sua confiança no futuro. Estejamos portanto bem tranqüilos,
caríssimos amigos, nossos trabalhos, nossas provações são a obra de Deus em
nós, não nos atormentemos com isso, não impeçamos a ação divina, ela molda
assim nossas almas e, espero também, o edifício de misericórdia e de salvação
que ela prepara em nossa pequena família. Com essa confiança, caros amigos,
suportarão corajosamente o excesso de dificuldades e de penas que os rigores do
inverno acrescentam a seus trabalhos, atravessarão com paciência estes dias
duros e sombrios, e depois a primavera voltará, respiraremos um pouco, o sol
nos alegrará e, espero também, caros amigos, a doce alegria de nos rever fará
desabrochar nossos corações. Recomendo a você em particular, caríssimo irmão
Paillé, sacudir seus humores negros, ter um rosto agradável, muita afabilidade
e todas essas suavidades que você tinha colocado em suas resoluções nessa
memorável conferência, que veio um pouco depois da do burro e do boi alojados
em seu coração. Não se esqueça de que havia ali também um cordeiro; é um amável
animal, procure assemelhar-se a ele.
Negligenciei muito meus pobres filhos Emile e Jean-Marie, mas vou escrever-lhes
em alguns bons momentos que o bom Deus me der; que saibam perfeitamente,
enquanto isso, que os acompanho com os olhos, que sei tudo o que dizem e fazem,
porque meu coração está com eles, que o coração vê de longe, quando ama muito e
que o meu lhes é ternamente apegado. Vocês estão vendo bem, caros filhos, que o
bom Deus está conosco, já que sua caridade nos une tão afetuosamente e, se Ele
está conosco, que podemos temer? Vamos, portanto, para frente, apesar do frio,
da neblina e da lama; viva o Senhor, que o frio e o calor o bendigam, e que nossos
corações sejam sempre para Ele, aconteça o que acontecer, confiantes,
agradecidos e cheios de amor.
Agradeço-lhe, meu irmão Paillé, por seu bom pensamento de me mandar a vie de
querida soeur Rosalie275 (acabo de recebê-lo; o outro livro Rio
poderá, se for o caso, ser mandado com o vinho). Gostaria muito que você me
mandasse os Quatre martyrs do Sr. Rio276, em Bray, edição a 2f preço forte, mas desejaria
antes saber um pouco, por alguém que o tivesse lido, o que é esse livro e quem
são esses quatro mártires. Estimo o talento e o bom espírito do Sr. Rio, mas é
sempre bom receber um pouco de informação. Acho, aliás, que é somente um livro
de diversão. O pequeno livro, La présence de Dieu de Gonnelieu, é uma
pérola. Faço dele meu alimento, agradeço a Deus por me tê-lo enviado. Vou
pedir-lhe um pouco de vinho em breve, sem dúvida, tanto de Vaugirard como
daquele do Sr. Dupuis. Em tudo, umas vinte garrafas, aguardo ainda um pouco
para bem precisar. O vinho a 1f
me convém tanto como o a 2f, será uma economia. Ainda não preciso de dinheiro;
espero, se não houver acidentes, precisar dele somente para nossa volta.
Vivemos tão economicamente quanto possível, mas os estrangeiros sempre são
explorados um pouco.
Adeus, meu excelente amigo, esforce-se para que a pequena casa de Nazareth seja
amável e tenha bom odor, que faça amar os irmãos de São Vicente de Paulo, e,
para tanto, o meio é bem simples, faça reinar ali o espírito do divino Menino
Jesus, a doce e misericordiosa bondade de Maria, a paciência e a humilde
benevolência de nosso Pai São José, a generosa caridade, a confiante esperança
de nosso Pai São Vicente, e tudo será dito; não precisa de mais nada, somente
isso, Deus e os homens ficarão contentes. Abraço-os afetuosamente assim como
seus quatro irmãos.
Seu amigo e Pai em Jesus e Maria
Le Prevost
P.S. Agradeça por mim nosso bom confrade, o Sr. Leblanc, por sua excelente
carta; vou escrever-lhe logo que puder. Agradeça também aos nossos bons idosos
de Nazareth; farei também uma pequena carta para eles. Peço um pouco de
indulgência por minhas lentidões involuntárias.
Nota concernente à destinação da Capela de Nazareth
ao
estabelecimento provisório da paróquia de N.D. des Champs.
Uma nova paróquia tendo sido erigida por decisão recente de Monsenhor o
Arcebispo de Paris para o bairro N.D. des Champs, o Sr. padre Duchesne,
Pároco dessa circunscrição, deitou os olhos, para estabelecer provisoriamente
sua igreja, na pequena capela de Nazareth, servida pela Comunidade dos Irmãos
de São Vicente de Paulo, e pediu que lhe fosse cedida em aluguel por um ou dois
anos.
Essa capela está a serviço, hoje, de diversas obras caritativas fundadas pelas
quatro Conferências de Saint Germain des Prés, de Saint Sulpice, dos Carmelitas
e de Stanislas, para o interesse espiritual e temporal dos pobres do bairro
Saint Germain. Essas obras são notadamente: um patronato de 200 aprendizes, um
outro de 100 jovens operários, uma Santa Família, um asilo para 50 idosos,
enfim, todo o movimento dos pobres e dos operários atraídos por um forno
econômico, uma biblioteca popular etc... A capela serve de centro a todo esse
conjunto de meios, que tendem a trazer as almas de volta à fé e que supõem por
isso mesmo um lugar santo onde se possa reuni-los, um local favorável, onde o
ministro do Senhor possa atraí-los e aproximá-los de Deus. Sem esse precioso
recurso, todos os demais seriam quase vãos, perderiam seu valor e não
atingiriam mais sua finalidade. Nas ocasiões em que as obras facilitam e
preparam, as crianças, seus pais, os membros das Conferências se reúnem para
piedosas solenidades, cujo efeito é reconciliar com as práticas religiosas
numerosos pobres que delas estavam afastados há muito tempo. Assim é que,
ultimamente, na festa do Natal, mais de 300 comunhões foram feitas na missa do
galo, na capela de Nazareth, pelas crianças aprendizes, pelos jovens operários
e seus pais. Poder-se-ia quase assegurar que uns trinta apenas se teriam
lembrado das solenidades do Natal, se as obras não os tivessem atraído e aos
poucos preparado para delas recolher os frutos. Esse fato, escolhido entre
muitos outros que se repetem constantemente em Nazareth, basta para mostrar de
que interesse é para a obra não estar privada de uma capela bastante vasta,
acessível e cômoda, que responda às exigência de sua ação.
No entanto, há de se notar que todo meio falta para suprir convenientemente a
que está sendo usada, presentemente, para essa finalidade e que se trataria de
usar para uma outra destinação. Supondo, com efeito, que com tabiques móveis ou
de outra forma, se pudesse estabelecer um altar na única sala reservada aos
exercícios do Patronato, esse local restrito demais, inacessível por fora,
estaria longe de satisfazer aos hábitos277 e às necessidades das obras.
Tornaria impossível essa ação simultânea, que elas tendem a exercer sobre as
crianças e sobre seus pais, para orientar para o bem suas influências
recíprocas. Nem seria muito um local de edificação para as crianças e os jovens
operários. Seria mesmo conveniente, com efeito, celebrar os Santos Mistérios no
local que serve todo dia a todos os jogos e recreios dos aprendizes? Seria um
meio de inspirar o respeito para as coisas sagradas a assembléias de crianças
ou de jovens, que mal mantemos atentos e respeitosos no próprio lugar
santo? Enfim, na impossibilidade em que estaríamos de deixar a Santa Reserva em
tais condições, não se privaria a Comunidade dos irmãos desse precioso
privilégio, único alívio de seus trabalhos, indispensável bem de sua vida
comum, como o é realmente para toda família religiosa?
Essas razões, que poderiam ser apoiadas por várias outras, parecem bem dignas
de atenção, se considera-se que, ao mesmo tempo, a medida em questão mutilaria
e anularia quase a obra de Nazareth, fruto de muitos anos de penas e de
sacrifícios, que prejudicaria a própria paróquia, tão fortemente interessada em
cercar-se de obras que preparam e segundam sua ação; enfim, que não lhe
asseguraria, afinal, senão um edifício insuficiente, mal situado, sem
dependências e necessariamente incomodado pelas vizinhanças barulhentas de
assembléias de crianças e de jovens operários.
Uma outra consideração, embora secundária por natureza, reveste-se, pelas
circunstâncias, de uma força que ousaríamos chamar de peremptória e decisiva. A
compra do terreno onde está assentada a obra, o acabamento de sua capela, a
construção de edifícios consideráveis, enfim despesas diversas de instalação
arrastaram a obra para despesas que ultrapassaram toda previsão e que não sobem
a menos de 220.000f. Dessa importância, 100.000f ficam para pagar
e 41.000f
são exigíveis pelos empreiteiros para o dia 1o de julho próximo. Com
todos os seus recursos próprios esgotados, a obra tem doravante recursos e
fundos somente na caridade das almas bondosas e no zelo de uma Comissão
administrativa, cujos membros dedicam-se ao acabamento do empreendimento. Ora,
de perto e de longe, um grito unânime de todos os amigos da obra avisa que
retirar-lhe sua capela é despojá-la de sua coroa, é tirar-lhe seu principal
atrativo para excitar a caridade, é criar-lhe, em uma palavra, uma dificuldade
que não poderá superar. Todos os membros da Comissão, sem exceção, partilhando
esse sentimento, declararam que não estavam vendo nessa hipótese
possibilidade nenhuma de cumprir sua tarefa e que comprometer a obra até esse
ponto era preparar um desses tristes fracassos tão lamentáveis nas obras do
serviço de Deus.
Ousa-se esperar que a autoridade diocesana dignar-se-á levar em conta
essas observações, que não vai querer conseguir, com tais riscos, um convênio
bem contestável para a paróquia, e que, continuando em favor da obra de Nazareth
a benevolência tão preciosa que lhe testemunhou até agora, não exigirá
dos que a sustentam um sacrifício equivalente para eles à sua ruína278.
|