A Provença
é esplêndida, mas “a fumaça da pátria é mais linda do que o fogo da terra de
exílio”. O Reino de Deus está dentro de nós. A vida religiosa é um tesouro que
é preciso proteger, estando fiéis e aplicados aos exercícios de oração, esses
apoios da graça. O Sr. Le Prevost alegra-se por reencontrar seus irmãos e a
vida de comunidade. Ser feliz no serviço do Senhor.
Grasse, 19
de março [1857] festa de São José
Caríssimos filhos em N.S.,
Hoje, é a festa de nosso bem-amado Pai São José. Para regozijar-me como convém
numa tão amável solenidade, antecipo pelo pensamento o momento, agora bastante
próximo, em que retomarei a estrada para Vaugirard, e transporto-me ao meio de
vocês, para passar, em doce intimidade de família, alguns instantes, pelo
menos, deste lindo dia. Tenho, deveras, algum mérito em deixar a região onde
estou para nosso querido Vaugirard, pois, enquanto vocês, sem dúvida, ainda
estão com frio, aguaceiros, céu severo, árvores tristes e desnudadas, aqui já
temos verdes nascentes, amendoeiras e muitas outras árvores com flores,
jacintos azuis e violetas aos milhares, anêmonas e narcisos dos campos, que
dariam inveja às suas mais lindas flores dos jardins. Mas nada é lindo como o
país em que se tem suas afeições, e a fumaça da pátria é mais linda que o fogo
da terra de exílio. Não terei saudade nenhuma por todas essas riquezas naturais
da Provença; suas montanhas e seus vales, suas oliveiras, símbolo de paz e de
perpétua abundância, suas laranjeiras sempre em flores, sempre com frutas, nada
vai me reter. Nossa querida capela, nossa pequena sala de comunidade, o terreno
de Nossa Senhora da Salete, existe no mundo algo comparável a isso? Se alguma
vez, caros filhos, alguém de vocês, num dia ruim, encontrando-se triste,
cansado, com desgosto, viesse a suspirar por essas maravilhas do mundo que
estão fora da clausura de nossa cara comunidade e a gemer um pouco, por só ter
como quinhão a oração, a dedicação, a pobreza, a paz da consciência, com
uma morada bem humilde, uma família sem brilho, uma vida calma, sem agitações
comovedoras, se alguém de vocês, em uma palavra, tivesse saudades da tenda dos
pecadores e desconhecesse os encantos da casa de Deus, desejo-lhe, para sua
cura, apenas a pequena e simples prova dos dois invernos que acabo de passar,
nos Pireneus tão famosos, em Hyères perto dessas ilhas encantadoras que chamam
de ilhas de ouro, enfim em Cannes, bem perto da Itália, sob o lindo céu e nas
mais ricas regiões da Provença. Ele entenderia, de uma vez para sempre, que
tudo o que é exterior não é nada e não tem possibilidade alguma de nos
satisfazer; o reino de Deus, quer dizer a única e verdadeira felicidade, está
dentro de nós, em nossa disposição interior. Correr, mudar as circunstâncias e
os lugares não dá nem a paz, nem a alegria do coração. É preciso encontrá-la
onde ela está única e verdadeiramente: na união de todas as nossas faculdades
de coração e de espírito com Deus e com os desígnios de sua adorável sabedoria,
na felicidade de servi-lo, na alegria de fazê-lo conhecer e amar, na esperança
de possui-lo plenamente e sem fim. Esses bens preciosos, essas vantagens
inestimáveis, vocês os possuem como seu quinhão, caros amigos. Ah! Guardem-nos
bem, segurem fortemente seu caro tesouro, para que ninguém os prive dele
e o roube de vocês.
É bem ousado para mim falar-lhes assim, no momento em que, curvando-se sob os
cargos, em número mal suficiente para desempenhá-los, apenas escapando aos
rigores de um inverno duro e desgastante, vocês sentiram quase unicamente os
cansaços do caminho e talvez a ferida doída de seus espinhos. Mas essas
provações purificadoras e fortificantes, que os deixarão, afinal, mais
dedicados e mais firmes, não tiram nada da verdade de minhas palavras, e, se as
expressei mal, se não soube dizer bem o que era preciso para convencê-los, o
próprio Deus, em ocasião próxima, penetrando até ao seu coração, colocará nele
alguma dessas alegrias puras, santas, inefáveis, que fazem tudo esquecer, os
trabalhos e as penas, como as ilusões vãs, as glórias e as felicidades da
terra.
Espero, caríssimos amigos, que a festa de nosso Pai São José, a da
Anunciação, as piedosas solenidades da Semana Santa, ou mesmo seus mais simples
e mais ordinários exercícios, possam servir de caminho para aproximarem assim,
bem intimamente, seus corações do Coração de nosso Deus. Para preparar e
aproveitar ao máximo essas doces e preciosas comunicações, tenhamos grande
cuidado, caros amigos, vocês ali e nós aqui, para redobrar de atenção e de
cordial empenho em nossos exercícios, de fidelidade a nossos trabalhos, para
elevar nossa visão das coisas e purificar nossas intenções. Então, com toda a
certeza, as santas solenidades da Páscoa passarão sobre nós como um sopro
vivificante de rejuvenescimento e de força nova, que alegrará nossas almas e
sacudirá para bem longe todo vestígio de desgosto, de penas e de aborrecimento.
É com justo motivo que estou falando aqui em meu nome como
no seu, pois aprouve a Deus associar-me durante toda essa dura estação a seus
trabalhos e a suas provações pelas incessantes misérias que sofreu minha saúde.
Bendigo-o por isso, do mais fundo de meu coração. Teria sido para mim bem mais
penoso ainda estar disposto e gozando de uma espécie de passatempo, enquanto
vocês estavam tão pesadamente carregados. Sofrendo aqui, eu podia pensar que
aliviava seu fardo, e isso era para mim doce consolação. Agora, caríssimos
filhos, parece-me que o bom Mestre vai dar a seus servos um pouco de liberdade
e de paz. A primavera está chegando, vamos reunir-nos, nosso retiro está
chegando, o mês de Maria o seguirá, alguns irmãos novos virão, talvez, nos dar
sua ajuda, tudo parece, portanto, preparar-nos alguns dias de calma e de paz
íntima sob o olhar do Senhor. Aproveitaremos para retomar fôlego e dispor-nos
para novos trabalhos, pois sempre será assim, nossos dias estarão misturados de
sombra e de sol, até esse dia eterno, que não mais terá tristezas, trabalhos
nem noite. Para essa breve passagem, mantenhamo-nos bem unidos, a caridade
tornar-nos-á firmes e aliviará nossas provações. Colhamos, sobretudo, nossa
força em Deus pela fé, pela confiança em seu amor, pelos apoios de sua graça na
oração, nos Sacramentos e em todos os nossos piedosos exercícios. Então as
coisas que passam contarão bem pouco para nós, pois já teremos algum
pressentimento dos bens preciosos da eternidade.
Adeus, caríssimos amigos; alegro-me pensando que vou em breve aproximar-me de
vocês. Oxalá os encontre em paz e de coração desabrochado, felizes por terem
trabalhado corajosamente no campo do Senhor, e ainda prontos para servi-lo bem;
Ele é o mais doce dos Mestres, Ele é o mais rico, o mais indulgente, o mais
generoso; permaneçamos fiéis a Ele, portanto, e, todos juntos, um dia,
estaremos para sempre unidos na grande, na maravilhosa Comunidade do Céu.
Abraço-os, caros filhos, bem ternamente em Jesus, Maria e José.
Seu amigo e Pai
Le Prevost
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