Levar a
sua cruz nas obras. Notícias dos irmãos. Felicidade e mérito da vocação
religiosa e caridosa.
Vaugirard,
5 de janeiro de 1858
Caro
Senhor padre e filho em N.S.,
Quanto
pesar sinto, por ter deixado tantos dias sem resposta sua boa carta e as de
nossos irmãos de Arras e por não lhes ter agradecido mais depressa por seus
bons votos, por ocasião de São João e do ano novo. São precisamente essas duas
circunstâncias que me atrasaram pelos incômodos de que foram a causa. Sinto
vivamente, em caso semelhante, o quanto necessário é, nas comunidades, a ordem
habitual e regular e como tudo o que a pode perturbar deve ser cuidadosamente
evitado. Mil vezes obrigado, caro Senhor padre e excelente amigo, por todas
suas boas e animadoras palavras, por seus votos para mim, tão pouco merecedor,
por sua afeição para com nossa pequena família de Vaugirard, que o retribui
fielmente àquela que o bom Deus pôs sob sua conduta. Agradeço-Lhe pela cordial
união que Ele estabelece cada vez mais entre nós e pelo laço de pura caridade,
pelo qual Ele nos une entre nós e a Ele mesmo. Digo “de pura caridade”, porque
nenhuma intenção humana nos aproximou uns dos outros e nenhum interesse próprio
nos atrai também para as obras laboriosas e humildes que fazemos para seu
serviço. Sinto bem quais são suas cruzes, caro Senho padre, e compreendo tanto
melhor seu peso, porque provações iguais às suas nos são proporcionadas
diariamente pela mão do divino Senhor. Confesso, porém, que sua tarefa é mais
rude ainda do que a nossa, porque você está menos secundado e que, de todas as
nossas obras, a sua é, talvez, a que exige mais sacrifícios e abnegação. Mas o
bom Deus o sabe bem também. Ele vê seus esforços, suas labutas de cada dia,
tenho a confiança de que, depois de tê-lo deixado assentar essa instituição ao
preço de tantas penas e cansaços, Ele lhe dará os auxílios e alívios que sua sabedoria
e seu amor terão preparado. Vamos sempre para frente, portanto, caro Senhor
padre, em abandono e grande segurança, o Pai que nos ama nos acompanha com o
olhar, levemos nossa cruz para agradar-Lhe. Ele a fará servir a
santificar e abençoar nossos trabalhos. Farei, de meu lado, em toda
circunstância, o que for possível para bem associar nossos esforços aos seus, e
aliviar, para nossa boa união, nossas dificuldades recíprocas.
Recebi
uma carta recente do irmão Carment. Seu pai estava sempre num estado pouco
tranqüilizador. Ele está bem decidido, logo que uma melhora um pouco mais
sensível apresentar-se, a não colocar atraso nenhum para chegar à sua casa. Ele
me parece lamentar sinceramente não dar sua parte costumeira a seus trabalhos.
Espero que sua ausência não se prolongue muito, qualquer que seja o
sentido que irão tomar as coisas.
Penso
com você que o irmão Cousin, um pouco formado, lhe seria de um socorro bastante
bom. Nós o receberemos quando você julgar útil no-lo mandar. Um ou dois meses o
descansariam bastante talvez, mas não sei se seria um tempo suficiente para bem
formá-lo aos exercícios de comunidade, que ele parece entender e apreciar
melhor que os outros.
Vamos
bastante bem aqui, fora a indisposição de três de nossos irmãos. O irmão
Beauvais, de Nazareth, está ausente por causa de alguns embaraços de negócios
na sua família. Recomendo-o às suas orações. Ele está muito triste com os
problemas de seu pai, excelente homem, mas que deixou um pouco seus negócios se
embaraçarem. Nosso caro menino é bem jovem para assisti-lo por seus conselhos,
ele tem necessidade da ajuda do Senhor. É um excelente sujeito e um de nossos
irmãos mais seguros e mais dedicados.
O
irmão Georges [de Lauriston] levou em conta seus avisos e se mexeu um pouco para
resolver seus negócios em
Arras. Ele está sempre bem bom, mas não de uma grande força
física e perturbando-se facilmente na ação. Seu bom espírito e sua piedade o
tornam, no entanto, bem útil em todo lugar em que é colocado.
Quereria
escrever a todos os nossos irmãos de Arras algumas palavras particulares para
cada um, mas isso me levaria longe demais hoje e me obrigaria a atrasar ainda o
envio desta carta. Assegure-os, caro Senhor padre, de que a mais verdadeira, a
mais sincera afeição nos une a eles, que não colocamos diante de Deus e na sua
caridade diferença alguma entre eles e aqueles de nossos irmãos que estão
constantemente sob nossos olhos. Pedimos ardentemente por eles ao Senhor que
entendam sempre, cada vez melhor, quanto ele os privilegiou ao retirá-los dos
perigos do mundo e tomá-los ao seu serviço. Nós os asseguramos de que, à medida
em que forem para frente e crescerem em experiência e em luz, verão cada vez
mais claramente tudo o que há de erros, de mentiras e de misérias na sociedade
tão infelizmente pervertida de que se afastaram. Fazer sua salvação ali é coisa
bem difícil, enquanto, no caminho tranqüilo em que se encontram, sua
santificação está assegurada. Desejamos vivamente a eles também que compreendam
que, sob a cruz e as rudes labutas da vida, há suavidades escondidas e que Deus
as espalha sobre os amigos fiéis que o servem com dedicação e perseverança.
Possam esses favores celestes cair sobre eles em abundância e plenitude, possam
seus corações encontrarem na divina caridade um socorro, uma consolação em suas
penas, uma esperança e um antegozo do Céu. São esses os votos que formo por
você, caro Senhor padre, e por todos eles, espero que nosso Pai Celeste se
digne atendê-los.
Estou
com você, caro Senhor padre, junto ao divino Coração de Jesus e sou nele
Seu
amigo e Pai todo devotado
Le Prevost
P.S.
Em anexo, uma palavrinha para Paul Piard. Esse menino tem necessidade de ser
estimulado espiritualmente de vez em quando. Tem tendência aos escrúpulos; não sei, no
fundo, o que o afasta da comunhão freqüente; tenho receio de que haja algumas
fragilidades que pediriam amparo; penso que é preciso exortá-lo a se confessar
freqüentemente.
Minha
saúde está fraca, mas vou indo até agora sem acidentes.
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