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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 16 - ao Sr. Pavie
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16 - ao Sr. Pavie

Coração compadecido do Sr. Le Prevost. Santuário inviolável da alma,onde só Deus penetra. Exortações à confiança. Reuniões na casa de Montalembert. O encanto que causa  Montalembert em seus convidados. O SrLe Prevost lamenta a ausência de Lacordaire.

 

Paris, 2 de abril de 1833

 

            É bem tarde para lhe escrever, meu caro Victor, e corro grande risco, senão de chegar atrasado, pelo menos de chegar em mau momento, pois vindo a nós você mesmo, seria mais simples aguardar um pouco e não colocar este prólogo às nossas conversas. Escrevo no entanto, e, apesar também da disposição em que me sinto, tudo isso não me parece constituir obstáculo entre nós. Parece-me, aliás, que você não deve ser deixado demasiado tempo a si mesmo e que é bom, de vez em quando, uma voz amiga acordá-lo, trazê-lo de volta a este mundo e fazê-lo crer ainda no futuro. Você está agora mais calmo, meu amigo, vendo as coisas com mais nitidez e firmeza ou abatido, desanimado, com falta de ar? Alternando uma coisa e outra, sem dúvida; mas de tão longe, não posso, senão muito mal, acompanhar essas alternativas. Infelizmente, por viva que seja minha simpatia, por íntima que seja a fusão de nossas almas, sinto aqui minha impotência.    Há coisas que não se podem dizer nem mesmo adivinhar, que só Deus penetra, que talvez o amor também pode explicar ao amor, mas que, fora disso, permanecem mistério impenetrável. É bom sem dúvida que a alma tenha assim asilos invioláveis onde, sozinha com Deus, se abriga contra todo contato, mesmo o mais amigo e o menos irritante. Por isso, não cederei à vontade de seguir sua alma ali dentro, mas irei até o limiar pelo menos, meu amigo, vigiando e orando, até a volta. Queria mais uma vez aqui antes de sua chegada lhe dizer toda minha terna compaixãoquer dizer (voltando ao sentido primitivo da palavra) como minha alma recebe vivamente repercussão de todas as impressões da sua. Como vivo em você, como principalmente nestes últimos tempos sua confiança me havia tocado profundamente. Sim, queria dizê-lo a você, pois, não sei, parece-me às vezes que, aqui, mal ousarei lhe falar, interrogá-lo com tanta efusão. Parece-me que a palavra me virá dificilmente e me

 

parecerá demasiadamente rude para abordar este ponto tão sensível, tão púdico do coração e que você terá quase sempre de adivinhar o que não direi. Mas é a você, meu amigo, que é preciso dar tal advertência? Não é, aliás, que sua situação me pareça unicamente sob o lado doloroso, longe disso; minhas conversas com Cosnier que se apresentou mais confiante ainda do que eu, me confirmaram plenamente em minhas esperanças. Mas não ignoro que essa confiança, você mesmo não a pode ter senão por breves instantes, e que, na maioria das vezes, o medo e o desânimo devem assaltá-lo. Além disso, seu bom pai, tão cheio de ternura também, se identificou tão bem com você que se tornou você mesmo, que ele amou, esperou e tremeu com você. É portanto a alguns passos mais longe que você precisa procurar os prognósticos do futuro, os reflexos menos incertos da realidade. E tudo isto, eu o vejo em minha confiança íntima e como que sobrenatural, na confiança dos seus outros amigos, em mil coisas que escapam à análise, mas que a mim prenunciam de longe o porto para você, como no mar, a terra se revela de longe por não sei qual perfume indizível que grita a todos “terra a vista” muito antes do vigia. Essas, eu sei, não são razões; mas o que há de mais leve, o que há de mais insignificante do que razões: presságios, sonhos, pressentimentos me parecem na verdade, e a você também, acho, mil vezes mais aceitáveis e mais fiéis. Espero portanto e sempre. Se possível, adquira confiança você também, meu amigo.

 

            É verdade que para não misturar às nossas conversas elementos estranhos, tinha descuidado de lhe falar das reuniões Montalembert, em outra época assunto de comunicações tão interessantes para você. Com efeito, essas reuniões de irmãos por vezes sonhadas por você, em  que a unidade de crenças forma também unidade para os corações, ali se realizam. Ali, orgulho, vaidade, timidez irritável e importuna  são colocados de lado. Fala-se, aborda-se um ao outro, ama-se sem saber os nomes daqueles com quem se trocam palavras e sentimentos. Não é que todos, sem exceção, sejam católicos, mas a massa,  o povo, se posso dizer, é essencialmente um, essencialmente católico. Quanto às sumidades, não é absolutamente assim, mas o lugar influencia e torna um pouco mais maleáveis os mais inflexíveis. O próprio Sr. Lerminier ali é um pouco menos seco e temerário que em outro lugar. Sainte-Beuve, Ballanche, o Barão de Eckstein, Mickiewiccz, o Conde Plater, Liszt, de Ortigues, de Coux, d`Ault-Duménil, Ampère31 e muitos outros movimentam em tudo isso mil idéias, colhem mil simpatias e dão vazão e alimento a esta necessidade de admiração e de amor que todos nós temos na alma e que o oprime tanto quando fica inativa32. Mas não teria palavras sobretudo para lhe dizer toda a amabilidade, toda a sedução animadora do próprio Sr. de Montalembert. Ele fala a todos e tão cordialmente que desde o início cada qual sente-se ligado a ele para sempre. Não há canto tão escuro que lhe escape, grupo tão tímido que ele não em um instante animar com sua conversa, atirando nela algumas palavras sobre as quais se conversa a noite inteira. De resto, apagando-se tanto quanto pode, ele quer ser, em casa, o laço de união entre todos e não o chefe. É de uma modéstia cândida, cede sempre na forma, reservando somente o fundo, sacrifica-se, enfim, e mostra-se cristão no seu salão como em qualquer outro lugar, provando a todos que não há realmente amabilidade, graça, bem como virtude, grandeza e força senão nisso. Eu poderia continuar longamente neste tom, mas acho bem melhor deixá-lo julgar por si mesmo. As reuniões durarão ainda toda sua estadia aqui e você virá a elas, ele o conhece e o deseja. Uma noite, não sei como, ele veio me dizer: “Victor Hugo me leu ontem uma carta bem boa que lhe escreve um jovem chamado Pavie, para lhe recomendar um Polonês”. Você me exclamar daqui: “Pavie, Victor Pavie, mas ele é meu amigo, é meu irmão. Ele virá, você o verá”. E Boré, me apoiando, disse que você era um católico ardente, discípulo de Lamennais, não sei mais o quê! Tanto assim que o Sr. de Montalembert o espera quase como nós e, como nós, apertará sua mão. Você poderá também ver em Paris o Sr. Lacordaire, ele deixou a Bretanha. Não vem aos domingos, não sei bem por quê, talvez por escrúpulo de submissão mais absoluta à vontade do Santo Padre. Lamento muito, pois eu teria ficado feliz em vê-lo. Não é preciso dizer que os seus laços com o Sr. de Montalembert não se afrouxaram, que eles se encontram diariamente. Não sei mais nada a respeito. Tudo isso é dito detalhadamente, meu amigo, mas eu o poupo não indo mais longe; você partilhará, acho, minhas simpatias33 por este lar de comunicações, de doce efusão, e terá comigo uma só queixa, é que possamos  antever-lhe a próxima interrupção. O Sr. de Montalembert irá, creio, à Alemanha na próxima estação.

 

            Adeus, até logo! Até o mais breve possível. Gavard convida-o também ardentemente assim como seu bom, três vezes bom pai. Ele parece bem decidido em acompanhá-lo nas suas viagens, e, desta vez, está mais certo de sua resolução.

 

            Como lhe sou grato pelo que você me diz sobre o quarto oferecido em minha casa! Como nos entendemos bem! Como essa palavradedicação”, uma vez bem entendida, revela muitas coisas! Você contribuiu bem, meu amigo, para me fazer descer mais ao fundo no sentido íntimo desta coisa e creio que está aí todo o segredo de minha terna e tão infinita amizade por você.

 

                                   Léon Le Prevost

 





31 Lerminier (1803-1857), publicista popular nos anos 1830-1838.---- dEckstein, (1790-1861), oriundo do Danemark, um dos precursores do catolicismo liberal.---- Adam Mickiewicz (1798-1855), célebre poeta polonês, de origem lituaniana. Chefe da jovem escola romântica polonesa, instalou-se em Paris em 1832, onde publicou Le Livre de la nation et des pèlerins polonais. ---- Conde de Plater, cf. acima, nota 18 ---- Franz Liszt (1811-1886), o célebre pianista húngaro acabava de chegar em Paris para aperfeiçoar sua formação artística e literária. ---- Joseph dOrtigues, nascido em 1802, musicógrafo; juntou-se à equipe do Avenir. ---- Charles de Coux, (1787-1864), economista, discípulo de Lamennais, colabora no Avenir, depois, na Université Catholique, que retomará, com a Revue Européenne, a difusão das idéias de Lamennais. ---- Georges dAult-Duménil, nascido em 1814; antigo oficial, havia participado na conquista da Algéria em 1830, com o marechal de Bourmont. Colaborador do Avenir. ----Jean-Jacques Ampère (1800-1864), filho do célebre físico, era professor de história e de literatura francesa no Collège de France.



32 Encontra-se nas cartas de F. Ozanam uma descrição do salão de Montalembert, que é interessante comparar com a do Sr. LP. (VPL,I, p.34). “Respira-se nessas reuniões um perfume de catolicismo e de fraternidade. O Sr. de Montalembert tem um rosto angélico e uma conversação muito instrutiva. Os pontos de doutrina sobre os quais Roma pediu o silencio não são propostos para exame; a mais sábia discrição reina a esse respeito. Mas fala-se de literatura, de história, dos interesses da classe pobre, do progresso da civilização. Animam-se, aquecem o coração e levam consigo uma doce satisfação, um prazer puro, uma alma dona de si, resoluções e coragem para o futuro.” (A Falconnet, 5 de janeiro de 1833). Ao mesmo, no 18 de março: “falou-se muito da miséria do povo e tiraram-se daí presságios sinistros para o futuro. De resto, fala-se muito pouco de política e muito de ciência.”



33 Num texto de M. de Montront, amigo íntimo do Sr. LP, se adivinha a irradiação que podia ter o Sr. LP em tais reuniões: “Poderiam estranhar o fato de encontrar o Sr. LP no meio desse mundo brilhante, ele tão humilde, tão simples, mas não estava deslocado ali, de maneira nenhuma. Estava à vontade em todo lugar, levando para todo lugar esse tom bondoso, essa benevolência e essa alegria até, que são o apanágio dos espíritos superiores...” (cf VLP,I,p.34).





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