Testemunho de amizade.
Comentário de um sermão de Lacordaire em Saint-Roch.
Comentário sobre diferentes produções literárias.
Terça-feira
28 de maio de 1833
Precisava, meu amigo, deixá-lo respirar um pouco após seu retorno, deixá-lo
digerir em paz Paris
e nós, com demasiada pressa, talvez amontoados durante sua breve estadia aqui.
Precisava enfim, deixar a ausência se definir nitidamente. Portanto, não lhe
escrevi até agora, apesar do desejo de fazê-lo muitas vezes. Dizia a mim mesmo:
ele descansa, ele está dormindo; não o acordemos; mas o olhei dormir bastante
tempo. Ali está você bem restabelecido. Vamos! levante-se e fale comigo.
Diga-me bem sinceramente como você está, se sua vida está de novo organizada
por aí e se recolocou em seu devido lugar todas as suas coordenadas, por um
momento deslocadas. Diga-me em que estado se encontra seu espírito, em que
modo, em que tom. Diga-me, meu amigo, o que lhe disseram na sua volta a
respeito das coisas que o interessam e o que sucedeu depois. Se esgotasse a
série de minhas perguntas, elas iriam longe ainda e o seu final prolongado
ultrapassaria certamente este curto papel. É, você vê, que acostumado como
estava a vê-lo, a ouvi-lo todos os dias, achei depois um grande vazio, um
grande silêncio, e algumas palavras suas, jogadas para encher isso, cairiam no
fundo, bem no fundo de minha alma e fariam nela um bem que não consigo dizer.
Fico envergonhado de voltar a pedir, quando você tem dado tanto aqui, não
reservando nada de si, entregando-se todo inteiro pela dedicação e, a exemplo
do Mestre, dizendo: bebam e comam. Não pode haver nesta aproximação, espero,
nada de ruim. Não considero como divina essa comida, amo-o em Deus; Ele o sabe,
e se, às vezes, certa exaltação demais terrestre inebria minha cabeça, fecho os
olhos e isso passa. Oh! sim, amo você em Deus! Todo sentimento contido, disse
Madame de Staël34, tem pouca energia. Ela não via portanto que o amor
pode comprimir o amor e que então há uma dupla força e dupla energia, de onde
resulta a submissão, para nós a manifestação mais elevada do poder de amar.
Fique, então, tranqüilo, meu amigo, conservarei o fogo, mas rejeitarei a
fumaça. Fico um tanto inquieto, meu amigo, achando que o pensamento que me
domina felizmente hoje e para sempre, espero, possa voltar em minhas cartas
inevitavelmente demais até a monotonia, até a preocupação maníaca. Sem dúvida,
pode-se dizer: onde está o tesouro, aí está o coração, ou, com São Paulo: Nos stulti propter Christum. Si insanimus, Deo
insanimus35.
Sem dúvida não se vê o que cristãos conversando entre si teriam de melhor a
dizer a não ser coisas de Deus ou relacionadas com Deus; mas também, um
sentimento divinamente inspirado pode soar mal, atravessando a palavra humana,
mas a atenção não é sempre piedade, é preciso aguardá-la e não cansá-la. Sinto
isso. Diga-me, então, meu amigo, se você notou em minhas cartas, em minha
conversação ou meus atos, alguma disposição a exagerar em tudo isso. Observo,
por ocasião disso, que você é excessivamente sóbrio para dar conselhos. É
modéstia exagerada. Julga-se mal a si mesmo. Uma advertência, muitas vezes, faz
grande bem e, da minha parte, me aconteceu várias vezes sentir falta da sua. Se
você me ama, ia dizer; eu me corrijo: Se você quiser me agradar, me aconselhará
todas as vezes que for conveniente e mais do que menos.
Alguém lhe disse que o Sr. Lacordaire tinha pregado? Em todo caso, lhe direi
algumas palavras sobre isso. O sermão acontecia às 7 horas da noite em
Saint-Roch, um domingo. A temperatura e o sol eram esplêndidos, quer dizer que
a assembléia adorava a Deus do lado de fora talvez, mas estava pouco numerosa
ao redor da cátedra. Em compensação bem composta, [todos os amigos de
Montalembert], inclusive o século 18 e toda a Polônia refugiada. Mas se uma
intenção por demais mundana havia convocado a maioria, receberam na hora seu
castigo: houve alimentação para os cristãos, mas somente para eles. Toda a
parte humana da coisa: colocação, lógica, eloqüência, tudo isso naufragou; não
sobrou nada ao orador, seja por emoção, seja por má disposição, a não ser o
plano e os conteúdos de seu discurso, com sua encantadora voz tão untuosa e tão
penetrante, mas, mesmo assim, faltando naquele dia de hábil direção,
demasiadamente poupada e mais tarde ameaçando apagar-se completamente. O Sr.
Lacordaire não tinha escrito seu discurso, com razão contava com sua facilidade
para organizar sua matéria e acomodá-la melhor, segundo a inspiração do
auditório. Mas isso falhou para ele, por quê? Não sei, mas em toda a parte o
desenvolvimento faltava, grandes pensamentos eram jogados, grandes conteúdos
eram esboçados, mas o desenvolvimento, mas a ligação, a fusão harmoniosa não
puderam chegar, a inteligência mais fraca supria a isso; teria sido, parece,
obra de servente de pedreiro, no entanto por falta disso, a coisa foi
totalmente falha. Falo aqui humanamente, claro, pois não sei se cristãmente não
se poderia dizer que assim despojada de artifício e quase de invólucro, a
palavra não era ainda mais pura, mais castamente introduzida na alma. É preciso
reconhecê-lo porém: dispensa-se dificilmente a participação exterior e,
incontestavelmente, esse efeito particular só podia ser muito restrito. O Sr.
Lacordaire ficou na hora, não desanimado, a coragem como a esperança lhe vêm do
alto, mas um pouco emocionado. Tinha que ser, e na sua humildade, bem
convencido agora de que é preciso falar à juventude, a nós seus amigos e seus
irmãos, mas não numa cátedra, não a uma assembléia de Igreja. Teria sido
necessário talvez diminuir-lhe o efeito dessa primeira tentativa; ele teria
tentado de novo, e, melhor preparado, teria atingido plenamente seu intento;
mas não pesamos sempre nossas palavras. O Sr. de Montalembert, como cristão,
como amigo, acreditou no seu direito de falar claro e usou largamente dele;
outros ainda sem dúvida e eu mesmo que o vi pouco depois, não insisti bastante
sobre o que havia de grande na coisa como tal. Uma interrupção me impediu aliás
de fazê-lo, uma visita que sobreveio. Lastimei isso muito depois e tanto assim
que lhe escrevi algumas palavras para completar meu pensamento. Ele me deu uma
resposta tão cheia de bondade, de tocante humildade que você ficaria encantado
como eu. O atrativo poderoso que Deus lhe deu pela juventude, a experiência que
tem de seus sentimentos, a sua consciência da necessidade para ela de uma alma
que a compreenda, tudo isso, disse ele, o leva a trabalhar por ela. “Precisa
saber, acrescenta, entender a vontade da Providência que habitualmente só se
manifesta a nós por mil pequenas coisas que agem sobre todos os pontos de nossa
alma e já a fazem decidir antes que tenha refletido. No caso em que me
encontro, a reflexão está de acordo com a atração íntima. De resto, as coisas
se produzem aos poucos, sem barulho, e não me apresso em atuar, sabendo bem que
Deus disporá tudo para o melhor, desde que me abandone à sua vontade”.
Isso não lembra, meu amigo, Fénelon dizendo: deixem-se levar pelo sopro da
graça, não resistam à vontade de Deus, tornem-se como uma boa criancinha, que
se deixa carregar sem mesmo perguntar para onde está sendo levada.
Eis aí muitas citações, meu amigo, demais talvez de uma só vez; por medo de
continuar citando, deixo de lhe falar dos Pèlerins
polonais, que você já leu sem dúvida; ainda está ali um homem segundo
nosso coração. Você acha como eu que o prefácio pelo Sr. de Montalembert não é
de ouro tão puro como a própria obra36? A indignação é legítima, sem
dúvida; mas o ódio em Deus ainda é amor. É que a infelicidade coloca bem perto
de Deus. Pellico37, Mickiewicz encontraram ali revelações tão
luminosas que voltaram dali com uma auréola. Oh! se a eles também como a um
outro poeta se dissesse: amigo, de onde vens etc.? Oh! como seria linda sua
resposta!
O Sr. Gavard lhe escreveu e deseja se encarregar de lhe remeter, com seu
parecer, suas composições. Portanto, não tenho de lhe falar delas, basta um; uma
palavra de explicação somente: você pareceu entender sobre o Organiste38 que não tinha sido levado a sério por mim;
longe disso. Disse que o estilo me parecia por vezes demais familiar. Entendia
que a forma em alguns trechos não estava suficientemente modelada, se posso
dizer. A coisa não estava ali à luz da arte, mas permanecia no mundo onde se
vive, onde se fala, no mundo familiar. A outra composição, embora menos elevada
sem dúvida, sob esse aspecto é mais irrepreensível. Assim é somente que a
entendi, ao dizer que estava mais acabada e podia, de preferência à outra, ser
imediatamente publicada. Essa explicação não tem muita importância. Desejava,
porém, lhe fornecer; se tiver alguma confiança em minha circunspecção e
prudência, você me devolverá o Organiste, após tê-lo retocado um pouco e posso, creio,
responder de colocá-lo de maneira conveniente, assim como o outro, a moça ou lacrymae [as
lágrimas]. Você não esquecerá, meu amigo, que tem um medalhão que me é bem
precioso. Sonhei depois, no entanto, que seu bom pai desejava talvez ficar com
ele. Consulte-o e faça o melhor. De qualquer forma, entre minhas mãos, ele
seria simples depósito revogável à vontade. Já que um só exemplar está
sobrando, ele deve pertencer a todos, e, segundo o momento, passar de um para o
outro. Você julgará, portanto, e, lanço-lhe o desafio de não fazer segundo meu
desejo. Pois, como amigo, claro, a matéria em mim empresta; se não usá-lo, se
não o aproveitar ao máximo, a culpa será sua. Adeus, meu amigo, serei menos tagarela
uma outra vez. Hoje, não podia ser de outra forma. Abrace com ternura para mim
seu pai.
De todo o coração seu.
Léon Le Prevost
Sabe que assunto ocupava nossas últimas cartas: é uma efusão aberta que
não pode estancar. Tenha a certeza de que a todo instante, a toda hora minha
atenção está pronta, que minha simpatia está sempre vigiando. Li a Fée39, em lembrança de você. Eu era digno de lê-la.
Senti isso pelo prazer que me deu. Que Nodier dê um só passo ainda, que rompa
um último laço que o liga aos outros, para se entregar todo a nós e não amarei
ninguém mais do que ele.
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