Questão da
propriedade dos imóveis de Nazareth e de Grenelle.
Vaugirard,
17 de janeiro de 1861
Senhor
Presidente Geral,
Agradeço-lhe
bem cordialmente pelas disposições benevolentes que você me manifesta na carta
que me fez a honra de me escrever no dia 7 deste mês, relativamente às duas
casas de Nazareth e de Notre-Dame de Grâce. Desejo bem ardentemente também, da
minha parte, que esse negócio seja resolvido para a nossa satisfação comum e
não desespero disso, já que, de ambos os lados, só procuramos a glória de Deus
e o bem das almas.
Parece-me,
todavia, Senhor Presidente, que não se chegaria a esse fim por meio da
disposição que você me propõe e que comportaria: 1o concessão por
nós à Sociedade de São Vicente de Paulo do uso livre e gratuito dos dois
imóveis em questão durante 30 anos; 2o o compromisso, por nossa
Comunidade, de concorrer, durante o mesmo período de tempo, às obras que a
Sociedade dirige nessas casas; 3o enfim, a aceitação também por nós
sozinhos de todas as despesas ainda por serem feitas para completar a fundação
dos dois estabelecimentos. Confesso-lhe, Senhor Presidente, que o simples
enunciado dessas condições me parece o bastante para demonstrar como nos seria
impossível subscrever a elas. Como, com efeito, uma Comunidade, fosse ela, se é
possível, mais humilde e menos forte do que a nossa, consentiria alguma vez em
ligar-se, engajando formalmente seus serviços por um prazo tão considerável?
Como renunciaria ela de modo benevolente a todo direito sobre estabelecimentos
que teria fundado? Como enfim, em tais condições, assumiria, para ela sozinha,
cargos enormes que ficariam ainda a prever para sua complementação? Parece-me
que, nessa situação, uma das duas partes, inteiramente sacrificada à outra, se
acharia tão deprimida que não saberia se movimentar e deveria logo deixar o
lugar. Nada, nos fatos concernentes à fundação dos dois estabelecimentos,
comanda tais sacrifícios de nossa parte, e acreditaria, aceitando-os, trair os
interesses de nossa Comunidade. Não prejudicaria menos, a meu ver, os
interesses da Sociedade de São Vicente de Paulo, pois, destruindo a ordem que a
Providência estabeleceu nas obras em questão para substituir-lhe uma combinação
factícia, eu as engajaria num caminho árduo e incerto onde não saberiam
permanecer em paz. Aceito
de todo o coração a situação tal como Deus a fez: a direção pela Sociedade de
São Vicente de Paulo nas obras, embora tenham sido criadas principalmente por
nós, admito nosso concurso dedicado e deferente a essas obras, mas sem
acrescentar o constrangimento que colocaria ali um engajamento em forma. Sempre
desejei, e desejo sinceramente que a Sociedade de São Vicente de Paulo frua
gratuitamente dos dois estabelecimentos em questão, mas parece-me de toda
justiça, já que suas obras os ocupam, que pague os juros das importâncias
continuando devidas ou das que ainda viriam a ser engajadas nelas, enquanto não
tiverem sido pagas pelos dons da caridade. Deveria ser assim também para os
cargos de locação.
Não se
saberia, acho, contestar a eqüidade e a boa vontade dessas disposições. Mas,
como se pode desejar que o estado atual, tão sabiamente ponderado como tudo o
que regra a Providência, não seja desfeito de um lado mais do que do outro,
aceito com uma forma de alegria os obstáculos que Ela mesma colocou para sua
destruição e os precisarei de bom grado, assim como já propus, reconhecendo,
por um título regular, os cargos consideráveis que deveriam pesar sobre nós se
nos separássemos da Sociedade ou se ela se retirasse de nós. Parece-me, Senhor
Presidente, que não foi bastante considerado tudo o que essa confirmação da
situação presente, a qual nos faz viver na ordem, na paz e na caridade, tinha
de prudente e de vantajoso ao mesmo tempo e como seria arriscado mudá-la; ouso
de novo chamar sua atenção sobre esse ponto que creio capital. Para mim, não
acho que se possa, de um modo eqüitativo, pedir nada mais de nós e, para o bem
das obras como das duas Sociedades, sinto-me obrigado a ficar dentro desses
termos.
Não duvido,
Senhor Presidente, que você esteja penetrado como eu desse pensamento que os
laços mais poderosos para nos unir, das duas partes, são e serão sempre os da
afeição, da gratidão e da caridade; os outros seriam sempre insuficientes, com
efeito, se aqueles viessem alguma vez a se romper; parece-me, portanto, que
devemos tomar a peito, tanto agora como em seguida, sua preservação integral, a
fim de permanecermos fortes pela íntima união de nossos corações como de todos
os nossos meios; do meu lado, tomo o compromisso bem sincero disso e espero,
com a ajuda de Deus, não desistir dele.
Continuo
sendo, Senhor Presidente, nesses sentimentos,
Seu
afeiçoado e respeitoso servo e irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. Peço-lhe para desculpar o atraso de minha
resposta; o rigor da estação, nestes dias, tornou-me mais debilitado e me
constrangeu a interromper momentaneamente todo trabalho.
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