Seqüência
da controvérsia sobre a propriedade dos imóveis de Nazareth e de Grenelle.
Vaugirard,
30 de janeiro de 1861
Senhor
Presidente Geral,
Como você, resigno-me com um sentimento penoso
às explicações que exige o caso das duas casas de Nazareth e de Notre-Dame de
Grâce. É bem difícil, com efeito, que, ao se prolongarem, não levem a alguns
choques que podem esfriar a caridade entre nós e pôr embaraço em nossos
relacionamentos. Mas, já que você julga, Senhor Presidente, que é preciso
continuar o exame dessa questão, esforçar-me-ei por trazer somente nisso os
detalhes estritamente necessários e nada dizer que possa prejudicar a união que
temos tanto interesse, de ambas as partes, em poupar.
Não estava acostumado até agora a calcular com
a Sociedade de São Vicente de Paulo: eu lhe era cordialmente demais dedicado
para definir, de costume, bem rigidamente seus interesses e aqueles dos quais
estou mais diretamente encarregado. Todavia, quando nosso amigo, Sr. Decaux, me
falou, há uns dois anos, da casa de Nazareth em particular, respondi que me
parecia justo que ela ficasse sob o nome da Comunidade; desde então, não pensei
mais nisso, mas nada disse nem nada escrevi num sentido contrário, meu
pensamento nunca tendo mudado sob esse aspecto. Quando, em último lugar, na
véspera de minha ordenação, fui avisado, um pouco bruscamente, que tinha que
ocupar-me ainda desse caso e do de Notre-Dame de Grâce, procurei de novo,
diante de Deus, a quem esses dois estabelecimentos haviam sido confiados pelo
mundo caritativo, a quem os operários e os pobres os atribuíam, a quem a
autoridade diocesana havia entendido confiar as capelas em particular, a quem,
enfim, o Sr. Pároco de Grenelle havia querido entregar a fundação que ele
desejava estabelecer em sua paróquia; pareceu-me que era a nós; esses
testemunhos me pareceram de um grande peso, acho que não poderiam ser
recusados.
Você
parece persuadido, Senhor Presidente, de que nossa Comunidade contribuiu
fracamente na fundação da casa de Nazareth notadamente, que ela não pode
reivindicar muito mais do que a iniciativa e o primeiro pensamento desse
estabelecimento, e que, em todo o caso, a Sociedade de São Vicente de Paulo,
levando-lhe seu socorro num momento crítico, o salvou de sua ruína e de uma catástrofe
iminente. Acho que as coisas podem ser encaradas sob um outro aspecto. Se,
desde o início, o empreendimento foi realizável, se ele pôde tornar-se
recomendável por fora, se seu lugar encontrou-se preparado, em uma palavra, ele
o deveu a meus trabalhos, durante 25 anos, e às obras que nossa Comunidade
tinha, quase sozinha, fundado. De outro lado, quando, com a recusa da
Sociedade, entrei pessoalmente em entendimento com o Sr. Hamelin, Pároco da
Abbaye-aux-Bois, para o local dos Capuchinhos, ele me declarou, muito prevenido
contra as associações não paroquiais, que não entendia tratar senão comigo
somente. Foi, portanto, a mim unicamente que cedeu as vantagens que sua posição
lhe permitia fazer nesse ajuste, a saber: para 6.000f a capela começada, a
qual havia custado 34.000f, e o terreno a 22f o metro, embora seu valor fosse então de 45
ou 50f.
Foi também pela intervenção do Sr. Hamelin que obtive, desde então, o apoio dos
Srs. de Kergorlay e de Fontette. Paguei naquele tempo e sucessivamente, com
dons recolhidos por mim, 5.000f
para despesas de aquisição, 15.000f
sobrando devidos ao Sr. Desgenettes para a obra dos Capuchinhos, e para
trabalhos da capela e outros, uns 50.000f; no conjunto, eu tinha reunido,
incluindo nisso alguns empréstimos, uma importância total de 128.000f, sobre os
quais 12 ou 13.000f, acho, haviam sido tomados dos fundos próprios da
Comunidade. Longe de mim o pensamento de diminuir em nada o preço dos bons
ofícios de nosso amigo, Sr. Decaux; o movimento generoso que o levou a vir ao
nosso socorro não se apaga de nossa lembrança, continuamos sendo profundamente
gratos por ele, e os detalhes em que estou constrangido a entrar neste momento
não diminuem de maneira nenhuma o valor de sua nobre ação. Mas não é exato que
o empreendimento iniciado por mim fosse ameaçado então por uma catástrofe nem
iminente nem mesmo provável. A operação se tornava difícil, sem dúvida, para
meus irmãos mais acostumados aos trabalhos de suas obras do que a buscar
recursos, mas estavam eles totalmente desprovidos de meios e inquietados por
necessidades urgentes? O pagamento da aquisição estava garantido, o primeiro
terço dos trabalhos, único exigível nesse momento, estava pago, sobrava alguns
fundos na caixa e algumas obrigações de vencimento próximo; os ajustes feitos
por mim com os empreiteiros estipulavam longos prazos para os pagamentos, meus
amigos não haviam sido solicitados todos e só esperavam uma viva impulsão,
enfim a Providência, e isso será a seus olhos, Senhor Presidente, o melhor
argumento, teria Ela abandonado os que nela se haviam confiado? Na ordem das
coisas positivas, acrescento que o Conselho da Comunidade aceitara comigo a
responsabilidade do empreendimento e que ele podia e teria querido, declaro-o
com ele, prevenir-lhe a ruína; uma catástrofe, portanto, não havia de se temer,
de jeito nenhum, ela nem era, até, possível.
No que diz respeito, de outro lado, a
Notre-Dame de Grâce, você opõe, Senhor Presidente, a minhas disposições
presentes algumas palavras que pareceriam contradizê-las. As coisas mudaram em
lugar de meu pensamento e de minhas disposições. Tratava-se, no início, de estabelecer
no terreno a adquirir com os fundos do Sr. Pároco de Grenelle, uma casa, em
aparência bastante ampla, e cuja despesa devia ser paga pela Sociedade de São
Vicente de Paulo; nessas condições, a dúvida era possível sobre a posição
respectiva. Mas, na realidade, as coisas tomaram outro rumo; os fundos do Sr.
Pároco pagaram uma parte da construção; as importâncias quase inteiras
recolhidas para concorrer às despesas a partir de outras fontes, o foram pelo
Sr. padre Roussel, de sorte que a Sociedade, nos encargos da fundação, não
interveio muito, a não ser pelos dons generosos do Sr. Blondel, os quais, fora,
acho, de 4.000f, foram afetados por ele aos móveis do oratório, à ginástica,
etc. Em último lugar, trata-se hoje de erigir uma capela cuja responsabilidade
nos é deixada e cujo preço quase igualará o da propriedade toda inteira; essas
circunstâncias não modificam a situação? Se quiser, além disso, Senhor
Presidente, lembrando-se da origem e do desenvolvimento das obras de Grenelle,
considerar qual parte teve nisso nossa Comunidade, você pensará que, sendo que
há necessidade, afinal, em Notre-Dame de Grâce como em Nazareth, de guardiões,
temos algum direito a conservar esse título. Guardiões, com efeito; escrevi,
dizem, essa palavra, e, se não o fiz, inscrevo-a aqui com muito gosto. Qual
outro nome nos conviria melhor na realidade? O de proprietário não seria aqui
uma pura ficção, os únicos e verdadeiros proprietários desses imóveis não são
os operários, as crianças e os pobres? Quem os usufrui, depois deles, como
donos senão os Confrades de São Vicente de Paulo? Poderíamos alienar, segundo
nosso bel-prazer esses estabelecimentos, poderíamos, até, mudar-lhes,
arbitrariamente, o destino? onde, portanto, estão nossos direitos de
propriedade? Repito, guardiões e servos, não somos outra coisa. Nossos irmãos,
nas obras da Sociedade, aceitaram os trabalhos incessantes, a pobreza e a
dependência; como repouso e ponto de apoio, sobra para eles unicamente seu
papel de guardiões em título dessas duas instituições. Não acredito que se
deva, sabiamente, não acredito que se possa, de um modo eqüitativo, tirá-lo
deles.
Lamento,
Senhor Presidente, ter tido de falar assim de direitos, de serviços; tudo isso
tendo sido posto aos pés de Deus não queria ser realçado, mas eu tinha que
justificar aqui minhas palavras, meus atos, quase minhas intenções; tive que
sair da reserva ordinária, volto a ela muito apressado e muito resolvido,
aconteça o que acontecer, a não mais sair dela. Espero também que esse penoso
debate esteja para acabar; você acha mais admissível, após exame, Senhor
Presidente, a acomodação proposta por mim, e você não recusa procurar os meios
de executá-la. Estou convicto, do meu lado, de que as dificuldades de
realização, se há, podem ser tiradas pela boa vontade e o espírito de
conciliação de ambas as partes.
Queira
ter a certeza, Senhor Presidente, de que permaneço disposto, assim como meus
irmãos, a tudo fazer, como pelo passado, para o bem das obras, de acordo com
nossos amigos e Confrades de São Vicente de Paulo. Minha união com eles é de
data bem antiga e me é particularmente cara, desejo não quebrá-la, senão no dia
em que Deus
me chamar de volta a Ele.
Sou,
com uma respeitosa afeição, Senhor Presidente,
Seu
humilde servo e irmão em N.S.
Le Prevost
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