Consolo ao amigo
em sua desventura sentimental. Nova orientação da vida do Sr. Le Prevost. [seu
casamento com Mademoiselle Lafond]. Ele seguirá os conselhos de seus amigos de
Angers.
Quarta-feira
1o de janeiro de 1834
Escrevia-lhe, meu amigo, quando chegou sua carta. Tive uma certa alegria,
chegando da missa e após ter dado minha primeira hora deste ano a Deus, em dar
a você, amigo, a segunda; mas o que era de dom puro torna-se dever. Você sofre,
sofre muito. Entrevejo confusamente sua infelicidade, entrego-me a ela todo
inteiro. Você quer, caro Victor, que lhe fale de mim, o farei, amigo. Em outro
momento, isso repugnar-me-ia, mas nesta hora o que poderia
recusar-lhe? Deixe somente, antes, meu irmão, que responda a seu abraço amigável.
Deixe que lhe diga que choro com você, que minha alma já comovida e
pressentindo sua pena se compadecia com ela numa indizível tristeza e recebe
somente agora o golpe que aguardava. Deixe que lhe responda, amigo, (é preciso
ser amado quando se sofre) que ninguém nunca teve amigos ternos, dedicados como
os seus, e se apraz ao Céu que semelhante alegria, recusada a tantos outros,
tenha sido coroada, fosse por uma hora somente, com uma alegria mil vezes mais
pura, mais invejável ainda, é preciso considerar sua sorte como boa, sua parte
como bem generosa e, ainda que chorando, gritar ainda, como você tem feito:
Bendito seja Deus que dá e retoma. Lembre-se também que retomando, é então que
ele dá mais. Você sonhou, feliz de você! Quantos, de alma pobre e coitada, são
incapazes disso; quantos, de alma tímida e desanimada, não ousam conceder a
toda sua vida a criação de um sonho! Você não sabe como o sei eu, tudo o que há
de abatimento e de tristeza ao sentir em si potências terríveis que nunca serão
usadas; ao ver, não nos sonhos, mas perto de si no mundo real, a alma que é
sua, da qual Deus disse-lhe o nome, que teria podido compreendê-lo,
responder-lhe, e, todavia, a quem não se ousaria falar, nem, já o disse, pensar
nem sonhar, que mil impossibilidades separam de você para sempre e tão
invencivelmente que nas horas de maior confiança, nunca um clarão de esperança
apareceu para autorizar mais tarde ao menos um pesar. Daí, tornando a descer às
possibilidades, às coisas que Deus permite, que põe ao nosso alcance, não poder
levar a elas nem seu coração nem sua vida, indagar somente se dessa existência
vazia alguém ainda gostaria e dizer: tome, é bem pouco, mas não saberia dar
mais. Você me reconhece em tudo isso, meu caro Victor, e não vai preferir sua
parte à minha? Nunca volte, mas nunca mesmo, amigo, sobre a impossibilidade de
que estou falando! Eu a teria silenciado até a hora de aflição em que você me
entrega sua alma para adormecê-la e lhe proporcionar algum descanso, hora em
que, então, para tanto, bem no fundo do meu ser, hauro nos últimos recursos do
íntimo? Eu teria silenciado para você essa impossibilidade, se ousasse
chegar na condição de esperança ou até de sonho, se fosse algo diferente de uma
tristeza sem causa, que não serve para criar e, no entanto, forma obstáculo e
se interpõe às vezes com uma incrível autoridade?
Oh! fique contente comigo, meu caro Victor, pelo esforço imenso que também fiz
agora para falar-lhe de mim, quando meu coração só está repleto de você, só se
sente viver em você e em sua pena. Procure ainda dominar-se o bastante para me
escrever de novo e me dizer um pouco mais, até onde, ao menos, lhe for
suportável. Receio ter cumprido de forma incompleta a tarefa
que você impunha à minha amizade. Você me pedia talvez, amigo, alguma revelação
decisiva sobre minha sorte que, preocupando vivamente sua terna solicitude por
mim, o arranque de si mesmo por um tempo. Infelizmente, amigo, o que lhe dizer?
Se é a vida interior que você quer, ela esteve, desde sua carta, bem agitada,
bem ativa; e, qualquer esforço que fizesse, hoje, não saberia lho dizer. Quanto
à vida dos fatos, está praticamente parada. Aguardo um pouco de calma. Espero
que a coisa demasiadamente contida, a forma de idéia se purifique, se
desembarace e suba novamente ao nível do sentimento. Então, amigo, penso eu,
lhe obedecerei. Meus pensamentos, ao menos, abandonaram absolutamente o outro
projeto, o desapego era pouco penoso, como lhe disse anteriormente: era isso
para mim uma forma simples e resignada da minha vida: num impulso, para cima e
diretamente, a teria dado a Deus, num impulso ainda, mas por uma outra via,
você entreviu como minha alma poderia tê-la sonhado; esses dois caminhos
fechados, qualquer outro me convirá, penso eu, e Deus me ajudará. Sabe, e a
você posso tudo dizer, o que lamento mais agora, é a castidade reconquistada
com o concurso incessante de Deus, que me tinha devolvido a meus próprios olhos
certa pureza, certa poesia, a castidade que precisará perder num amor não
santificado de esperança, em um hímen sem fruto. Mas seu amigo52,
(quero dizer o que está perto de você) refletiu muito sem dúvida sobre isso e
você também com certeza. Superarei portanto, provavelmente, esse escrúpulo e
seguirei seu parecer. Tudo isso aliás, toda reflexão, toda tristeza
apagar-se-ão após a determinação tomada. Bem sei que há uma imensa distância
entre o momento em que falamos e o que antecede.
Adeus, meu querido irmão, fale comigo, eu também preciso ouvir sua voz. Que
pena que você não esteja aqui, como você seria amado, como sua pena seria
partilhada, suas lágrimas enxugadas. Oh! que minha lembrança seja consoladora
para você. Agradeça com ternura seu amigo; transmita-lhe respeito e afeição da
minha parte.
Léon
Le Prevost
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