Testemunho
de afeição. Pressentimento de futuro.
Chaville,
12 de agosto de 1862
Caríssimo Senhor e filho em N.S.,
Você me chama “meu pai”, respondo-lhe “meu
filho”. Sim, eis-me aqui, se há em você um pouco de sentimento filial para
comigo, é-me fácil dizê-lo, há no meu interior, para com você, tudo o que une o
pai ao filho, a dedicação, a terna afeição, o vivo desejo de ajudar, de assistir,
a solicitude, a atenta preocupação do futuro. Tenho quase necessidade de
assegurá-lo de todos esses sentimentos, caro Senhor, pois demorei muito para
lhe responder. Eu contava, chateado, os dias que transcorriam um após outro
desde a recepção de sua carta, mas nenhum deles me oferecia um momento
disponível para lhe escrever; experimenta-se, na minha idade, vendo passar a
vida, o que se sente nas viagens pela estrada de ferro: as paisagens
escorregam e se apagam uma após outra; se pararia bem aqui ou ali, mas nada
fica no seu lugar, já se está longe, arrastado sem interrupção através do
espaço; apresse-se em viver e viver nobremente, caríssimo amigo, durante os
curtos instantes que chamam de juventude; entre o passado e o futuro, goza-se
então de um e do outro com uma tão maravilhosa capacidade de lembrança e de
esperança que se tem a impressão de aumentar a duração do presente, mas isso
dura bem pouco; a vida, disse não sei qual moralista, é um passo entre o berço
e a tumba. Felizmente, esse passo é suficiente e pode ser preenchido por coisas
tão preciosas que podem realizar grandes bens, deixar uma longa lembrança e
ganhar, para quem as fez, uma existência sem fim, uma felicidade eterna.
Agradeço-lhe por sua cara carta, ela me tocou
vivamente; o ardor de sua jovem alma tão confiante, tão generosa em suas
aspirações, mexe comigo como se eu tivesse somente seus 20 anos, e preciso
tratar um pouco de me tornar razoável para não ceder demais ao arrebatamento;
parecia-me, ao conversar com você, parece-me ainda lendo suas cartas (eu estava
aí, em Nazareth, quando o Sr. Maignen recebeu a dele) que recomeço minhas
inesgotáveis efusões com esse último, quando ele tinha a idade e a juventude de
coração que faz hoje o tesouro de você. Eu lhe disse, caro Senhor, achava que o
reencontrava em você e recomeçava os dias de outrora, como um avô que
rejuvenesce com seu neto. É puro efeito de sentimento, é um indício
providencial? O futuro o dirá. Por enquanto, deixo acontecer, não resisto
ao que é doce para mim e onde não acho nada que o Deus de caridade possa
condenar.
Se você me escrever de novo, caríssimo Senhor,
como tenho certeza disso, você cuidará de me dizer bem por extenso se está
seguindo minhas pequenas recomendações em sentidos diversos, e você me dirá
sempre tudo o que se passa em você, sem medo de me cansar. Você deixou cair a
palavra de individualismo; se essa tendência estivesse em você,
sublime-a, caríssimo amigo, fazendo-a servir a se estudar a si mesmo, para
conseguir um bom conhecimento de si, para ver seus pontos fracos e também os
atrativos espirituais que estão em você, e, enfim, a ação interior do divino
Espírito em sua alma; não quero renunciar ao direito que você me deu de ler
nesse livro, a não ser que você mesmo o feche; acredito que não acontecerá nada
disso. Eu, espero, demorarei menos para lhe escrever outra vez. HjjjPrefiro, de costume, escrever
pouco, se me falta tempo, e não atrasar minhas respostas; uma vez passado o
primeiro momento, os prazos tornam-se indefinidos, e depois, a impressão do
colóquio se minora por isso. Vaugirard e Nazareth lhe guardam uma terna
lembrança; o momento que o trará novamente a Paris será festejado aqui por
todos. Como tão pouco tempo foi suficiente para operar uma tão íntima junção
dos corações? Acharia várias razões disso, mas você as achará de seu lado,
espero.
Uno-me à pequena oração que faz cada noite o
Sr. Maignen por você, um a mais não estragará nada. Nosso Senhor disse: “Quando
estarem dois ou três reunidos em meu nome, estarei no meio de vocês.”333
Que doce e divina Palavra!
Um pai tem direito de abraçar seu filho, eu o
abraço, portanto, afetuosamente, caro Senhor, e sou em Jesus e Maria
Seu devotado amigo e Pai
Le Prevost
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