A respeito
de um manuscrito de uma peça de teatro. O Sr. Le Prevost traz suas correções,
preconizando um texto “enérgico e curto”, “feito sobriamente”. Reflexão sobre
os sensualistas do XIXo século.
Vaugirard,
12 de janeiro de [1863]341
Caríssimo
filho em N.S.,
Mandei-lhe
de volta, como você desejava, o manuscrito de São João342. Pensando
bem, eu acharia bem arriscado acrescentar-lhe um ato; o trabalho não foi
previsto para isso, será destruída a harmonia tal qual da composição, será
alongada a duração, já suficiente, da representação, e, possivelmente, se
perderá completamente o efeito. Convido-o, portanto, a ver
isso bem maduramente, duas, e mesmo três vezes.
A
meu ver, seria indicado limitar-se a alongar um pouco o 2o ato curto
demais. Isso se faria facilmente, acho eu, desenvolvendo um pouco o caráter de
Diotrèphe que poderia ser feito o representante da filosofia epicurista; você
teria facilmente o tipo dos seguidores dessa Escola, pois todos os nossos
sensualistas deste tempo não diferem de Epicureus apagando o espírito em
proveito dos sentidos, não vendo felicidade senão nas alegrias e refinamentos
do prazer, não tendo regra outra que seu interesse, resumindo a moral a estas
duas palavras: riqueza, prazer. Diotrèphe poderia ter sobre essa matéria um
diálogo com um dos jovens Efésios menos sensual que ele, inclinando um pouco ao
espiritualismo e parecendo duvidar que Caio possa, tão facilmente como o espera
Diotrèphe, ser arrastado pelas seduções com que esse último quer cercá-lo.
Acho
também que no começo do 3o ato, no diálogo entre Demétrio e Teófilo,
o primeiro poderia tornar mais explicável a prodigiosa perversão de Caio,
relatando (brevemente) uma cena de devassidão, de jogo desenfreado, após a
qual, em uma briga com um dos jogadores, Caio armado o teria traspassado com
seu gládio; em seguida, perseguido pela família, pelos magistrados, ele
se teria jogado na montanha e enfim associado a um bando de bandidos. Essa
narrativa seria percuciente, se fosse enérgica e breve; um primeiro homicídio
preparou os outros, o sangue inebria como o vinho.
Acho
que, com isso feito sobriamente, a peça estaria montada e se
apresentaria com harmonia.
Adeus,
caro amigo, abraço-o afetuosamente em N.S.
Le Prevost
P.S.
Algumas palavras também na boca de Diotrèphe que expliquem, em seu diálogo com
o jovem Efésio, essa sede de proselitismo que têm os ímpios e os homens de
prazer, proselitismo cujo ardor odiento e apaixonado nos entristece tão
constantemente todos os dias.
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