Consentimento da Sra.
Le Prevost para a associação projetada. Confidências sobre os primeiros meses
de seu casamento. Detalhes práticos sobre a organização da obra futura. Bem a
ser feito a esses estudantes. Providências caridosas.
Paris, 29
de agosto de 1834
Sinto-me honrado, meu amigo, e por hoje ao menos, você não terá motivo de
queixar-se de minha negligência, se tanto é que uma primeira vez eu mereci essa
censura. Ontem, às 9 horas do noite, seu primo me trazia sua carta e esta manhã
eis que estou-lhe respondendo. Poderia ter solicitado sua cortesia para
remeter-lhe minha carta, mas ele não tinha certeza, talvez já teria ido no
momento em que lha teria mandado; ela irá, portanto, pela via comum; não lhe dê
menos consideração, peço-lhe, por causa disso. Respondo em primeiro lugar, meu
caro amigo, ao ponto mais essencial de sua carta, ao que o Sr. seu pai e você,
com uma delicadeza de consciência que aprecio, têm desejado esclarecer
nitidamente, quero dizer o assentimento de minha esposa a nosso projeto. Devo
notá-lo em primeiro lugar, meu caro amigo, sua terna simpatia por tudo o
que me tocava tão vivamente não permitiu-lhe conservar, nesses relacionamentos
de confiança e de efusão que se estabeleceram entre nós, a respeito de meu
interior, a razão fria, o julgamento calmo que um estranho, por exemplo, teria
mantido em si; assim, quando chegava a você esmagado por minha pena para
derramá-la em seu seio, amigo devotado, primeiro que tudo, você antes sonhou em
pegar a metade dela, em lugar de analisá-la racionalmente, de comparar minha
situação com outras posições análogas, e de formar de tudo isso uma previsão
nítida, uma esperança precisa ao menos para o futuro. De outra forma, creio eu,
agora que eu mesmo estou um pouco tranqüilizado, você teria pensado,
talvez, que essas primeiras perturbações, surgidas no início de meu casamento,
eram um efeito quase inevitável da posição excepcional que comportava. A
harmonia e a inteligência não podiam, sem choque e sem atrito, se estabelecer
entre pessoas separadas por tanta desproporção de idade, de natureza, de
gostos; mas, após essa primeira prova, após esse primeiro choque tão doloroso,
se tem, dos dois lados, esta experiência, esta convicção: de tanto resistir, a
gente quebra. É preciso antes ceder, afrouxar um pouco e, a longo prazo, a
gente pode assim tornar sua vida mais fácil e mais doce. Chegamos a este ponto
em casa e desde as últimas explicações havidas entre nós e que, penso eu,
deitaram alguma luz salutar sobre nossa posição, nenhuma nova aflição veio
perturbar-nos. Deus ajudando, espero, sempre será assim, e teremos, senão a
felicidade que nunca temos esperado, ao menos algum descanso e bastante calma
para andar no bem.
Tudo isso é bem longo,
meu amigo, paciência, estou chegando ao objetivo. De acordo com essa nova
disposição, o assentimento de minha esposa do qual nunca duvidara, se tornava a
coisa do mundo mais simples; por isso ela o deu, não somente de bom grado, mas
com alegria e de todo o coração. Em duas palavras, eis como
apresentei-lhe o assunto: “nossa posição está hoje, no mundo, honesta e
suportável; temos algum bem, você seus trabalhos, eu meu emprego, mas daqui
alguns anos, o tempo do descanso terá chegado para você; posso contar bastante
com as chances de promoção em minha carreira, para arcar sozinho com os
encargos da nossa casa? Mais tarde, se desejarmos, ambos, nos retirar
inteiramente, teremos aumentado suficientemente nossos recursos para
assegurar-nos, mesmo no interior, a situação que lhe convém? Ora, uma ocasião
se apresenta de ocupar utilmente o tempo de que posso dispor, a atividade que
me atormenta hoje, e com a qual não sei o que fazer: não pensa que é preciso
aproveitar essa ocasião?
A resposta de toda mulher sensata a tal pergunta não podia ser duvidosa, por
isso aplaudiu plenamente ao nosso projeto e deu-lhe inteira adesão. Quanto ao
que lhe concerne pessoalmente, como um empreendimento do tipo do nosso é alheio
a seus gostos, a seus hábitos, incompatível com as artes que faz questão de
cultivar acima de tudo, fica combinado que ela não intervirá de maneira nenhuma
em nossos negócios. Esse acordo, que, sem dúvida, agrada-lhe, é essencialmente
necessário para ela também. Uma coisa: determinamos também que, para tornar
minhas comunicações com ela habituais e até quotidianas, aproximaríamos, em
toda a medida do possível, sua morada do estabelecimento dirigido por nós.
Assim não haveria entre nós separação alguma, nenhuma causa de espanto para
fora, mas simples combinação muito habitual e muito comum entre esposos, para o
exercício respectivo de ocupações diferentes.
Superada essa dificuldade, passo ao resto, bem mais fácil ainda a destrinchar,
sendo que concerne somente a nós, gente de fácil acordo. Você deseja, meu
amigo, que eu precise mais nitidamente o que entendo por alguma obrigação
a criar entre nós. Eis meu pensamento. Vamos, se nosso projeto executar-se,
criar um estabelecimento ou reformá-lo, o que é quase a mesma coisa. Nessa
operação colocaremos nossa inteligência, nossa juventude, nossa atividade, tudo
o que está em nós, enfim, e, espero, teremos pleno êxito; mas se, daqui a
dois ou três anos, graças aos nossos esforços reunidos, a casa se tiver tornado
de acordo com os nossos desejos e plenamente florescente, parecer-lhe-ia,
caro amigo, justo e bom dizer-me: agora tudo vai bem, posso tudo conduzir
sozinho, adeus?
A casa que iremos assumir é pouco extensa e representa um valor (falo do
estabelecimento) de 20.000 francos apenas. Se, daqui seis anos, graças aos
nossos esforços reunidos, esse valor tiver consideravelmente aumentado,
parecer-lhe-ia justo e bom que o fruto de nossos trabalhos ficasse o proveito
de um só?
Ora, meu amigo, seu título de proprietário único dar-lhe-ia esses direitos que,
eu sei de antemão, você repugnaria demais exercer. Pedirei, portanto, que, para
estabelecer mais nitidamente nossa posição respectiva, você reconheça (mas,
repito, por simples palavra ou escritura sem valor legal): 1o – Que
nossa associação, embora não fundada sobre um valor material de minha parte,
não é por isso menos real e não deverá ser rompida, a não ser fraternal e
amigavelmente; 2o – que o acréscimo de valor do estabelecimento, no
momento da ruptura da associação ou da cessão da casa, esse acréscimo de valor,
digo, sendo a obra de nós dois, seria também o proveito de ambos.
Quanto ao mobiliário, intervirei no preço de aquisição com aquilo que você
achar bom e, se crescer com o tempo, participarei proporcionalmente. Aliás,
tudo isso, meu amigo, ainda repito, tudo o que é de interesse, não passa de uma
miséria, fácil, fácil ao máximo de se combinar entre nós.
Sonho cada vez mais com satisfação em nosso estabelecimento futuro, em ver mais
nitidamente a coisa, fico ainda mais convicto de que, com boa vontade, há ali
muito bem a fazer; para os moços dos colégios, é verdadeiramente um ponto
crítico esse momento de transição para a inteira liberdade e emancipação.
Aproveitar desse momento para iniciá-los, o mais possível, à ciência do mundo
e, mais ainda, à ciência do alto, ocupar sua inteligência, seu ardor,
mostrar-lhes um bom uso dessas faculdades no estudo da filosofia, da
literatura, das artes, preparar todas essas vias para eles, abrir-lhes a vida,
em uma palavra, bem indicar-lhes o verdadeiro caminho da vida; aí está uma obra
verdadeiramente boa, útil à sociedade, e segundo o coração de Deus. Se formos
dignos disso, meu amigo, essa obra será nossa, se não, espero, não a
empreenderemos. Oro cada dia por isso com você.
Quis ver o Sr. Gardet, ele está no campo e deve voltar somente amanhã. Em sua
volta, pedirei a informação que você deseja ter. Sua jovem irmã, acho, vai ser
admitida no Oiseaux. As bondosas senhoritas Bidard cuidam disso com
a atividade que você reconhece nelas para tudo o que é caridade. Utilizarei,
segundo suas instruções, os fundos a mim entregues e lhe apresentarei um
relatório. Adeus, meu caro amigo, escreva-me logo, estava tão acostumado a suas
visitas que tenho necessidade de suas cartas para suprir sua presença.
Já que estou agora apresentado ao Sr. seu pai, queira oferecer-lhe meus
sentimentos mui respeitosos; se relacionamentos mais íntimos se estabelecerem,
como espero, entre você e eu, encontrarei sem dúvida nisso certa ocasião de
aproximação com sua família e ficarei verdadeiramente bem lisonjeado com isso.
Adeus, meu amigo, a você de coração bem sinceramente em J.C.
Le
Prevost
P.S. Recrute por ali uns jovens na hipótese de
uma criação; os teríamos sempre de modo provisório, caso contrário, com o Sr.
Dufour, onde você teria condições de dirigi-los; isso nos colocaria aliás em
terreno um pouco mais firme para tratar com ele, se pudéssemos manter a
alternativa de uma fundação por nós mesmos.
É pena que pouco tempo esteja sobrando para nós; no entanto, pondo mãos à obra,
poder-se-ia, acho, reunir desde este ano alguns sujeitos e preparar mais
recursos para o ano seguinte. Examine e decidiremos. Verei o Sr. Gardet.
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