Chegou o momento
para o Instituto tomar seu lugar no mundo cristão. Obstáculos que encontra.
Necessidade da regularidade aos exercícios comuns, para perseverar na vocação.
Exortação a uma vida espiritual mais generosa, a trabalhar para Deus na oração:
“enquanto orar, Deus fará suas obras”.
Allevard, 14 de agosto de 1865
Caríssimo
amigo e filho em N.S.,
Nossa
ausência não será tão breve como parece acreditar. Não parece muito provável
chegarmos antes de terça-feira próxima, dia 22 deste mês. Ficaremos ausentes,
portanto, durante 30 dias, o tempo flui depressa. O Sr. Paillé insistiu para
que eu fizesse uma estância mais ou menos ordinária às águas, embora, de minha
parte, espere pouco resultado. Sempre pensei que o objetivo real de minha
viagem era a peregrinação a Salete. Oxalá tenhamos obtido ali as graças de que
temos uma necessidade bem especial neste momento, como você diz. Parece que
chegamos, com efeito, ao momento em que a Comunidade com suas obras deve tomar
seu lugar no mundo cristão, e, longe de nos ajudar a nos situar o menos mal
possível, cada um parece medir-nos ciosamente nossos limites e esforçar-se para
que sejamos tão pequenos quanto possível. É mau sinal. Se os próprios que nos
cercam fossem, eles mesmos, grandes, nos estenderiam nobremente a mão e nos
abrigariam sob sua potência. Mas como, sobretudo hoje, a palavra de Bossuet na
presença da corte é verdadeira: só Deus é grande, meus irmãos! Sim, Ele
é grande, felizmente, isso basta; que os outros sejam pequenos e fracos, não
importa, os que se apoiarem firmemente nEle não desfalecerão. Aí está mesmo,
não é verdade, caro amigo, o sentido de sua carta, do tipo de gemido que
exprime e da aspiração penosa que manifesta. Faço-me o eco de sua fala com
muita simpatia e somos dois (e certamente bem mais) nos mesmos pensamentos, no
mesmo sentimento. Antes que chegasse sua carta, o Sr. Paillé, nas conversas que
trazem nossos longos diálogos a sós, me dizia o sofrimento que lhe dava a
inexatidão e até a aparente indiferença de alguns irmãos para os exercícios. Ao
mesmo tempo, o Sr. Hello nos escrevia nesse sentido, e uma outra carta ainda
nos repetia a mesma queixa. Como, portanto, uma necessidade tão profundamente
sentida é tão mal saciada? O atrativo pela atividade exterior, ou, antes, a
preguiça de espírito que repugna à aplicação ao espiritual, o afastamento
natural por toda regra, a obediência imperfeita dos irmãos, a autoridade fraca
ou insuficiente nos Superiores. O remédio seria: uma mortificação maior, uma
obediência mais verdadeira, um espírito de fé mais profundo. Somos todos um
pouco como Luis XIV, caro amigo, aceitamos de bom grado, nos sermões, escolher
nossa parte, mas não gostamos que nos seja feita pelos outros. Não lhe farei,
então, nenhuma aplicação pessoal de tudo isso, visto que, tomando a dianteira,
você a mediu generosamente para si. No entanto, não seria exagerado dizer que,
após tantos movimentos, trabalhos exteriores, relações com o mundo, ou a
experiência de todos os mestres espirituais é vã, ou você tem uma necessidade
urgente, extrema de um pouco de oração prolongada, de um pouco de calma e de
recolhimento, de um pouco de união e de volta a Deus. A não ser por milagre,
ninguém vive sem alimentação. Seria tentar o Senhor esperar, para sua alma, que
escape ao langor, ao esmorecimento e talvez à queda, se está pouco demais
refeita e amparada. Para o religioso, há uma necessidade essencial da oração,
da mortificação, de regra; você não tem mais nada de tudo isso, a conclusão é
clara, não será, pelo espírito e o coração, nem um religioso, nem um homem
espiritual. Custa-me escrever essas palavras, pois, seria bem triste, após ter
deixado tudo tão generosamente na flor de sua idade, após ter tanto trabalhado
durante vinte anos, você se encontrar no ponto de partida e, talvez, para cá.
Mas, caro filho, é melhor dizê-lo, para impedi-lo, do que deixá-lo realizar-se
por uma consideração de sentimento. Tudo o que você me diz em sua carta, sobre
você mesmo, me chamava a atenção e afligia o Sr. Paillé, e fazia sofrer mais
outros. Mas o que fazer? você diz. Além das exigências e expectativas dos
benfeitores, há os recursos a recolher, os jovens a recrutar e a amparar no dia
a dia. Tudo isso é verdade, mas tudo isso se fará por Deus melhor do que por
você. Trabalhe para Ele na oração, nas leituras piedosas (bem negligenciadas,
conforme me dizem), em alguns sacrifícios aos exercícios e à regra; Deus lhe
retribuirá e, enquanto estiver orando, o Senhor fará suas obras. Tenha, caro
filho, esse espírito de fé, faça corajosamente a parte do espiritual, programe bem
seus afazeres, nunca omita, sobretudo, os exercícios por leves pretextos e
muitas vezes por nada, e verá que seus negócios irão melhor. Neste momento do
ano, você pode mais facilmente, com um pouco de vontade, reintegrar um pouco
seu interior. Faça isso, retome alguns livros santos (leia a Vie de Ste
Chantal, por exemplo, livro fora de série). Fuja, cale-se, descanse,
disse um anjo a Santo Arsène. Assim fez e se tornou um Santo.
Eis aí,
caro filho, o que sentia a necessidade de lhe dizer. Acredito que, no fundo,
foi por isso que provoquei sua carta. Ficarei feliz se, na minha volta, você
deu alguns passos no sentido que indico, se, sobretudo, você toma de antemão
providências para fazer, inteiro e sem arranhão, o próximo retiro. De meu lado,
o ajudarei para tanto, pois estou decidido a não aceitar nenhuma das razões que
poderiam impedi-lo.
Tenho boa
confiança de que, apesar das dificuldades e por causa delas, talvez, tanto
nossa Comunidade como nossas obras se assentarão, mas com a condição de que o
Espírito de vida esteja nelas. Façamos menos, mas trabalhemos segundo Deus e
com Ele, aí está o segredo de nosso futuro. Se o entendermos, viveremos.
Amanhã,
pensaremos muito em vocês todos e em suas crianças. Os retiros da Santa
Família, as preparações de todos os tipos para a grande solenidade,
acompanharemos tudo pelo coração, estaremos em todo lugar com você, com Maria
nossa Mãe, com os anjos e os santos que a glorificam, com Deus que a abraça e a
coroa.
Adeus, meu
velho, meu caríssimo filho, abraço-o em predileção e sou e serei até o fim
Seu amigo e
Pai em Jesus e Maria
Le Prevost
|