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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 101 - 200 (1843 - 1850)
    • 140 - ao Sr. Myionnet
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140 - ao Sr. Myionnet

Na vida comum não são as alegrias humanas que encontramos, mas uma vida séria, feita de oração e de abnegação. O Sr. Le Prevost encoraja seu “único irmão”, confidenciando-lhe suas próprias provações: ele mesmo está privado de toda consolação interior e de todo atrativo pela piedade. Mas  tem consciência de que nisso se encontra um progresso espiritual. Descrição da vida que leva na Normandia.

 

Saint-Valéry, 19 de junho de 1846

            Meu caríssimo irmão,

 

            Você me prometeu ficar um pouco com saudade por minha ausência; espero que tenha sido fiel à sua palavra e que a privação do único irmão que Deus lhe deu até agora se fez sentir para você em alguns momentos. Espero-o,  por causa de sua caridade, mais do que por qualquer outra causa, pois, no estado de langor corporal e espiritual a que me sinto reduzido, estou vendo que não posso servir muito nem para edificá-lo nem para consolá-lo. Essa situação, caro amigo, que ambos temos de sofrer é, creio, toda providencial. Não aprouve ao Senhor que, na nossa entrada na vida comum, fôssemos sustentados por atrativo sensível algum, a fim de fazer-nos entender que não é uma carreira doce e cômoda que abraçamos, que não se deve procurar nela nem os apoios das simpatias humanas, nem as alegrias de sentimento, mas um hábito de vida grave e séria, um caminho de trabalho, de oração e de abnegação. Aceito-o, da minha parte, em tais condições e, embora me pareça um pouco árido e um pouco duro, creio-o verdadeiramente no espírito de Deus. Há vinte anos, aspiro à vida de inteiro sacrifício a Deus em união com algumas almas animadas também pela necessidade de abandonar tudo a Ele. E, agora que estou tocando nisso enfim, que tomo posse deste bem tão desejado, as alegrias espirituais que me faziam chorar por antecipação, as delícias da oração e da contemplação, o recolhimento, a presença de Deus, os santos ardores das almas edificadas e estimuladas uma pela outra, tudo isso se desvaneceu. Acho-me, como diz a Escritura, numa terra árida e sem água, esgotado de corpo, sem vida no coração, sem luz no espírito. Algumas queixas, caro amigo, que o ouço fazer deixam-me pensar que Deus o prova mais ou menos do mesmo jeito e que seu caminho é rude e áspero como o meu. Não nos aflijamos com isso, caro irmão, e deixemo-nos conduzir pela mão toda sábia e toda paterna de nosso Deus. Lembro-me que, antigamente, minhas orações resumiam-se, nos seus doces fervores, em oferecer-me todo a Deus para seu serviço e para todas as obras que lhe prezasse confiar-me. Hoje, elas não são muito mais do que um consentimento passivo à ação mortificante que ele exerce em todo o meu ser. Consinto em deixá-lo agir e em sentir-me sucessivamente, e nos pontos mais íntimos, ferido de esterilidade e de morte. Ouso esperar que este estado seja melhor que o primeiro e contenha um progresso espiritual; acho então nele, de algum modo, uma certa alegria severa e calma que não é sem confiança e sem suavidade. Possa você, caro amigo, inclinar também seu espírito para este sentido; então, eu me encontrarei ainda mais tranqüilo e mais resignado, pensando que você quer bondosamente me acolher tal como o Senhor me faz, confiando em seu amor para tirar de mim mais serviço e consolação, quando o momento tiver chegado.

 

            Tenho bem poucas coisas a dizer-lhe sobre a minha viagem que se desenrolou maravilhosamente, sem excesso de calor nem de poeira. A região em que estamos143 é encantadora sob todos os aspectos: o mar é admirável, o céu esplêndido e os campos deliciosos. Os moradores participam desses dons felizes da natureza. São piedosos, simples, cordiais, de modo nenhum curiosos e dão atenção a nós, somente para prestar-nos algum serviço quando precisamos. Já tomei quatro banhos, um a cada dia; a água é perfeitamente boa e agradável; só que, nestes dois últimos dias, as ondas eram tão fortes que me bateram fortemente demais, a mim que sou fraco e débil; estava moído e tão quebrado que mal conseguia me soerguer; de noite, meus nervos demasiadamente sacudidos estavam em agitação contínua; via sem cessar essas enormes montanhas de água erguerem-se mugindo e desabarem sobre mim com estrondo; a prova era rude demais para minha fraqueza e não teria sido, creio eu, salutar. Hoje, mudando de horário, achamos o mar suave e  clemente; penso que, indo assim, será proveitoso para mim de certa forma. Todos os dias, antes de ir ao banho, entro numa pequena capela, que está à nossa porta e quase na praia; ali recito a Ave maris Stella e me ofereço a Deus para sarar, sofrer ou morrer, de acordo com sua sabedoria e seu amor.

 

            Apresente-me, caro amigo, à lembrança de todos os nossos bons amigos, os Srs. Deslandes, Boutron, Roudé em particular, depois, o excelente Sr. Fossin, cuja família foi cheia de cordialidade e de bondade para nós; em seguida, o irmão Paillé144 que virá, espero, se juntar a nós pelo fim deste mês no mais tardar; depois, o Sr. Nimier, o Sr. Georges [de La Rochefoucauld] e todos os outros tão bons, tão dedicados que freqüentam diariamente a Casa. Escrevo uma palavra ao Sr. Maignen, não bastante amável para conosco há algum tempo, mas que, no entanto, me é bem caro sempre. Adeus, querido irmão, rezo todos os dias por você na Santa Missa e em outros momentos ainda; lembre-se também de mim e esforce-se para que suas orações me tornem tal como sua caridade e sua terna afeição me podem desejar.

 

            Abraço-o bem cordialmente e sou para a vida em N.S.

 

            Seu irmão devotado

 

                                               Le Prevost

 

            O Sr. Taillandier, cujo acompanhamento me é de grande auxílio e a caridade bem doce, apresenta-se à sua boa lembrança; pede mencioná-lo perto de todos os nossos amigos.

            Em São Valéry-em-Caux, no Grande Hotel dos Banhos

 





143 O Sr. LP. é acompanhado por um jovem confrade de São Vicente de Paulo, Henri Taillandier (cf. cartas 128, 130), que aconselhará na escolha de sua vocação sacerdotal.



144 Louis Paillé, (1816-1874), á um advogado de 32 anos, membro da Conferência St-Sulpice e amigo do Sr.LP. Sua delicadeza fará dele o enfermeiro e o confidente do Fundador, por ocasião das longas ausências de repouso na Normandia ou no Sul. Entra na comunidade em 10 de junho de 1848. Persevera no Instituto, sem nunca se decidir a pronunciar votos perpétuos. Esse quarto irmão da Congregação morre dois meses antes do Sr. LP, no dia 02 de setembro de 1874.





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