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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 101 - 200 (1843 - 1850)
    • 145 - ao Sr. Maignen
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145 - ao Sr. Maignen

O Sr. Le Prevost empenha-se em demonstrar a esse coração sensível toda a realidade de sua afeição por ele. Que o Sr. Maignen leve mais em conta sua retidão de intenção. Que precisa misturar com a amizade humana o espírito de santa caridade. Recomenda-lhe cuidar do Sr. Myionnet: “é bem fácil amá-lo”.

 

St Valéry-em-Caux, quinta-feira 9 de julho de 1846

 

                   Minha carta cruzou a sua, caro amigo, você logo o entendeu, e está vendo na minha pressa que, com você, o silêncio me custa mais do que a efusão. Como pensou, suas duas cartas me tinham parecido duras e ultrajantes, ofensivas de propósito, sem a menor palavra que cheirasse a afeição e que aliviasse a amargura de suas censuras. Achava nelas um esquecimento completo e um desconhecimento cruel da mais terna afeição que você tenha encontrado. Meu primeiro movimento poderia ter-se feito sentir demais em minha resposta. Esperei, rezei um pouco a Deus, como procuro fazer de costume, para saber se eu devia calar-me ou falar ainda; senti em mim a esperança de que tudo não tinha acabado, que, após um tempo de tristes mal-entendidos nos reencontraríamos de coração a coração, e lhe fiz uma pequena carta que lhe terá parecido severa, embora fosse mais um apelo à sua afeição. Você tomou a iniciativa, caro filho, fico feliz com isso. Não era preciso de tanto para reabrir-lhe os braços e todo o coração do seu pobre amigo; qualquer coisa que você fizer, qualquer coisa que eu conceda nas formas exteriores, minha ternura para com você terá sempre um fundo de paternidade que não se apagará; ora, você sabe, você tão favorecido quanto à família, os pobres pais, apesar de maltratados, ao menor sinal de volta, não têm resistência e só sabem chorar e amar. Portanto, meu caro filho, eu o amo bem à vontade, aperto-o fortemente contra este coração doente que você tanto havia ferido, a fim de que não haja mais marca da ferida. Ah! como esta é fácil de se curar, caro amigo, e como faço pouca conta deste orgulho que você diz tão intratável, já que, afinal, há só ele a imolar.

 

                   Mas é preciso dizer-lhe que, para o resto, não estou, de modo algum, convertido ao seu parecer. Sim, você engana-se mil e mil vezes, quando diz que faltei com a estima para com você. Não cessei nenhum instante de fazer justiça, em alta voz e com todos, às qualidades que estava feliz de reconhecer em você; eu só levava um pouco em conta alguns descontentamentos manifestados de vez em quando por você, porque, não sentindo neles nenhum fundamento real e, com toda a sinceridade de minha alma, não vendo neles senão um efeito de imaginação de sua parte, não podia acreditar que deixassem em você impressão penosa alguma. Quase sempre, eu caía das nuvens quando você se mostrava irritado contra mim e eu sofria cruelmente de uma susceptibilidade que me parecia tão exagerada e tão contrária à suavidade natural de seu caráter. Respondendo então com calma e benevolência, fazia um esforço que você não percebeu e que, no entanto, custou-me muito.Você engana-se mil vezes mais ainda, quando queixa-se de não ter sido bastante amado; minha ternura por você dominava tudo e, nas horas mais dolorosas de minha vida, soube conservar seu lugar em meu coração. Quando, após um mês de angústias de todos os instantes, perdi minha bem-amada mãe, tão querida, tão venerada, eu lhe escrevi que suas palavras me eram tão suaves que elas diminuíam, ao menos por uma hora, a dor pela consolação. Se, qualquer dia (Deus não o permita) sua boa e três vezes boa mãe lhe fosse tirada e você pudesse escrever uma tal palavra a um amigo,  sentiria até onde vai sua afeição por ele. A minha para com você não foi grande, foi excessiva, misturada demais com ternura, preocupante demais, exclusiva demais, prejudicou meu repouso,  teria perturbado minha consciência, sem uma constante vigilância, ou para falar melhor e para ser franco, ela a perturbou muitas vezes, como invadindo um coração que eu tinha dedicado todo a Deus. Sempre a considerei como digna de punição neste ponto e, quando, por razões que você julga enormes e que me pareciam a mim versatilidades de humor, apagáveis com um aperto de mão, você me abandonou de repente e quase me rejeitou, disse a mim mesmo: “Eis a hora de sofrer por onde pequei e a hora também de devolver a Deus aquilo que roubei dele”. Sofrendo dolorosamente com seu abandono, bendizia o Senhor que, com sua mão, desferia um golpe que a minha mão nunca teria achado a coragem de desferir.

                   Não creio, meu caro amigo, que estas explicações, enquanto explicações, o satisfaçam. Eu as dei a você várias vezes, ao menos em substância, sem que sua opinião tenha parecido mudada em nada com isso. Vejo bem também, por sua carta, que em outros pontos ainda não temos absolutamente o mesmo sentimento, mas, no fundo, o que importa isso se nossos corações estão contentes e repousam seguros um no outro? É preciso reconhecermos que os pobres homens, com toda a boa vontade e todos os desejos possíveis, não saberiam sempre se entender, mas se o coração se interpõe,  pode preencher o abismo e manter as almas ternamente unidas.

                   Você não me parece, em particular, levar bastante em  conta a retidão de intenção. Fazendo esta reserva, você teria tirado de suas duas cartas a expressão de rudeza quase odienta que as tornava para mim tão penosas, e  teria sido justo ao mesmo tempo. Com efeito, posso, demasiadas vezes, errar, podem faltar-me luz, força e boa inspiração, mas ouso assegurar que sempre procurei cordial e sinceramente o que era o melhor para a glória de Deus, para a vantagem de todos os nossos Confrades e o maior bem de nossas pobres famílias. É bem raro que as pessoas que são verdadeiramente um pouco de Deus não andem neste caminho de retidão; vendo-as por esse lado, é impossível que não se seja inclinado à indulgência para com elas e levado a esclarecê-las e a rezar por elas em vez de maltratá-las.

            Acho também, caro amigo, que você está errado quando me censura por ser comedido demais e fazer da única pequena virtude que posso ter uma dignidade orgulhosa e uma triste secura de coração. Um pouco de controle sobre si mesmo é o único tesouro que nos deixam os anos, em substituição de tudo o que eles nos tiram, mas acredite firmemente que sob essa força aparente, que modera o ímpeto excessivo dos sentimentos, o pobre coração não perde nada,  ama e sofre às vezes duplamente, não podendo alargar-se e expandir-se, como  lhe seria tão necessário. De resto, demasiadas vezes, faltei a essa conveniência medida no que o toca e, mais tarde, longe de pensar como hoje, você será talvez tentado de fazer-me uma censura contrária.

 

            Não lhe  escrevo como gostaria, quase nunca fico sozinho e não posso recolher-me intimamente com você, mas sinto no fundo do coração um certo repouso, uma doce e terna confiança, que me anunciam que tudo está voltando a seu lugar entre nós e alguma coisa disso deve transparecer nesta carta. Oh! Sim, nossos corações são feitos para a confiança, o abandono, a santa segurança com nossos amigos como com o próprio divino Pai. É preciso, para que nossas afeições sejam suaves, que participem um pouco da constância e da imutabilidade do divino amor. Esforcemo-nos, caríssimo amigo, para dar esta consistência à nossa, e para isso, misturemos com ela, ainda mais do que no passado, o espírito de santa caridade; procuremos que o Senhor esteja sempre conosco como parceiro, assim nossas mais suaves conversas serão ainda uma boa obra, nossos corações conduzidos, inspirados por Ele terão somente movimentos de afetuosa indulgência e tirarão todo o fruto possível da terna amizade de que Ele nos presenteia.

 

            Adeus, meu querido amigo; ficarei uns oito dias na casa de minha irmã. Você me escreverá de novo a esse endereço e, depois, procurará vir ao meu encontro, a fim de que eu o veja antes de todos, que o aperte um pouco contra o meu coração como outrora e que o futuro seja todo de doce alegria para nós.

 

            Vou escrever, logo na minha chegada, ao irmão Myionnet, para repreendê-lo por não me ter dito que estava sofrendo. Cuide bem dele, é um tipo de tio para você, já que ele é o irmão de seu pai; aliás, é bem fácil amá-lo. Estou um pouco menos mal, mas o ar dos nossos penhascos é tão bom que não poderia ser de outro jeito; em Paris, será bem diferente. Estou vermelho e todo queimado pelo sol; é um prazer ver-me, mas, logo no outono, estarei pálido de dar dó; eu precisaria ficar nos campos seis meses; sem o retiro, teria prolongado minha ausência por algumas semanas, mas sem acreditar-me muito útil, já que, para minha grande satisfação, tudo se sustenta muito bem; desejo aproveitar as graças que o bom Deus derramará no retiro, eu o espero. Pergunte ao Sr. Tardif se está preparando a coleção de cânticos. Tudo está certo para a estátua; eis uma palavra para o Sr. Lafon a respeito do desenho: empurre o assunto um pouco, seria útil tê-lo para o retiro.

 

            Adeus, amigo e irmão

           

L. Le Prevost

 




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