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Jean-Léon Le Prevost Cartas IntraText CT - Texto |
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4 - ao Sr. PavieDesculpas por ter aberto uma carta de V. Pavie a seu amigo comum, Mazure. Visita aos Hugos. A repulsão que lhe inspiram os revolucionários. Teme a volta de motins sangrentos. Sainte-Beuve e a evolução do Globe.
25 de outubro de 1830 Mesmo correndo o risco, meu amigo, de multiplicar sua saudade pela minha, vou tentar lhe escrever. Aliás, tenho que lhe responder por duas cartas; pois, a que você manda a meu endereço para o Sr. Mazure, acabo de abri-la por engano e, de linha em linha, a falta se consumiu até o fim. Li a carta inteira; teria ficado bem embaraçado se, em algum recanto, tivesse encontrado o castigo de minha indiscrição; mas parece que você previu a aventura; não há nada na carta que não seja amigável e afetuoso. Obrigado. O Sr. Mazure terá sua carta somente daqui a dois ou três dias, qualquer que seja a pressa que use em lha mandar, pois, no momento em que lhe falo, ele, do alto da cátedra de filosofia de Poitiers, ensinando e dogmatizando, perde sem dúvida a terra de vista, vaga nas nuvens do objetivo, ou torna a descer ao subjetivo. Vou dar um jeito para que, à sua volta, encontre sua carta sobre seu púlpito de professor. Você não percorreu o Moniteur há oito dias. Você teria visto sua exaltação. Eu mesmo ainda não parei de sentir a alegria que isso me proporcionou: desde tantos anos, vejo-o arrastando sua vida em uma posição mais do que precária, não ousando sentar-se em lugar nenhum, porque daqui a pouco será preciso partir, que tenho a impressão de parar, enfim, junto com ele e retomar o fôlego após uma corrida exaustiva de tristeza e de cansaço. Você que o ama como eu, ficará bem feliz também. Estou roubando Mazure ao comunicar-lhe essa boa notícia, mas ele lha transmitirá uma segunda vez e assim não perderá nada com isso. O Sr. David10 contribuiu a esse feliz resultado por seu empenho junto a Cousin. Ainda tenho neste momento uma coisa que me deixa com calor e agilidade nas pernas, para vários dias. Ontem, sozinho, somente com os sofás e as cadeiras, e os quadros, e os desenhos, e os esboços, no gabinete do Sr. Hugo, eu conversei duas horas com o Sr. Hugo, brinquei com as crianças e tagarelei com Madame, e quando saí, ele me apertou a mão. Ela levantou-se e me fez dessas reverências simples e desajeitadas que me encantam, tais como só ela e a Sra. Malibran sabem fazer, e que para mim contêm todas as idéias, todos os mundos que Vestris11 via nas profundezas de um passo de dança. Meu amigo, não estou feliz? Teria vergonha, meu amigo, de mostrar tanta leviandade diante de nossos graves acontecimentos, se, para não perder neles a cabeça um belo dia, não houvesse necessidade de fazê-la passear de vez em quando em outros lugares. O passeio, é verdade, o faço bem longe por aqui, em tempos de livre despreocupação, de impressões caprichosas e que se perdem em todos os fios de aranha; mas fez-se por aqui tanto barulho que era preciso ir-se bem longe também para não mais ouvir esses berros de degoladores, para não mais ver, à luz das tochas, esses medonhos rostos com seus bonés pendentes e seus braços nus arregaçados. Tudo isso, agora, já passou e eis que estamos tranqüilos: será para muito tempo? É o que precisa ver. Os quatro miseráveis que estão nas Torres de Vincennes12 devem passar dias horríveis. Você não imagina, meu amigo, como esses redutos são imponentes neste momento, parecem inchados de motins, de facções de guerras, de vingança: quando se abrir seu seio, cuidado para nós! a França será sua presa. Enquanto isso, eles, os quatro, todo o mundo os abandona, todo o mundo diz que é preciso que morram: oh! se eu fosse eloqüente, se meu pensamento soubesse vir à luz, parece-me que eles não morreriam, pois, algo me diz bem alto que uma cegueira fatal é quase todo o seu crime e que a morte pelo erro, tão funesto seja ele, é algo totalmente exagerado. Mas o meu receio é que nós também, como nossos pais, teremos lembranças sangrentas; e os que ficarem as contarão pacificamente ou não acharão nelas outra coisa a não ser uma emoção poética ou literária, como o faziam todos os dias para nós com os tempos passados. Não é um pensamento triste: sempre homens brincando com ossos e cabeças de mortos? Para quê? Os mortos não lhes dizem nada, não sabem fazê-los falar, ou, se falam, os acontecimentos falam mais alto. Hamlet pode vagar no cemitério, mas não precisa sempre que mate sua mãe e morra depois, ele mesmo, assassinado. Há motivos, não é, para se acreditar na fatalidade. Resta, é verdade, acima de tudo isso, um oráculo a interrogar, mas quem pensa nisso? Os que o quereriam às vezes como eu, não ousam. Tudo isso me entristece muitas vezes. O Sr. Hugo me contou o caso de Sainte-Beuve, e você o conta ao Sr. Mazure. Para falar a verdade, o Globe me parecia bem descomedido em política desde algum tempo. Abandonou a literatura e as artes, não sei a que mãos. Ele me irritava. Tinha-me desligado dele; mas desde que estou sabendo que Sainte-Beuve o dirige, metade conversão, metade esperança para um futuro melhor, recomeço a amá-lo; pode ser, até, que essa circunstância, aos poucos, modifique minha opinião; reconheço tudo isso e o acho muito ridículo; mas, sendo que a realidade é essa, por que não dizê-la a você sobretudo, meu caro Victor, tão generoso, tão indulgente com seus amigos. Se a peça do Sr. Paul13 for representada antes de sua volta, quero, meu amigo, me inspirar de toda a dedicação que o vi mostrar outrora. Escreverei ao autor e colocarei meu zelo, ou antes o seu, à disposição dele. Pode, portanto, nessas condições acreditar que, de todo jeito, você mesmo estará presente na representação.
Tornarei a vê-lo com muita alegria, e também o Sr. Gavard. Que pena que nosso amigo Mazure não estará mais no encontro: três homens dedicados para acolhê-lo. Acho-o feliz às vezes por contar com nossa amizade, pois penso que se tem amigos somente quando se merece tê-los. Leon
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10 Pierre-Jean David, dito David de Angers (1788-1856), escultor, amigo do Sr. Pavie, pai. Cuidará de Victor quando este fizer seus estudos em Paris. (Entre suas obras-primas: uma estátua de Conde, e um monumento em honra do general Bonchamps). O Sr. LP alude a uma de suas intervenções em favor de um amigo comum, professor de filosofia, Sr. Mazure, junto a Victor Cousin, grão-mestre da Universidade. 11 Vestris, dançarino italiano. Sra. Malibran, dita a Malibran, célebre cantora francesa (de origem espanhola), dos anos 1815-35. 12 Quatro ministros de Charles X, entre os quais Polignac, o antigo chefe do governo, acabavam de ser jogados na cadeia em Vincennes. Por medo da vindicta popular, que fizera deles os bodes expiatórios de seu ódio contra os Bourbons, serão transferidos, no dia 10 de dezembro, ao palácio do Luxembourg, na rua de Vaugirard, para serem julgados. Foram condenados a penas pesadas de encarceramento. 13 Paul Foucher, cunhado de Victor Hugo. |
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