Índice | Palavras: Alfabética - Freqüência - Invertidas - Tamanho - Estatísticas | Ajuda | Biblioteca IntraText |
Jean-Léon Le Prevost Cartas IntraText CT - Texto |
|
|
6 - ao Sr. PavieO Sr. Le Prevost quer se preservar de toda febre política. Como a amizade é uma coisa santa diante de Deus. Notícias da família Hugo. O jornal l’Avenir. O processo do ensino livre. Os discursos de Montalembert e de Lacordaire lhe devolvem toda a sua fé. Ele censura a si próprio seu modo de escrever. Como ele julga a vida política e social na Europa.
21 de outubro de 1831 Onde está você, meu amigo, que não se ouve mais você? No alto de uma montanha com as águias, ou no fundo de um vale com as toupeiras? Se assim é, desça ou suba um pouco pois eu, homem da planície, quero conversar com você. Não imagine, ao menos, que eu faça aqui uma alusão política. Deus me livre! Estou num tal ponto que, ao contrário, acrescentarei de bom grado nas ladainhas este pedido: De furore politicorum, libera nos, Domine! [Do furor dos políticos, livra-nos, Senhor!] Como outrora se dizia no velho Paris, Normanorum; meus amigos e eu combinamos que uma coisa tão fastidiosa não mais se colocaria entre nós e no resto de Paris, sem convenção, e assim é para quase todo o mundo, e isso é bem plausível, não é? Cheio até à garganta, não se pode mais comer. No interior não se chegou a isso, parece: acabam de chegar para mim aqui alguns bons Diepenses, conhecidos meus. É verdadeiramente curioso vê-los devorar com avidez os pratos mais grosseiros neste gênero. Ficava apavorado. Que apetite! E depressa, meu amigo, você me pergunta: o que está fazendo agora que está liberado? Infelizmente! a odiosa política, está vendo, é uma febre. Enquanto dura, tem-se somente uma vida factícia de excitação e de vaidade. Passado o acesso, se recai pálido, exausto, vazio, impotente, não se sabe, até, querer, nem lastimar, nem ter um desejo. Oh! feliz homem, você que escapou a todas essas fases da doença, a quem o ar dos campos tem, de uma vez, devolvido frescor e vida: oh! como o vejo bem de cabeça erguida, o olhar animado, ou antes como a gente se torna com o tempo na presença da natureza, face a face com o infinito, calmo, grave, voltado a si por assim dizer; de braços cruzados e olhando passar. Ao menos, meu amigo, você pensa em nós no meio de uma tal felicidade? Tem uma lembrança, uma saudade? Fazemos-lhe falta? Gavard, que nunca saboreia nada tranqüilamente, de vez em quando me pergunta: “Acha que Victor nos ama realmente?” E eu, invariavelmente respondo: acho. Não vá, ao menos, me deixar mentir, pois a culpa disso seria sua diante de Deus. Sim, diante de Deus, a amizade é verdadeiramente santa. Todo sentimento profundo, generoso, dedicado é um impulso para Deus e sempre tenho tais movimentos pensando em você.
Um outro amigo seu, o Sr. Hugo, está no campo como você, há algum tempo. O Sr. Foucher Paul, que encontrei, me disse que sua irmã também estava no campo, sempre sofrendo. Estava bem mudada com efeito, quando a vi pela última vez. Você está ao par, sem dúvida, desse desagradável caso do Sr. Hugo com seu editor15; as pessoas de boa fé e de bom senso sabem lhe fazer justiça, mas os tolos e os que falam na base de boatos fazem de outra maneira; não vejo nisso grande desventura. Suspeito no entanto que o Sr. Hugo fica desgostoso e chateado por isso. Se você lê pouco os jornais, essa miséria talvez tenha-lhe escapado; procure na Gazete des tribunaux deste mês.
Falando em jornais, L’Avenir16 vai bem: ele tem meios para subsistir por certo tempo. É publicado em sua cidade? Você leu nele o processo da Escola livre diante da Câmara dos Pares? Os discursos dos senhores Montalembert e Lacordaire, que coisa admirável! Isso me devolve toda a minha fé. Se isso não está em Angers, se você não tem l’Avenir, diga-me, que eu lhe mandarei o processo da Escola livre17 através do Sr. Leclerc, seu correspondente. Deve ter sido publicado por estes dias em brochura.
Cogita-se um pouco de me mandar para fora da França, mas é cogitação ainda tão vaga que não vale a pena falar-lhe disso hoje.
Ninguém melhor do que eu sabe preencher três páginas de uma carta sem dizer nada. Surpreendo-me sempre por ter chegado ao fim, quando ainda estou no preâmbulo; mas é algo a ser aceito com paciência, o que há em mim de bom até certo ponto, quanto às idéias e aos sentimentos, é tão confuso, tão distante, que consigo dificilmente, ou não consigo de jeito nenhum a trazê-lo à luz do dia; quase diria de mim: é um buraco preto, senão profundo; quem sabe? No fundo, talvez haja alguma coisa; só que, em cima, pela margem, sem cessar se levanta uma pequena neblina de tagarelice, palavras fluidas, vapor leve que um só raio do dia penetra e dissipa logo. Isso se parece bastante com uma comparação vantajosa; é que, ainda aqui, digo mal o que pretendo dizer, e assim sempre. Você não levará em conta tudo isso e me dará, não é, uma resposta bem compacta, com linhas bem concisas; há também para mim alguma desculpa para eu dizer tão pouco com tantas palavras: há uma vida tão insignificante ao nosso redor. O que é, então, que vive ao nosso redor? O que tem uma alma? Nossa história, nossa política, nossa literatura, nossas artes; não, a verdadeira vida não tem nada a ver com tudo isso; mas ao menos ela existe em outro lugar? Na Alemanha talvez, mas não completa, não de corpo e de alma; na Rússia, não sei, faz frio demais talvez, o sangue não circula. Na Inglaterra, não há também nem força nem vigor. Levando tudo isso em consideração, e estando nossa pobre Polônia degolada18, nada mais vive na Europa. Você rugiu, não é verdade, diante do anúncio de que Varsóvia estava morta! Havia motivo para tal: era o último suspiro de um mundo antigo; um mundo novo renascerá sem dúvida, mas quantos dias ainda passarão nas trevas, quantas penas e suores, e talvez quanto sangue custará a nova obra. Parece-me que já lhe disse tudo isso; estou em franca decadência. Coloco aqui simplesmente os nomes do Sr. seu Pai, de seu irmão, do Sr. Léon. São notas, você fará delas um canto. Adeus, chegue logo, até logo. Quando? Queriam 8 francos para empacotar seu Bonaparte. Era demais; com o porte isso se tornava extravagante: aguardo suas ordens a respeito.
Seu amigo devotado. Léon Le Prevost
|
15 V. Hugo se comprometera em entregar a seu editor Gosselin seu romance Notre-Dame de Paris no dia 15 de abril de 1829. Após um ano de espera, este lhe reclama seu manuscrito, sob pena de uma multa de 1000f por semana de atraso. V. Hugo terminará seu romance em cinco meses! 16 Fundado em 16 de outubro de 1830 por um grupo de jovens católicos reunidos ao redor de Felicité de Lamennais, era o principal órgão do catolicismo liberal; seu programa era: “Deus e a liberdade”. Hostil à política de aliança entre a Igreja e o Estado (o trono e o altar), reclamava a plena liberdade de consciência e de religião, o que implicava a supressão da Concordata. Foi suspensa no dia 15 de novembro de 1831 e suas teses condenadas em Mirari vos, no dia 15 de agosto de 1832. --- Felicité de Lamennais (1782-1854), bretão (como Chateaubriand, seu contemporâneo), ordenado padre em 1816, se tornou célebre pelo seu Essai sur l’indifférence em matière de religion (1817). Jornalista de talento, é, primeiro, realista e ultramontano, mas vai evoluir para o catolicismo liberal, de que ficará o inspirador ao longo do século XIXo. Após a condenação de seu jornal, se retirará em sua propriedade de la Chênaie, na Bretanha. No final do ano 1833, cessará toda função sacerdotal, e, a partir de 1835, não partilhará mais a fé católica. 17 Em maio de 1831, Lacordaire e Montalembert abrem uma escola livre que é imediatamente fechada pela polícia. Em setembro, intimados diante da Câmara dos Pares, onde Montalembert acaba de ser eleito, são condenados a somente 100f de multa. --- Henri Lacordaire (1802-1861), padre e dominicano. Com Lamennais e Montalembert, um dos chefes de fila do catolicismo liberal. Após a condenação do Avenir, afasta-se de Lamennais. Grande orador, pregará em Stanislas, em N.D. de Paris, (1835-36) e, em 1843, restaurará a Ordem dos Dominicanos na França. --- Charles de Montalembert (1810-1870) participa no grupo dos católicos liberais de Lacordaire e de Lamennais. Colaborador no Avenir, se separará de Lamennais em 1832. Membro da Câmara dos Pares, esteve no centro dos debates sobre a liberdade religiosa e a do ensino. Tinha aberto em Paris um brilhante salão literário. Deixou um importante estudo sobre os Moines d’Occident. 18 Alusão à revolta do dia 14 de agosto em Varsóvia que tentava livrar-se da dominação russa e austríaca. As tropas de Nicolas 1o tinham-se apossado da cidade no dia 8 de setembro. Esse episódio foi a ocasião, para muitos católicos poloneses, de defender seu país contra o ocupante estrangeiro, como a famosa condessa Emilie de Plater, que serviu de ajudante de campo para seu marido, e que mereceu ser chamada a “Joana d’Arc polonesa”. O Sr. LP encontrará dois de seus irmãos, César e Ladislas, que freqüentavam, como ele, o salão de Montalembert (cf. carta 16, do dia 2 de abril de 1833). |
Índice | Palavras: Alfabética - Freqüência - Invertidas - Tamanho - Estatísticas | Ajuda | Biblioteca IntraText |
Best viewed with any browser at 800x600 or 768x1024 on Tablet PC IntraText® (V89) - Some rights reserved by EuloTech SRL - 1996-2008. Content in this page is licensed under a Creative Commons License |