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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 401 - 500 (1856 - 1857)
    • 444 - ao Sr. Paillé
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444 - ao Sr. Paillé

A saúde do Sr. Le Prevost. Última bênção de Dom Sibour à Comunidade. Sempre o negócio da capela de Nazareth; redação de uma nota para o Arcebispado de Paris. Agradecimentos pelo envio de livros.

 

Cannes 16 de janeiro de 1857

 

            Caríssimo amigo e filho em N.S.,

 

            Recomeço a fazer o sinal da cruz com minha mão, o abcesso do pulso quase desapareceu e a irritação dos nervos do braço diminuiu também muito. Escrevo sem dificuldade, pude desde então preparar sua pequena nota para a capela e, embora pareça agora quase inútil, mando-a para que você faça com ela o que precisar. Seria necessário copiá-la e colocar minha assinatura, que o Sr. Maignen saberá calcar, se você julgar que se deva juntá-la à nota com uma data qualquer.

 

     Quereria muito escrever um pouco demoradamente aos nossos bem-amados irmãos de Nazareth; vou me dar, espero, esta satisfação, mas neste momento a interrupção que meu mal de mão colocou em minhas correspondências me causou um acúmulo, de que não sei como sair. Não escrevo muito, aliás, cada dia, um mal-estar, uma visita, um nada me absorvem os poucos instantes em que meu pobre espírito tenha um pouco de liberdade. Estou longe de ser forte, meu inverno se passa tão penosamente como o do ano passado. O médico que tive de mandar vir estes dias, por causa de meu mal de braço, auscultou meu peito e não me pareceu muito satisfeito. Eu acharia, com efeito, que o sofrimento contínuo que me dava e me dá ainda o ar demasiadamente vivo e excitante desta região aumentou a obstrução do pulmão. Essa afecção havia diminuído neste verão, e sobretudo pelo fim de minha estada em Vaugirard, mas retomou toda a sua intensidade e mais ainda sem dúvida desde minha estada aqui. Com órgãos tão fracos e tão alterados, o menor acidente bastaria para acabar comigo, mas vou indo sem me preocupar, sendo que me entreguei de corpo e alma nas mãos do Pai terno e misericordioso, ao qual tenho a felicidade de pertencer; espero que Ele fará de mim o que for o melhor para sua glória e para minha salvação.

 

            Acabo de receber uma boa carta do Sr. de Kergorlay que, entre outras coisas, me diz que viu nosso santo Arcebispo alguns dias antes de sua morte274 e que recebeu para nós, irmãos de São Vicente de Paulo, palavras repletas de benevolência e uma bênção toda especial. Não é uma doce consolação, e não parece que o divino Mestre, que ia chamá-lo de volta a Si, havia posto nas suas últimas inspirações a de encorajar nossa pequena família e de aumentar sua esperança e sua confiança no futuro. Estejamos portanto bem tranqüilos, caríssimos amigos, nossos trabalhos, nossas provações são a obra de Deus em nós, não nos atormentemos com isso, não impeçamos a ação divina, ela molda assim nossas almas e, espero também, o edifício de misericórdia e de salvação que ela prepara em nossa pequena família. Com essa confiança, caros amigos, suportarão corajosamente o excesso de dificuldades e de penas que os rigores do inverno acrescentam a seus trabalhos, atravessarão com paciência estes dias duros e sombrios, e depois a primavera voltará, respiraremos um pouco, o sol nos alegrará e, espero também, caros amigos, a doce alegria de nos rever fará desabrochar nossos corações. Recomendo a você em particular, caríssimo irmão Paillé, sacudir seus humores negros, ter um rosto agradável, muita afabilidade e todas essas suavidades que você tinha colocado em suas resoluções nessa memorável conferência, que veio um pouco depois da do burro e do boi alojados em seu coração. Não se esqueça de que havia ali também um cordeiro; é um amável animal, procure assemelhar-se a ele.

 

            Negligenciei muito meus pobres filhos Emile e Jean-Marie, mas vou escrever-lhes em alguns bons momentos que o bom Deus me der; que saibam perfeitamente, enquanto isso, que os acompanho com os olhos, que sei tudo o que dizem e fazem, porque meu coração está com eles, que o coração vê de longe, quando ama muito e que o meu lhes é ternamente apegado. Vocês estão vendo bem, caros filhos, que o bom Deus está conosco, já que sua caridade nos une tão afetuosamente e, se Ele está conosco, que podemos temer? Vamos, portanto, para frente, apesar do frio, da neblina e da lama; viva o Senhor, que o frio e o calor o bendigam, e que nossos corações sejam sempre para Ele, aconteça o que acontecer, confiantes, agradecidos e cheios de amor.

 

            Agradeço-lhe, meu irmão Paillé, por seu bom pensamento de me mandar a vie de querida soeur Rosalie275 (acabo de recebê-lo; o outro livro Rio poderá, se for o caso, ser mandado com o vinho). Gostaria muito que você me mandasse os Quatre martyrs do Sr. Rio276, em Bray, edição a 2f preço forte, mas desejaria antes saber um pouco, por alguém que o tivesse lido, o que é esse livro e quem são esses quatro mártires. Estimo o talento e o bom espírito do Sr. Rio, mas é sempre bom receber um pouco de informação. Acho, aliás, que é somente um livro de diversão. O pequeno livro, La présence de Dieu de Gonnelieu, é uma pérola. Faço dele meu alimento, agradeço a Deus por me tê-lo enviado. Vou pedir-lhe um pouco de vinho em breve, sem dúvida, tanto de Vaugirard como daquele do Sr. Dupuis. Em tudo, umas vinte garrafas, aguardo ainda um pouco para bem precisar. O vinho a 1f me convém tanto como o a 2f, será uma economia. Ainda não preciso de dinheiro; espero, se não houver acidentes, precisar dele somente para nossa volta. Vivemos tão economicamente quanto possível, mas os estrangeiros sempre são explorados um pouco.

 

            Adeus, meu excelente amigo, esforce-se para que a pequena casa de Nazareth seja amável e tenha bom odor, que faça amar os irmãos de São Vicente de Paulo, e, para tanto, o meio é bem simples, faça reinar ali o espírito do divino Menino Jesus, a doce e misericordiosa bondade de Maria, a paciência e a humilde benevolência de nosso Pai São José, a generosa caridade, a confiante esperança de nosso Pai São Vicente, e tudo será dito; não precisa de mais nada, somente isso, Deus e os homens ficarão contentes. Abraço-os afetuosamente assim como seus quatro irmãos.

 

            Seu amigo e Pai em Jesus e Maria

 

                                               Le Prevost

 

            P.S. Agradeça por mim nosso bom confrade, o Sr. Leblanc, por sua excelente carta; vou escrever-lhe logo que puder. Agradeça também aos nossos bons idosos de Nazareth; farei também uma pequena carta para eles. Peço um pouco de indulgência por minhas lentidões involuntárias.

 

Nota concernente à destinação da Capela de Nazareth

 

ao estabelecimento provisório da paróquia de N.D. des Champs.

 

            Uma nova paróquia tendo sido erigida por decisão recente de Monsenhor o Arcebispo de Paris para o bairro N.D. des Champs, o Sr.  padre Duchesne, Pároco dessa circunscrição, deitou os olhos, para estabelecer provisoriamente sua igreja, na pequena capela de Nazareth, servida pela Comunidade dos Irmãos de São Vicente de Paulo, e pediu que lhe fosse cedida em aluguel por um ou dois anos.

 

            Essa capela está a serviço, hoje, de diversas obras caritativas fundadas pelas quatro Conferências de Saint Germain des Prés, de Saint Sulpice, dos Carmelitas e de Stanislas, para o interesse espiritual e temporal dos pobres do bairro Saint Germain. Essas obras são notadamente: um patronato de 200 aprendizes, um outro de 100 jovens operários, uma Santa Família, um asilo para 50 idosos, enfim, todo o movimento dos pobres e dos operários atraídos por um forno econômico, uma biblioteca popular etc... A capela serve de centro a todo esse conjunto de meios, que tendem a trazer as almas de volta à fé e que supõem por isso mesmo um lugar santo onde se possa reuni-los, um local favorável, onde o ministro do Senhor possa atraí-los e aproximá-los de Deus. Sem esse precioso recurso, todos os demais seriam quase vãos, perderiam seu valor e não atingiriam mais sua finalidade. Nas ocasiões em que as obras facilitam e preparam, as crianças, seus pais, os membros das Conferências se reúnem para piedosas solenidades, cujo efeito é reconciliar com as práticas religiosas numerosos pobres que delas estavam afastados há muito tempo. Assim é que, ultimamente, na festa do Natal, mais de 300 comunhões foram feitas na missa do galo, na capela de Nazareth, pelas crianças aprendizes, pelos jovens operários e seus pais. Poder-se-ia quase assegurar que uns trinta apenas se teriam lembrado das solenidades do Natal, se as obras não os tivessem atraído e aos poucos preparado para delas recolher os frutos. Esse fato, escolhido entre muitos outros que se repetem constantemente em Nazareth, basta para mostrar de que interesse é para a obra não estar privada de uma capela bastante vasta, acessível e cômoda, que responda às exigência de sua ação.

 

            No entanto, há de se notar que todo meio falta para suprir convenientemente a que está sendo usada, presentemente, para essa finalidade e que se trataria de usar para uma outra destinação. Supondo, com efeito, que com tabiques móveis ou de outra forma, se pudesse estabelecer um altar na única sala reservada aos exercícios do Patronato, esse local restrito demais, inacessível por fora, estaria longe de satisfazer aos hábitos277 e às necessidades das obras. Tornaria impossível essa ação simultânea, que elas tendem a exercer sobre as crianças e sobre seus pais, para  orientar para o bem suas influências recíprocas. Nem seria muito um local de edificação para as crianças e os jovens operários. Seria mesmo conveniente, com efeito, celebrar os Santos Mistérios no local que serve todo dia a todos os jogos e recreios dos aprendizes? Seria um meio de inspirar o respeito para as coisas sagradas a assembléias de crianças ou de jovens, que mal  mantemos atentos e respeitosos no próprio lugar santo? Enfim, na impossibilidade em que estaríamos de deixar a Santa Reserva em tais condições, não se privaria a Comunidade dos irmãos desse precioso privilégio, único alívio de seus trabalhos, indispensável bem  de sua vida comum, como o é realmente para toda família religiosa?

 

            Essas razões, que poderiam ser apoiadas por várias outras, parecem bem dignas de atenção, se considera-se que, ao mesmo tempo, a medida em questão mutilaria e anularia quase a obra de Nazareth, fruto de muitos anos de penas e de sacrifícios, que prejudicaria a própria paróquia, tão fortemente interessada em cercar-se de obras que preparam e segundam sua ação; enfim, que não lhe asseguraria, afinal, senão um edifício insuficiente, mal situado, sem dependências e necessariamente incomodado pelas vizinhanças barulhentas de assembléias de crianças e de jovens operários.

 

            Uma outra consideração, embora secundária por natureza, reveste-se, pelas circunstâncias, de uma força que ousaríamos chamar de peremptória e decisiva. A compra do terreno onde está assentada a obra, o acabamento de sua capela, a construção de edifícios consideráveis, enfim despesas diversas de instalação arrastaram a obra para despesas que ultrapassaram toda previsão e que não sobem a menos de 220.000f. Dessa importância, 100.000f ficam para pagar e 41.000f são exigíveis pelos empreiteiros para o dia 1o de julho próximo. Com todos os seus recursos próprios esgotados, a obra tem doravante recursos e fundos somente na caridade das almas bondosas e no zelo de uma Comissão administrativa, cujos membros dedicam-se ao acabamento do empreendimento. Ora, de perto e de longe, um grito unânime de todos os amigos da obra avisa que retirar-lhe sua capela é despojá-la de sua coroa, é tirar-lhe seu principal atrativo para excitar a caridade, é criar-lhe, em uma palavra, uma dificuldade que não poderá superar. Todos os membros da Comissão, sem exceção, partilhando esse sentimento, declararam que não estavam vendo  nessa hipótese possibilidade nenhuma de cumprir sua tarefa e que comprometer a obra até esse ponto era preparar um desses tristes fracassos tão lamentáveis nas obras do serviço de Deus.

 

            Ousa-se esperar que a autoridade diocesana dignar-se-á levar em  conta essas observações, que não vai querer conseguir, com tais riscos, um convênio bem contestável para a paróquia, e que, continuando em favor da obra de Nazareth a benevolência tão preciosa que lhe testemunhou até agora,  não exigirá dos que a sustentam um sacrifício equivalente para eles à sua ruína278.

 

 





274 Dom Sibour (1792-1857) arcebispo de Paris. No dia 3 de janeiro, participando, na igreja St-Etienne-du-Mont, na novena em honra de Santa Genoveva, padroeira de Paris, é morto à facada por um fanático, Verger, padre da diocese de Meaux. Por causa de seu comportamento escandaloso e por ter pregado contra o dogma da Imaculada Conceição, o arcebispo havia sido obrigado a fulminar-lhe  interdito.



275 A apóstola do bairro Mouffetard, em Paris, Soeur Rosalie Rendu, Filha da Caridade, havia falecido em 7 de fevereiro de 1856. No mesmo dia das exéquias, o visconde de Melun decidia redigir sua biografia. Talvez seja esse livro que o Sr. Paillé fez chegar ao Sr. LP.?



276 Aléxis F. Rio (1791-1874) (cf. carta no 20, do 20 de agosto de 1833) fazia parte do grupo de Lamennais, que ele acompanhou em Roma em 1832. Era o autor de obras de história da arte cristã. Os Quatre Martyrs acabavam de ser publicados em 1856.



277 Hábitos, maneiras de agir: é o que significava, na época, a palavra “errements” usada pelo Sr. LP., e que não era pejorativa.



278 “Não era possível redigir um arrazoado ao mesmo tempo mais manso e mais forte. A causa estava ganha. A vaga da Sede de Paris não permitia dar prosseguimento aos debates, e quando foi nomeado o cardeal Morlot para suceder a Dom Sibour, (entrará em função em 25 de abril), o pároco de N.D. des Champs se organizou de outra forma. Fez construir, na rua de Rennes, bem perto da entrada do colégio Stanislas, uma pequena igreja de madeira que serviu de paróquia durante mais de 20 anos até a inauguração da igreja atual no boulevar Montparnasse. Se a capela de Nazareth lhe tivesse sido alugada, não teria sido durante 2 anos, mas durante 20 anos, que o Patronato teria sido privado dela. Era a ruína da obra”. (VLP. 1, 561).





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