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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 22 - ao Sr. Pavie
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22 - ao Sr. Pavie

Consolo ao  amigo em sua desventura sentimental. Nova orientação da vida do Sr. Le Prevost. [seu casamento com Mademoiselle Lafond]. Ele seguirá os conselhos de seus amigos de Angers.

 

Quarta-feira 1o de janeiro de 1834

            Escrevia-lhe, meu amigo, quando chegou sua carta. Tive uma certa alegria, chegando da missa e após ter dado minha primeira hora deste ano a Deus, em dar a você, amigo, a segunda; mas o que era de dom puro torna-se dever. Você sofre, sofre muito. Entrevejo confusamente sua infelicidade, entrego-me a ela todo inteiro. Você quer, caro Victor, que lhe fale de mim, o farei, amigo. Em outro momento, isso  repugnar-me-ia,  mas nesta hora o que poderia recusar-lhe? Deixe somente, antes, meu irmão, que responda a seu abraço amigável. Deixe que lhe diga que choro com você, que minha alma já comovida e pressentindo sua pena se compadecia com ela numa indizível tristeza e recebe somente agora o golpe que aguardava. Deixe que lhe responda, amigo, (é preciso ser amado quando se sofre) que ninguém nunca teve amigos ternos, dedicados como os seus, e se apraz ao Céu que semelhante alegria, recusada a tantos outros, tenha sido coroada, fosse por uma hora somente, com uma alegria mil vezes mais pura, mais invejável ainda, é preciso considerar sua sorte como boa, sua parte como bem generosa e, ainda que chorando, gritar ainda, como você tem feito: Bendito seja Deus que dá e retoma. Lembre-se também que retomando, é então que ele dá mais. Você sonhou, feliz de você! Quantos, de alma pobre e coitada, são incapazes disso; quantos, de alma tímida e desanimada, não ousam conceder a toda sua vida a criação de um sonho! Você não sabe como o sei eu, tudo o que há de abatimento e de tristeza ao sentir em si potências terríveis que nunca serão usadas; ao ver, não nos sonhos, mas perto de si no mundo real, a alma que é sua, da qual Deus disse-lhe o nome, que teria podido compreendê-lo, responder-lhe, e, todavia, a quem não se ousaria falar, nem, já o disse, pensar nem sonhar, que mil impossibilidades separam de você para sempre e tão invencivelmente que nas horas de maior confiança, nunca um clarão de esperança apareceu para autorizar mais tarde ao menos um pesar. Daí, tornando a descer às possibilidades, às coisas que Deus permite, que põe ao nosso alcance, não poder levar a elas nem seu coração nem sua vida, indagar somente se dessa existência vazia alguém ainda gostaria e dizer: tome, é bem pouco, mas não saberia dar mais. Você me reconhece em tudo isso, meu caro Victor, e não vai preferir sua parte à minha? Nunca volte, mas nunca mesmo, amigo, sobre a impossibilidade de que estou falando! Eu a teria silenciado até a hora de aflição em que você me entrega sua alma para adormecê-la e lhe proporcionar algum descanso, hora em que, então, para tanto, bem no fundo do meu ser, hauro nos últimos recursos do íntimo? Eu teria silenciado para você essa impossibilidade, se  ousasse chegar na condição de esperança ou até de sonho, se fosse algo diferente de uma tristeza sem causa, que não serve para criar e, no entanto, forma obstáculo e se interpõe às vezes com uma incrível autoridade?

 

            Oh! fique contente comigo, meu caro Victor, pelo esforço imenso que também fiz agora para falar-lhe de mim, quando meu coração só está repleto de você, só se sente viver em você e em sua pena. Procure ainda dominar-se o bastante para me escrever de novo e me dizer um pouco mais, até onde, ao menos, lhe for suportável. Receio  ter  cumprido de forma incompleta  a tarefa que você impunha à minha amizade. Você me pedia talvez, amigo, alguma revelação decisiva sobre minha sorte que, preocupando vivamente sua terna solicitude por mim, o arranque de si mesmo por um tempo. Infelizmente, amigo, o que lhe dizer? Se é a vida interior que você quer, ela esteve, desde sua carta, bem agitada, bem ativa; e, qualquer esforço que fizesse, hoje, não saberia lho dizer. Quanto à vida dos fatos, está praticamente parada. Aguardo um pouco de calma. Espero que a coisa demasiadamente contida, a forma de idéia se purifique, se desembarace e suba novamente ao nível do sentimento. Então, amigo, penso eu, lhe obedecerei. Meus pensamentos, ao menos, abandonaram absolutamente o outro projeto, o desapego era pouco penoso, como lhe disse anteriormente: era isso para mim uma forma simples e resignada da minha vida: num impulso, para cima e diretamente, a teria dado a Deus, num impulso ainda, mas por uma outra via, você entreviu como minha alma poderia tê-la sonhado; esses dois caminhos fechados, qualquer outro me convirá, penso eu, e Deus me ajudará. Sabe, e a você posso tudo dizer, o que lamento mais agora, é a castidade reconquistada com o concurso incessante de Deus, que me tinha devolvido a meus próprios olhos certa pureza, certa poesia, a castidade que precisará perder num amor não santificado de esperança, em um hímen sem fruto. Mas seu amigo52, (quero dizer o que está perto de você) refletiu muito sem dúvida sobre isso e você também com certeza. Superarei portanto, provavelmente, esse escrúpulo e seguirei seu parecer. Tudo isso aliás, toda reflexão, toda tristeza apagar-se-ão após a determinação tomada. Bem sei que há uma imensa distância entre o momento em que falamos e o que antecede.

 

            Adeus, meu querido irmão, fale comigo, eu também preciso ouvir sua voz. Que pena que você não esteja aqui, como você seria amado, como sua pena seria partilhada, suas lágrimas enxugadas. Oh! que minha lembrança seja consoladora para você. Agradeça com ternura seu amigo; transmita-lhe respeito e afeição da minha parte.

 

Léon Le Prevost

 

 





52 O amigo íntimo de V. Pavie é o padre Jules Morel, (1807-1890), decano do pequeno cenáculo. Consultado pelo Sr. LP, o jovem padre se pronunciou em favor do casamento. “Como o lamentará mais tarde, escreve Maurice Maignen, quando conheceu bem as circunstâncias  e as conseqüências”.  Mas Deus tinha sem dúvida seus desígnios (...) (cf. VLP. 1, p. 41).





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