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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1001 - 1100 (1865 - 1866)
    • 1012 bis do Sr. Paillé ao Sr. Hello
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1012 bis do Sr. Paillé ao Sr. Hello

No hábito de estarem juntos nos exercícios comuns, haurir a cordialidade fraterna que faz a felicidade de uma comunidade”. Narração detalhada da peregrinação à montanha da Salete. Detalhes pitorescos sobre os cansaços da viagem.

 

Allevard,[1 e 2 de agosto] de 1865

 

Após uma semana de caminhada, eis-nos instalados em Allevard, tomando banhos sulfurosos, engolindo água enxofrada, absorvendo uma atmosfera de enxofre: deveriam se apressar a chegar todos aqui para partilhar nossa sorte de fósforos. Apesar de tudo isso, a saúde de nosso caro Padre é satisfatória. Rezem muito à Nossa Senhora da Salete, e tornará nosso caro Padre capaz de passar um bom inverno e de responder a todos os mil assuntos que vamos pedir-lhe para resolver em todos os instantes do dia. Após esta apresentação da situação presente, deixem-me voltar ao passado, para permitir-lhes fazer a viagem conosco.

 

Na saída, estava com uma certa tristeza: a situação de nossa Comunidade era pouco regular. Tinha censuras pessoais a fazer a mim mesmo a esse respeito, e sentia que, afastando-me, o pouco que ainda sobrava ia desaparecer. Falta-nos apego aos exercícios de Comunidade, porque não sentimos seu efeito direto sobre as nossas obras. Nossa ilusão é de que nossa santificação não depende dos exercícios de Comunidade e que o êxito de nossas obras não depende de nossa santificação. Não quero me estender para demonstrar essas ilusões; quero somente manifestar-lhes minha impressão ao deixá-los, e expressar-lhes que a força do religioso é muitas vezes colocada por Deus nos cabelos, quer dizer na fidelidade aos exercícios, e que essa obediência nas coisas pequenas lhe é muito agradável. Ficaria, portanto, muito feliz ao saber que vocês são exatos nos exercícios de Comunidade e que, nesse costume de estarem juntos, haurem a cordialidade fraterna que faz a felicidade de uma Comunidade. Como de costume, caros irmãos, não estou correndo; detenho-me nas impressões de saída [segunda-feira, 25 de julho de 1865], sem ter saído do lugar. Enfim, eis que estamos no vagão, o trem sai, estamos a caminho de Chalon. Ficamos bastante livres em nosso compartimento, pudemos conversar, e, quando estamos com o bom Pai e o Sr. de Varax, conversando sobre você e a Comunidade, é bem agradável. Em Chalon, fomos acolhidos bondosamente pelo irmão do Sr. de Varax e, no dia seguinte [terça-feira, dia 26], foi preciso partir para Grenoble e nos separar desse muito querido Sr. de Varax, que deixamos num estado de saúde satisfatório, não cansado demais pela caminhada. Chegamos em Grenoble às 5h30 da noite. Nosso bom Pai não estava cansado demais; pudemos, sem temeridade, partir no dia seguinte, quarta-feira [dia 27] às 6h30, após a missa, para Corps. Estamos na parte mais cansativa da viagem. Estávamos numa viatura ruim, a chuva caia em torrentes. O trajeto durou 8 horas e trinta. Felizmente, quase não havia chovido em Corps e podíamos, sem perigo, fazer a ascensão da Salete. O trajeto era de duas horas e trinta. Usamos mulos. Saímos em companhia de um eclesiástico, de duas religiosas, de um senhor e de quatro senhoras, no total, dez pessoas. A subida se fez sem acidente. A montanha estava coberta de nuvens; foi preciso entrar nelas, quer dizer, numa neblina espessa a ponto de nada distinguir a quinze passos de distância. Pensávamos estar em novembro. Enfim, após um pouco de chuva, chegamos à Santa Montanha, exaustos de cansaço, mas felizes por termos um pequeno sofrimento a oferecer a nossa Santa Mãe das Dores. Fizeram-nos entrar na hospedaria, nos deram pequenos quartos, como os de Vaugirard, e, uma vez depositados nossos embrulhos, fomos adorar o Santíssimo Sacramento na magnífica igreja de Nossa Senhora. Em seguida, descemos ao terreno da aparição, onde se achavam três grupos de bronze de tamanho natural, da mais perfeita execução. O primeiro representava Nossa Senhora sentada na pedra da fonte. Em baixo, a fonte milagrosa corre continuamente. Quanta alegria sentimos ao ajoelharmo-nos aos pés dessa Santa Mãe que chora, com a cabeça nas mãos! Quando pensamos que chorou assim por nossa causa, nos sentimos emocionados e choramos com ela. Gostaríamos de poder parar essas lágrimas. O meio é purificar-se do pecado e levar os outros a se purificarem. Ela chora porque não há conversão; convertamo-nos, e trabalhemos em vista da salvação dos outros. A quatro passos dessa imagem, se encontra Nossa Senhora de pé, falando aos pequenos pastores. A Santíssima Virgem tem os braços cruzados, um crucifixo, tenazes, pregos no peito. Encarrega as crianças de anunciar a todo o seu povo, quer dizer, a todos os cristãos, a notícia da ira de Deus, se não há conversão. Falando aos pastores, dirigia-se a todos e suas lágrimas corriam sem interrupção. De joelhos ao pé desse grupo, recebemos as palavras ditas aos pastores e, considerando a atitude e o rosto desolado de nossa Santa Mãe, sentimos os olhos encherem-se de lágrimas e o coração se penetrar de horror pelo pecado que causa tanta dor a nossa Mãe. Deixando esse grupo, passamos o ribeiro por onde passou a Santa Virgem e subimos pelo caminho que percorreu, onde há 14 cruzes plantadas. Rezamos, então, com a Santíssima Virgem a via Sacra, em união de expiação. Essa subida da via sacra, que é interrompida em dois lugares, é, no dizer dos Padres da Terra Santa que vieram ao santuário da Salete, a figura exata do caminho do Calvário em Jerusalém. O que prova que, ao percorrer esse caminho, a Santa Virgem quis traçar uma via sacra e prevenir seus filhos de que, para secar suas lágrimas, é preciso segui-la na expiação e, após essa expiação, subir ao Céu com Ela. Ao chegarmos ao outeiro que está em cima da via sacra, entramos na capela da Assunção, onde se acha o grupo que representa a Santíssima Virgem.

 

Após ter deitado sobre a terra olhares de misericórdia, ela é percebida, com os olhos voltados para o céu, pedindo piedade pelos pecadores. Nessa capela, experimentamos sentimentos de consolação, pensamos no Céu, onde está nossa Mãe; nos sentimos bem nesse lugar de onde se elevou para a pátria; pedimos para segui-la. Saindo dessa capela, voltamos à Virgem sentada, à Virgem que fala às crianças, à via sacra, e continuamos assim, sem podermos nos decidir a abandonar esses lugares tão queridos. Mas, no caso de uma pessoa ou uma coisa nos reclamar, partimos com a intenção de voltar o quanto antes. Essa terra é terra abençoada. Sente-se que nossa Santa Mãe passou por ali, e é impossível decidir-se a deixar seus rastros: bebemos a água milagrosa, colhemos flores no caminho que percorreu nossa Mãe. Gostaríamos de ficar para sempre nesse lugar abençoado. Esse sentimento é tão vivo, que uma senhora de Grenoble, que vinha muitas vezes à montanha da Salete, quis ser enterrada na montanha e pediu por testamento que se escrevesse no seu túmulo estas palavras: Ela descansa onde seu coração sempre esteve.

 

Deixemos esse lugar por um momento. São 6 horas. Após uma rápida visita dos Santos Lugares, o sino anuncia o jantar às 6h30. Éramos uns trinta à mesa, entre os quais um grande número de eclesiásticos. Não estávamos com os irmãos (comem à parte). Após o jantar, tornamos a visitar os Santos Lugares, mas chovia. Às oito horas, o sino anunciou a oração; todos foram à igreja. O Padre Diretor do exercício fez diversas recomendações de orações. Recitamos cinco dezenas do terço, fizemos a oração da noite; então, o Padre, numa breve instrução de 17 minutos, deu a matéria da meditação do dia seguinte. Terminamos com um cântico a Nossa Senhora da Salete. Às 9 horas, deitar. Às 4h30, levantar para a oração da manhã, a meditação, a Santa Missa; às 7h30, desjejum; voltamos, em seguida, aos Santos Lugares (quinta-feira, dia 28 de julho).

 

Compramos um grande vaso de lata, de dois litros e vamos enchê-lo na fonte. Compramos três fotografias, representando os três grupos de bronze. Às 11 horas (isso acontece todos os dias na mesma hora), um Padre vem aos Santos Lugares para contar toda a história da aparição em todos os seus pormenores. Essa narração foi feita de uma maneira muito simples e muito interessante; durou quarenta e cinco minutos, sem cansar ninguém. Estávamos sentados no chão, ouvindo o Padre que falava, em pé. Imaginei, então, Nosso Senhor ensinando a multidão no deserto. Ao meio-dia, almoço. Em seguida, cada um vai para onde sua atração o leva. O sol acaba de apontar, mas as nuvens ainda cobrem as montanhas e o tempo está incerto. Os romeiros se dispersam, uns sobem no outeiro vizinho, outros em outro outeiro, a quarenta minutos de distância, mas a conversa sempre tem por objeto a celeste aparição. Não pude subir: minhas pernas se ressentiam demais da subida com o mulo. Fiquei numa pequena elevação, avistando os Santos Lugares, e sentei, contemplando todas essas coisas maravilhosas: esses Santos Lugares, essa igreja, esse hospício, esses Padres da Salete, essa afluência de peregrinos, essa terra onde se sente a Santíssima Virgem ainda presente. Às 3 horas, era previsto fazer a via sacra, mas, a partir das 2h30, a chuva começou a cair abundantemente. Retiramo-nos na capela da Assunção, meditando sobre todas essas coisas. Em seguida, visitamos a igreja, que é muito ampla e num lindíssimo estilo românico. No altar-mor aparecem esses castiçais das oficinas de Vaugirard. As capelas são cheias de ex-votos. Essa igreja é toda de granito e de mármore tirados dos arredores. Todas as construções custaram um milhão e trezentos mil francos. Os três grupos em bronze, de 45.000f, foram doados por uma só pessoa. À noite, às 6h30, jantar; 8 horas, terço, oração, instrução, cântico; 9 horas, deitar. Sexta-feira [29 de julho] 4h30, levantar, meditação; 7 horas, Santa Missa no altar-mor, assim como na véspera, celebrada por nosso Padre Superior (eu era o coroinha). Rezamos muito por nossa querida Comunidade, por todos vocês, por todas as nossas obras. Pensava em vocês que, conosco, faziam uma novena a nossa Santa Mãe. Posso dizer que, nesses Santos Lugares, a oração é uma graça dada a todos: é fácil, doce, agradável. Após a Santa Missa, via sacra. Desjejum às 8 horas. O tempo era tolerável, tínhamos de partir, nosso  Pai num mulo, eu, a pé. O mulo parte, é preciso seguir, é preciso deixar os Santos Lugares. Olhei para trás muitas vezes e ainda via a Virgem da Assunção. Enfim uma nuvem acabou escondendo-a e tivemos que avançar, com o coração triste. Sentia o pesar de uma criança que deixa sua mãe, e, como uma criança, chorava. Desci assim a montanha durante duas horas. Os sítios eram muito lindos, mas eu não me importava com isso. Tinha muita outra coisa no coração. Esse pesar não cessou; não posso pensar sem emoção na Santa Montanha. Sexta-feira, às 10 horas, estávamos em Corps; às 6 horas, em Grenoble. Sábado [dia 30 de julho], saída para Allevard. Chegada às 2 horas. Dificuldade para achar um alojamento conveniente. Enfim, no dia seguinte, domingo [dia 31], às 10 horas, achamos um hotel retirado, bem situado, bem tranqüilo. Instalamo-nos ali. No dia seguinte, segunda-feira [1o de agosto], (dia de hoje), nós, sofremos  por todo o corpo e começamos a poder tomar uma pena para lhes escrever. Pensam que demoramos para tanto? Cuidado, para não caírem nesse juízo temerário: são 10 horas da noite, e sou forçado a parar. Até amanhã. Boa noite.

 

Terça-feira, 2 de agosto. Laudetur Jesus Christus : estou de pé. Nosso Pai rezou sua missa (sou eu o coroinha, todos os dias). Seu estado de saúde é bom. O regime do enxofre o perturbou um pouco, mas não o bastante para que não possa continuá-lo. Há motivo para esperar que, por suas orações, o tratamento dos banhos terá bom resultado para ele.

 

Adeus, caros amigos, nosso Pai e eu, os abraçamos a todos com muita ternura. Teríamos gostado de tê-los na Salete, mas a Santíssima Virgem, não duvido, lhes dará grandes graças. Insistam muito para que o bom irmão Chaverot vá à montanha da Salete, para que reze muito, para obter a graça de fazer essa romaria.

 

Apresentem minhas amizades a todos os amigos.

 

Seu devotado irmão em São Vicente de Paulo

 

                                                     Paillé

 

 




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