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Jean-Léon Le Prevost
Cartas

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  • Cartas 1 - 100 (1827 - 1843)
    • 31 - ao Sr. Pavie
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31 - ao Sr. Pavie

Muito atarefado, o Sr. Le Prevost não teve tempo de escrever. Sua vida doméstica não deve enganar. O alicerce de sua natureza é a esperança. Confidências sobre as provações de sua vida conjugal. Sua força de alma para cumprir seu compromisso.

 

Paris, 24 de novembro de 1834

            Estaria muito inquieto na presença de qualquer outro, meu querido Victor, de um silêncio tão bem observado como o meu; mas com você chego tão confiante e tão livre como nunca, porque minha terna afeição não mudou e,  tenho plena certeza, é tudo isso e somente isso que você me pede. O resto é subjetivo, acidental e por isso desculpável ou fácil de se esquecer. Na falta dos fatos, você recorre à intenção e,  falhando a própria intenção, algo lhe resta que é pessoal, próprio, é uma vista inteligente e larga de tudo o que é humano, uma fé implícita nas possibilidades vagas, uma percepção real do imperceptível, uma visão transcendente do invisível. Seria muito infeliz se, com tudo isso, você não tivesse descoberto que, nesses últimos tempos, eu, como por prazer, tinha-me deixado envolver com mil coisas até perder o fôlego. Minha cabeça passava por cima um momento, depois, logo em seguida, estava de novo envolvido. Você, algumas vezes também, deve ter concedido a si próprio semelhante entretenimento. Não saber para que correr, a quem ouvir, o cansaço, a tontura, depois, quando se deixa tudo por esgotamento, ver tudo à ventura do bom Deus, e por isso tudo andar melhor e  chegar sem você ao objetivo. Se você pergunta sobre o que tudo isso agia, não sei muito bem, na verdade. O negócio Levassor e alguns escritos sem maior importância são o que vejo de mais nítido. Para você, que dá dez voltas enquanto eu dou uma, teria havido bastante folga e espaço, mas você sabe, o copo de água tem suas tempestades, e a nulidade, seu infinito.

 

            O negócio Levassor de que falava continua provisoriamente nessa feliz indecisão que combina tão bem com a quietude de nosso amigo. Obteve ele de sua família, como único resultado, licença de ficar seis meses em pensão na casa do Sr. Dufour para examinar de perto o assunto e ter a certeza de que lhe convém. Apesar do tom com que falo, acho isso sensato e não senti por isso a menor contrariedade. Aliás, eu também, em certos momentos, que procurarei converter em dias, depois em anos, vejo quase com indiferença tudo o que faz a trama material de nossa vida. É desânimo e fraqueza muitas vezes, algumas vezes, resignação, ardente esperança em Deus. Este último sentimento é e continuará sendo, espero, o fundamento de minha vida, minha nota sensível. O resto não passa de vibração consoante ou simples acompanhamento. Enquanto puder falar assim, meu amigo, não me lastime; minha vida exterior pode ser esquisita, monótona e triste, não tem importância; há horas que reavivam, que cumulam a alma e consolam de tudo; há horas que irradiam e que cantam, horas quando se ouve ao longe o eco de última hora respondendo à eternidade. 

 

            Não vá tomar muito a sério todas essas frases românticas; é um ângulo da coisa, mas não o absoluto. Aliás, sei muito bem viver a boa vida, estou bem de saúde, correndo há pouco maravilhosamente, comendo e bebendo bem, brigando às vezes com minha mulher, que está agora muito melhor, enfim seu digno amigo [fora  do cachimbo]61, e quase tão barulhento como você.

 

            Minha esposa, meu caro Victor, sem ela querer concordar com isso, está muito mais forte e menos adoentada, trabalha um pouco e caminha, espero,  para uma melhora definitiva. Entre nós, não saberia dizer que a saúde a torne melhor, mas valho tão pouco eu mesmo que em casa andamos assim: quem dá também apanha62. No entanto, nossa vida a dois não é má, e se o bom Deus nos ajudar, poderemos chegar a algo de bom. É coisa estranha, você verá, a vida de casados, e nada poderia de antemão dar uma idéia. Rio disso às vezes, sozinho, ou choro. Pois é igualmente cômico e triste. Há também um lado bom. Até lá, a gente conduz a vida mais ou menos à distância das outras; união de sociedade, de família, união de amigos, união de irmãos, tudo vai lado a lado, e no entanto não sem mágoa. Na vida de casados, é bem diferente; duas vidas numa ou, antes, dualidade feroz, luta até morrer, é preciso escolher. O lado bom é que, de tanto  combater a si mesmo, a gente às vezes se domina no fim e se sai melhor. Ao contrário, se a gente cedesse, o mal correria muito rápido. Vejo só quatro passos: injúria, violência, assassinato, suicídio. Ora, ai está, meu amigo, um pensamento assustador, só o primeiro passo custa, os outros se dariam em uma fração de segundo e quase sem pensar. Ao andar, às vezes, na beira do caminho, pressenti de passagem, às escondidas, tudo isso! Depressa recuei, você poderá acreditar, pois se é preciso vencer ou  romper para colocar aqui a harmonia, é mais fácil e melhor quebrar e domar a si próprio do que a outra pessoa. Quero trabalhar para isso de toda a minha alma; peça a Deus, meu melhor amigo, comigo, para que ele me ampare e me conduza ao fim almejado.

 

            Quase teria vontade de repreendê-lo por não me ter escrito, mas você fez também o que achou melhor, sem dúvida. Escreva-me logo e de coração transbordante sobre todas as coisas e sobre a melhor, em particular. Quero dizer o assunto ao qual  você fez tão breve referência em sua última carta.

 

            Abraços a seu bom pai, a meu amigo Théodore e àqueles que ainda estão por aí, conhecidos ou a conhecer.

 

     Vi Gavard, mas ainda não vi o Sr. Boré; espero por ele; ainda não vi o jovem C. Cuidei dele. Estive no colégio, mas sem vê-lo; quanto antes o verei e o amarei por você e por Deus.                  Seu amigo e irmão,

 

                                               Léon Le Prevost

            Gavard lhe escreveu; vai bem.

 





61 O texto leva: “à cela près de la pipe”, quer dizer fora do cachimbo: se V. Pavie era grande fumante, o Sr. LP. não era de jeito nenhum.



62 A defesa, a réplica, vale o ataque.





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