3.1. Mistério da Igreja
"A Igreja está na história mas, ao
mesmo tempo, transcende-a. Apenas 'com os olhos da fé' se pode divisar na sua
realidade visível uma realidade contemporaneamente espiritual, portadora da
vida divina." (CIC 770) O conjunto dos aspectos visíveis e históricos
relaciona-se com o dom divino, do mesmo modo que no Verbo de Deus incarnado a
humanidade assumida é sinal e instrumento do agir da Pessoa divina do Filho: as
duas dimensões do ser eclesial formam "uma única realidade complexa, formada
pelo duplo elemento humano e divino" (LG 8), numa comunhão que participa
da vida trinitária e faz com que os baptizados se sintam unidos entre si, mesmo
na diversidade dos tempos e dos lugares da história. Por força desta comunhão,
a Igreja apresenta-se como sujeito absolutamente único do acontecimento humano,
de modo a poder assumir os dons, os méritos e as culpas dos seus filhos actuais
como dos de ontem.
A não fraca analogia com o mistério do Verbo
incarnado implica, todavia, também uma fundamental diferença: "Enquanto
Cristo, 'santo, inocente, imaculado' (Hb 7,26), não conheceu o pecado (cf. 2Co
5,21) mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Hb 2,17), a Igreja,
contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada
de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação." (LG 8;
cf. UR 3 e 6) A ausência de pecado no Verbo incarnado não pode ser atribuída ao
Seu Corpo eclesial, no interior do qual, ao contrário, cada um - partícipe da
graça dada por Deus - nem por isso deixa de ter necessidade de vigilância e
incessante purificação e de estar solidário com a fraqueza dos outros:
"Todos os membros da Igreja, incluindo os seus ministros, devem
reconhecer-se pecadores (cf. 1Jo 1,8-10). Em todos, até ao fim dos tempos, a
cizânia do pecado se encontra ainda misturada com o grão bom do Evangelho (cf.
Mt 13,24-30). A Igreja reúne, portanto, pecadores atingidos pela salvação de
Cristo, mas sempre em vias de santificação."(CIC 827)
Já Paulo VI havia solenemente afirmado que
"a Igreja é santa, embora incluindo no seu seio pecadores, já que ela não
possui outra vida senão a da graça […] Por isso, a Igreja sofre e faz
penitência por tais pecados, dos quais, aliás, ela tem o poder de curar os seus
filhos com o sangue de Cristo e o dom do Espírito Santo".24 A
Igreja é, em suma, no seu "mistério", encontro de santidade e de
fraqueza, continuamente redimida e sempre de novo necessitada da força da
redenção. Como ensina a liturgia, verdadeira lex credendi, o fiel particular e
o povo dos santos rogam a Deus que o Seu olhar se dirija à fé da Sua Igreja e
não aos pecados dos indivíduos que são a negação desta fé vivida: Ne
respicias peccata nostra, sed fidem Ecclesiae Tuae! Na unidade do mistério
eclesial através do tempo e do espaço, é possível agora considerar o aspecto da
santidade, a necessidade de arrependimento e reforma, e a sua articulação no
agir da Igreja Mãe.
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