5.5. A nossa responsabilidade pelos
males de hoje
"A época actual, a par de muitas luzes,
apresenta também muitas sombras." (TMA 36) Entre estas, pode-se assinalar
em primeiro plano o fenómeno da negação de Deus nas suas múltiplas formas. O
que fere particularmente é ser esta negação, em especial nos seus aspectos mais
teóricos, um processo surgido no mundo ocidental. Relacionado com o eclipse de
Deus encontra-se, em seguida, uma série de fenómenos negativos, como a
indiferença religiosa, a difusa ausência do sentido transcendente da vida
humana, um clima de secularismo e relativismo ético, a negação do direito à
vida da criança não nascida, que chega a ser sancionado nas legislações em
favor do aborto, e uma grande indiferença perante o grito dos pobres em vastos
sectores da família humana.
A inquietante questão que se coloca é em que
medida os crentes serão eles mesmos responsáveis por estas formas de ateísmo,
teórico e prático. A Gaudium et spes responde com palavras
cuidadosamente escolhidas: "Os próprios crentes, muitas vezes, têm
responsabilidade neste ponto. Com efeito, o ateísmo considerado no seu conjunto
não é um fenómeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se
conta também a reacção crítica contra as religiões e, nalguns países,
principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido
parte não pequena na génese deste ateísmo." (19)
A partir do momento em que o rosto autêntico
de Deus foi revelado em Jesus Cristo, aos cristãos é oferecida a graça incomensurável
de conhecer este Rosto: mas têm, igualmente, a responsabilidade de
viverem de modo a manifestar aos outros o verdadeiro Rosto do Deus vivo. São
chamados a difundir no mundo a verdade que "Deus é amor (ágape)"
(1Jo 4,8.16). Porque Deus é amor, Ele é Trindade de Pessoas, cuja vida consiste
na recíproca comunicação infinita no amor. Deste modo se conseguirá que a vida
melhore, pois os cristãos difundem que a verdade do Deus amor é o amor
recíproco: "Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se
vos amardes uns aos outros." (Jo 13,35) E isto até ao ponto de se poder
dizer que muitas vezes os cristãos "pela negligência na educação da sua
fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da
sua vida religiosa, moral e social, antes esconderam do que revelaram o
autêntico rosto de Deus e da religião" (GS 19).
Sublinhe-se, por fim, que mencionar estas
culpas dos cristãos do passado não é apenas confessá-las a Cristo Salvador, mas
também louvar o Senhor da história pelo Seu amor misericordioso. Os cristãos,
de facto, não crêem apenas na existência do pecado, mas também e sobretudo no
"perdão dos pecados". Além disso, mencionar estas culpas quer dizer
também afirmar a nossa solidariedade com aqueles que no bem e no mal nos
precederam na via da verdade, oferecer no presente um forte motivo de conversão
às exigências do Evangelho, e proporcionar o necessário prelúdio ao pedido de
perdão a Deus que abre caminho à recíproca reconciliação.
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